Tribunal Popular julga os crimes cometidos pela MINUSTAH/ONU no Haiti

Brigada Dessalines conversa com o professor e dirigente político, Camille Chalmers

Militância do MST atua no Haiti desde 2009. Foto: Brigada Internacionalista Dessalines

Por Brigada Internacionalista Dessalines
Da Página do MST

“Você imagina, um exército de Direitos Humanos, mata 25 mil, 30 mil pessoas, e depois vai embora como se nada tivesse ocorrido”
Camille Chalmers – PAPDA.

Ouça a reportagem completa com a fala de Camille Chalmers, por Luiza Vilela

Com o vago pretexto de estabelecer a paz em um país sem guerra, a MINUSTAH/ONU, com a participação direta dos Estados Unidos, com tropas militares sob o comando do exército brasileiro, deixou um rastro de violência, desordem e doenças no Haiti. Foram 15 anos (2004-2017/BINUH 2017-2019) em que o povo Haitiano sofreu ataques à soberania de seu país, com mortes provocadas pela a cólera – doença nunca antes presenciada no Haiti.

A perda da soberania do país está entre um dos resultados causados pela MINUSTAH no Haiti, gerando uma situação de instabilidade política, aumento da repressão militar sobre as manifestações populares e crescimento de grupos criminosos organizados como milícias. No âmbito judiciário, estabeleceu uma cultura de impunidade. Junto à todas essas questões, mantiveram o Haiti em uma condição de dependência política e ideológica aos Estados Unidos.

Um outro fator significativo estabelecido pela ocupação nestes 15 anos foi o desgaste do processo eleitoral. Hoje há um descrédito total e a população foi afastada dos processos de escolha, e cada vez menos pessoas participam na escolha dos representantes no parlamento Haitiano e até da escolha do presidente.

Neste ponto, de acordo com Camille Chalmers, diretor executivo da Plataforma Haitiana de Defesa do Desenvolvimento Alternativo (PAPDA), “de 1990 até 2016, vem aumentando o número de pessoas que não participaram nas eleições, sem perceber que o imperialismo e a MINUSTAH tomam as decisões que deveriam ser do povo”.

Houve uma série de violações aos Direitos Humanos no Haiti, dando marcas ao país impossíveis de serem tiradas, estabelecendo um marco temporal do antes e do depois, do que foi e do que é o país caribenho depois da MINUSTAH. Denúncias comprovadas mostram os desrespeitos aos Direitos Humanos em relação as questões das mulheres e crianças: militares violaram e estupraram mulheres e crianças e o tráfico humano para fins sexuais são fatos reais. “Agora, existem milhares de mulheres com filhos sem pai, milhares de órfãos em uma situação difícil”, afirma Camille.

Soberania alimentar é uma das necessidades mais urgentes do Haiti. Foto: Brigada Internacionalista Dessalines

Outro exemplo de violação é quando fala-se de educação. O Haiti, por fatores históricos, tem políticas contrárias ao ensino e à educação, oque não possibilita o acesso da maioria da população há escolas e universidades. Tropas militares da ONU, sob o comando brasileiro durante um determinado período, estabeleceram uma base de ação em uma Universidade, tirando o direito à educação de milhares de jovens, sendo este mais um exemplo de violação dos Direitos Humanos.

Cólera

Em outubro de 2010, o Haiti começou a sofrer uma de suas piores tragédias: a cólera, uma bactéria trazida pelos militares do Nepal. As tropas Nepalesas foram instaladas no município de Artibonite, cidade onde está o maior rio que abastece o país. “Quando as tropas chegaram no Haiti, havia uma epidemia (cólera) no Nepal, e o comando da MINUSTAH não poderia ignorar que havia um perigo de transmissão…isso é uma negligência criminosa”, nos diz Camille.

As tropas do Nepal evacuaram dejetos fecais no rio Artibonite. A região de Artibonite foi a primeira a sofrer com as mortes, inúmeras, causando enorme medo em toda a população. E, de acordo com a comprovação de quatro laboratórios – dois dos Estados Unidos, um da França e outro do Japão , a bactéria do cólera encontrada no Haiti é a mesma que se encontrava no Nepal.

