Pesquisa no Bico do Papagaio mostra falta de incentivo à permanência de jovens no campo
Por Carol Azevedo
Da Página do MST
O “Diagnóstico Juventudes Rurais do Bico do Papagaio”, lançado no último dia 15 de outubro, em uma live no canal do YouTube da Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO), tornou-se um alerta que denuncia a falta de motivações para a permanência dos jovens no campo.
Participaram da pesquisa 245 jovens. Destes, 84% têm idade entre 15 e 29 anos, e 83% consideram-se pardos ou negros. Em relação ao gênero, são 128 homens, 111 mulheres e dois jovens declararam-se transexuais, jovens que se reconhecem com outro gênero.
Dentre os jovens, 78,8% está estudando, e dessa porcentagem, 74,3% está no ciclo da educação básica. Dos 21,2% que não estudam, os principais motivos são a falta de renda, de interesse, e o trabalho no campo que sobrecarrega boa parte do dia. Do total de jovens, 69% quer cursar o ensino superior e 43,7% deseja fazer pós-graduação.
Quando o questionamento foi o que faz a juventude sair do campo, as respostas mais constantes foram: falta de renda, de estrutura, de apoio das famílias, e desvalorização da pequena produção. Do total entrevistado, 72% quer permanecer no campo, mas 50% não sabe se vai conseguir.
O trabalho foi coordenado pela APA-TO, pelo GT das Juventudes Rurais do Bico, pela Rede Bico Agroecológico e pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com o apoio da agência de cooperação alemã Misereor, além de envolver jovens quebradeiras de coco, quilombolas, acampados/as e assentados/as, agricultores e agricultoras sem terra e suas famílias, professores da Escola Família Agrícola e lideranças de organizações e movimentos sociais, como o MST Tocantins, para promover o importante diálogo geracional nesse processo.
Jovem sem terra e militante do setor de comunicação e cultura do MST Tocantins, Laís Cardoso, do Acampamento Padre Josimo em Carrasco Bonito (TO), alerta para a invisiblização do trabalho da juventude camponesa. “Os jovens estão insatisfeitos, pois não têm o desejado retorno financeiro de suas atividades. São esses jovens que cuidam da terra, da vida, das águas, do solo, com práticas agroecológicas, respeitando a biodiversidade do Cerrado e da Amazônia, e que infelizmente se veem obrigados a migrar porque não encontram oportunidades para se beneficiarem dentro dos seus próprios territórios. E a partir desse diálogo direto com a juventude do campo, conhecemos profundamente sua realidade e pensar projetos para dar perspectiva pra essa juventude”.
Maria Aparecida da Coordenação das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO) ressalta a importância dessa juventude retornar para seus territórios após cursar o ensino superior. “É importante estudar, estar na academia e conectar o saberes tradicionais com os acadêmicos, mas mais importante ainda é não perder nossas raízes, estar sempre presente nas nossas comunidades, e após adquirir todo o conhecimento, retornar para as para contribuir com nossos pais, avós e os mais velhos, com os saberes tradicionais junto aos saberes acadêmicos. Esse é o desafio, sair pra buscar o conhecimento acadêmico e retornar pros nossos territórios para compartilhar o nosso conhecimento alinhado aos saberes tradicionais que buscamos nos nossos territórios”.
Dos jovens entrevistados, 79,2% vem de famílias que trabalham na terra, porém, 66% não possuem terras em seu nome. A relação com o trabalho dessa juventude é precarizada: 42% está em situação de atividade não remunerada, e essas condições afetam ainda mais as mulheres jovens, que por conta da injusta divisão do trabalho por gênero. A maioria desses jovens trabalha no campo, mas participam pouco das decisões de planejamento da produção e da renda de suas famílias. O maior poder de decisão nas famílias ainda está nas mãos dos homens.
É essa juventude que aposta na agroecologia como caminho para produzir no campo, cuidar da natureza e promover bem estar para toda a comunidade: 74% prefere a produção agroecológica e 52% não usa agrotóxico em suas produções.
Laís Cardoso alertou também para a precarização do trabalho no campo, sobretudo para as jovens mulheres. “Infelizmente ainda existe para mim e diversas outras jovens do campo como eu, mulher negra, sem terra e militante, uma barreira muito grande entre as decisões que nós também podemos e devemos participar no campo e as limitações do trabalho que nos direcionam: cuidar de uma criança, limpar a casa, lavar a louça, fazer comida. Isso nos impede de participar das decisões, contribuir no próprio trabalho do campo, e quando não nos negam invisibilizam nossa atuação na direção desses espaços. E a partir desse diagnóstico nosso objetivo é fazer com que esses jovens sejam beneficiados no campo, nas suas relações camponesas e no diálogo geracional, porque nós somos o futuro da luta camponesa. O objetivo dessa pesquisa também é preparar essa juventude para assumir as trincheiras da luta campesina”.
Jorge Luís Lima, dirigente estadual da juventude do MST Tocantins ressaltou o protagonismo da juventude na organização da luta camponesa. “Esse diagnóstico teve muito protagonismo da juventude na articulação, nosso objetivo é entender melhor o que a juventude da nossa região pensa sobre o futuro pra atuarmos de forma mais concreta, compreendendo a realidade dos diversos territórios da região. A pesquisa foi realizada em todos os territórios da região do Bico do Papagaio e durante a própria pesquisa realizamos um trabalho de base pra incentivar a organização dos coletivos de juventude nas comunidades que participaram. Com esse diagnóstico específico da nossa região temos mais propriedade pra organizar nossa juventude a partir da nossa realidade. Antes nossas análises eram a partir das pesquisas e estudos sobre juventude em âmbito nacional, feitas em outras regiões com outras realidades, e não com as nossas especificidades da região”.
Onde fica o Bico do Papagaio?
A região do Bico do Papagaio é localizada no extremo norte do Tocantins, na divisa entre o Pará e Maranhão e é banhada pelos rios Tocantins e Araguaia, em uma área de transição entre a Floresta Amazônica e o Cerrado (Mata de Cocais).
No Bico, vivem os povos que são guardiões da biodiversidade, preservam as matas, as águas, a terra e o ar, são as quebradeiras de coco de babaçu, as comunidades quilombolas, agricultoras e agricultores familiares e os acampados e assentados, que lutam por reforma agrária popular.
A agricultura e o extrativismo são as principais atividades produtivas nesses territórios, e a sucessão rural é uma grande preocupação desses povos. Quem vai cuidar do campo? Com essa questão foi realizada a pesquisa e um diagnóstico da juventude rural do Bico do Papagaio para compreender a vida e os sonhos da juventude campesina.
Selma Yuki Ishii, coordenadora do projeto Juventude e Agroecologia em Rede, da APA-TO, ressalta que a sucessão rural é uma grande preocupação desses povos e que a juventude dessa região tem suas especificidades e precisam ser consideradas. “Há muito tempo as organizações e os movimentos sociais do território têm a preocupação da sucessão rural. No trabalho com as juventudes, buscamos dados, mas o que conseguimos eram mais nacionais, não tínhamos informações da região. Então, achamos que era pertinente entender melhor as juventudes do Bico, o que estavam pensando, quais seus desafios, foi isso que nos motivou a fazer o diagnóstico”.
Assista ao vídeo do lançamento do Diagnóstico Juventudes Rurais do Bico do Papagaio:
*Editado por Ludmilla Balduino