Após negociações e retirada da Força Nacional da Bahia: a luta pela terra continua

Órgãos se comprometem com pauta dos Sem Terra na região do Extremo Sul

Sem Terras da Bahia realizam ato de Campanha do Plantio de Árvores durante uso da Força Nacional em assentamentos. Foto: Coletivo de comunicação do MST/BA

Por Jamile Araújo*
Da Página do MST

Após a liminar do ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, acatando o pedido do governador da Bahia, Rui Costa (PT), determinar a retirada da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) das áreas de assentamento do MST no Extremo Sul da Bahia, no último dia 17 de setembro, a manutenção da decisão foi levada a votação no plenário do STF. Por nove votos a um, na última quinta-feira (24), o Plenário decidiu manter a suspensão da Força Nacional na região.

O uso da Força Nacional de Segurança Pública ocorreu a partir da portaria Nº 493, de 1º de setembro de 2020, e a pedido do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), com a justificativa de “preservação da ordem pública, segurança das pessoas e do patrimônio”. A autorização foi dada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública para o uso da Força Nacional, em assentamentos nos municípios de Prado e Mucuri.

O governador da Bahia, Rui Costa se posicionou contrário à presença da Força Nacional no estado, com argumento de que não houve qualquer diálogo com os órgãos estaduais e nenhuma solicitação partindo dos mesmos, o que pôs em risco o pacto federativo. Rui Costa enviou uma carta para o ministro da Justiça, correspondências para o Ministério Público Federal (MPF) e ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) na Procuradoria Geral do Estado (PGE) para que o STF julgasse o caso. “A legislação é muito clara ao dizer que a Força Nacional não é uma força federal, é uma força de cooperação dos entes federados”, afirmou Rui Costa no dia 09, em coletiva de imprensa.

O MPF também solicitou informações oficiais ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre as razões para autorização do uso da Força Nacional.

Evanildo Costa, da Direção Nacional do MST, explica que houve tentativas do INCRA de recolocar uma família que havia sido afastada do assentamento em 2019. Segundo ele, essa foi uma das justificativas para que o órgão mobilizasse a FNSP para a região. “Começou no Assentamento Rosa do Prado, dizendo que estava sendo invadido. O secretário Especial dos Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, veio e não encontrou nenhum ‘invasor externo’. Mas o que ele queria era fazer um vídeo retirando a bandeira do MST de uma escola. Então, foram acionados cem homens da Força Nacional para tirar uma bandeira da escola em um assentamento da região. Algo vergonhoso”, diz Costa.

Sem Terra participam de reunião entre MST, MPF e INCRA para discutir presença da Força Nacional em assentamento do Extremo Sul da Bahia. Foto: Coletivo de comunicação do MST/BA

Costa ressalta que após 15 dias da presença da Força Nacional nas áreas do MST, o STF suspendeu a presença dos cem homens, atendendo ao pedido do governador da Bahia. “Consequentemente ficou uma quantidade de membros da Polícia Federal (PF) acompanhando o processo. Não houve nenhum tipo de incidente, inclusive com a presença do INCRA dentro das áreas, que era tudo que o povo queria, pois o INCRA estava afastado do assentamento há mais de cinco anos. A PF também está retornando para seu local de origem e o INCRA está no assentamento depois da vinda do MPF”, pontua.

O dirigente conta ainda que foram apresentadas as pautas dos Sem Terra da região, que estão paralisadas na justiça. “Inclusive área que deve ser desapropriada e está engavetada  por esse governo. A questão da regularização das famílias que estão irregulares porque o INCRA não atualizou os cadastros; o reconhecimento dos parcelamentos que as famílias fizeram por conta própria. Reuniões com o Ministério Público, para que o INCRA assumisse o compromisso de reconhecer os parcelamentos feitos, regularizar as famílias que estão irregular por problema do próprio INCRA, e emitir os créditos que ainda não foram emitidos pela autarquia”, informa.

Evanildo finaliza comemorando o fato, pela reaproximação e os novos compromissos do INCRA, com os assentamentos dos estado, dos quais o órgão se encontrava afastado há anos. “Temos dito que a mentira trouxe a verdade, porque mediante as autoridades que passaram por aqui, acabou desmascarando toda a mentirada que estava sendo contada. Obrigou que eles se comprometessem com a nossa demanda que vem sendo pautada há mais de cinco anos “, conclui.

Linha do tempo sobre o caso:

  1. Dia 02/09 – É publicada no Diário Oficial da União a portaria Nº 493, de 1º de setembro de 2020, do Ministério da Justiça e Segurança Pública autorizando o emprego da Força Nacional nos municípios de Prado e Mucuri. O pedido foi feito pelo INCRA, com a justificativa de “preservação da ordem pública, segurança das pessoas e do patrimônio”;
  2. Força Nacional de Segurança Pública chega na região;
  3. O MST recebe apoio de entidades, artistas, movimentos, juristas nacionais e internacionais;
  4. Governador da Bahia, Rui Costa, se posiciona contrário ao uso da FNSP e emite pedido de retirada da região, por quebra do pacto federativo (cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988), por não ter sido uma em cooperação com os órgãos estaduais. A PGE entra com Adin pedindo a suspensão da Força Nacional;
  5. Ministério Público Federal pediu explicações ao Mapa e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre as razões na autorização do uso da Força Nacional.
  6. O Ministro do STF, Edson Fachin determinou a retirada da FNSP no dia 17 de setembro;
  7. No dia 18/9, a FNSP se retirou da região, e o Sem Terra realizaram um ato de plantio de árvores pelos no assentamento Jaci Rocha;
  8. A decisão à votação no Plenário no STF, no dia 24 de setembro e por 9 x 1 foi mantida;
  9. A negociação seguiu com a PF e o INCRA. Além de visitas e reuniões com o Procurador Federal dos Direitos dos Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, o Procurador Federal de Teixeira de Freitas, Luiz Paulo Paciornik Schulman;
  10. A luta segue para que as pautas dos Sem Terra sejam atendidas, bem como contra a tentativa de desmobilização a partir do Título Definitivo (TD), imposto pelo INCRA em imposição ao Contrato de Direito Real de Uso, onde o assentado tem a posse da terra, mas a terra continua sendo da União. Os Sem Terra entendem que o TD significa a privatização das terras públicas.
  11. Em uma das reuniões entre o representante do Ministério da Cidadania, Luís Fábio Roque, e o INCRA, os órgãos se comprometeram em atender a pauta dos assentados e deliberar políticas públicas para as mulheres assentadas;
  12. Ainda em diálogo com os procuradores, foram firmados pontos de conciliação, um deles foi de que INCRA manteria imparcialidade no trabalho desenvolvido e iria recadastrar as famílias na Relação de Beneficiários (RB). Porém, um dia após a reunião, o INCRA entregou notificações às famílias Sem Terra que não estão na RB. Os Sem Terra estão tentando recorrer.

*Com informações do Coletivo de Comunicação do MST na BA.

*Editado por Solange Engelmann