O Haiti, que até antes de outubro de 2010 não havia apresentado nenhum caso de cólera em toda a sua história, nos anos de 2011 e 2012 alcançou o posto de país com mais números de mortes e casos de cólera no mundo. De acordo com especialistas que estiveram no Haiti, o número de mortes causadas pelo o cólera foi de 25 mil à 30 mil mortos, com um quadro indignante de 800 mil infectados. Durante anos as Nações Unidas se negaram a admitir a culpa, entre os crimes já citados, pelo crime da epidemia de cólera, “você consegue imaginar, um exército de Direitos Humanos, que mata 25 mil/30 mil pessoas, e depois vai embora como se nada tivesse ocorrido?”, diz Camille.

Nos 15 anos de ocupação militar das Nações Unidas no Haiti, por meio da MINUSTAH, estabeleceu-se em todo o período da ocupação gravíssimas formas de desrespeitos aos Direitos Humanos. A missão de paz no Haiti, seguramente, estabeleceu um regime militar contra a população, negando qualquer direito e usurpando a dignidade e o direito a vida da população.

Tribunal Popular

Em dezembro de 2019, ocorreu o “Colóquio Internacional sobre os crimes da MINUSTAH no Haiti”, com participação de dezenas de representantes da América Latina, de movimentos sociais e defensores dos Direitos Humanos. Eles se reuniram com o objetivo de pedir “justiça e reparação às vítimas da MINUSTAH”. O Colóquio, como exemplo de luta contra o imperialismo, obteve grande repercussão na região, fortalecendo as ações de solidariedade e os protestos populares.

Como estratégia de ação, após Cóloquio, foi sugerido a criação de “Tribunais Populares” para serem realizados em países que tiveram participação direta na ocupação militar no Haiti, responsabilizando não somente as Nações Unidas pelos crimes da MINUSTAH, mas também os estados nacionais que enviaram tropas militares para o Haiti, como o Brasil, Argentina, Uruguai e Estados Unidos, por exemplo.

A criação de Tribunais Populares, além de exigir justiça e reparação, tem por objetivo sensibilizar a comunidade internacional para conseguir ações solidárias e fazer denúncias permanentes dos crimes cometidos no Haiti. Mas com a situação de pandemia, a agenda de Tribunais Populares que ocorreriam em Brasil, Uruguai, Argentina e Estados Unidos não foi possível de ser realizada.

No Haiti, as mobilizações dos movimentos sociais intensificaram desde o mês de agosto com o fim da quarentena. Neste sentido, entidades e movimentos sociais atuantes na luta para exigir justiça e reparação às vítimas da MINUSTAH realizaram em 20 de outubro de 2020, em Porto Príncipe, capital Haitiana, o “Tribunal Popular Contra os Crimes da MINUSTAH no Haiti”.

O Tribunal Popular no Haiti busca elencar elementos sólidos para que outros países também possam realizar tribunais populares. Tratará de ações pautadas nas reivindicações populares, que seguirão até dezembro com debates e conferências presenciais e virtuais.

Agenda

Em 20 de outubro de 2020, Tribunal Popular Contra os Crimes da MINUSTAH no Haiti como ação irá enviar mensagens https://un75.online/?lang=sp ao secretário da ONU pedindo Justiça e Reparação às vítimas da MINUSTAH;

Durante os meses de novembo e dezembro:

– Conferência por Direito à Saúde do Povo Haitiano;

– Conferência sobre à questão da água, para debater o avanço de empresas de mineração;

– Conferência para apresentar um balanço, estudos e documentos referentes aos crimes cometidos pela MINUSTAH;

– Conferência sobre os direitos das mulheres e a violência sofrida pelas mulheres no período da MINUSTAH.

O Tribunal Popular é a continuidade da jornada de lutas do povo Haitiano, uma jornada com fortes laços na luta internacionalista contra o imperialismo Estadunidense na América Latina. E neste sentido, o mundo deve acompanhar o desenvolvimento das lutas sociais no Haiti.

*Editado por Fernanda Alcântara