Plano Emergencial do Campo é discutido em reunião com o governador de Alagoas

O encontro aconteceu no gabinete no último dia 27

Reunião Plano Emergencial do Campo, em Alagoas. Fotos: Lara Tapety

Por Lara Tapety
Da Comunicação da CPT Alagoas

Mais de quatro meses após ter sido entregue no Palácio República dos Palmares, enfim o “Plano emergencial para os que produzem alimento no campo alagoano” foi o tema da reunião entre as organizações sociais do campo e o governador Renan Filho (MDB). O encontro aconteceu no gabinete no último dia 27.

O governador iniciou a reunião falando que vai alterar o decreto de enfrentamento à pandemia para que fique a cargo do município a autorização para as realizações das feiras. Sem elas, os pequenos agricultores e agricultoras enfrentam uma maior dificuldade para escoar a produção. 

Em relação ao Plano Emergencial do Campo, protocolado no dia 10 de junho, Renan Filho reconheceu que passou da hora de dar retorno em relação ao documento com medidas frente à pandemia, mas que a partir de agora a discussão será feita. “Vamos discutir agora. Mesmo não tendo sido no momento mais apropriado”, disse. Segundo ele, a restrição orçamentária do país e a própria pandemia dificultou o avanço de projetos.

Débora Nunes, coordenadora nacional do MST, entende as dificuldades impostas pelo momento de crise. Entretanto, avalia que a política do governo estadual referente aos pequenos agricultores, independente disso, não tem avançado, considerando que Renan está em seu segundo mandato.  A dirigente, que é assentada da reforma agrária em Alagoas, cobrou não apenas apoio do Governo do Estado, mas ações concretas.

“Não viemos pedir cesta básica, muito pelo ao contrário, as nossas organizações distribuíram mais de 150 toneladas de alimentos nesse estado”, contou Débora Nunes. Isso mostra que as comunidades de assentamentos e acampamentos produzem muito em suas roças. Mas, essa produção não chega à Ceasa porque falta investimento. Assim, o estado se mantém dependente do abastecimento externo. “Nós temos famílias assentadas há 15 anos e que não receberam crédito produtivo de R$25 mil. O que estamos colocando aqui é que nós queremos ajudar Alagoas”, completou.

A importância do trabalho das famílias camponesas para a economia do estado foi um dos destaques da reunião. Os representantes das organizações sociais presentes ressaltaram que a pequena agricultura é a atividade econômica que mais gera emprego e distribui renda. Renan Filho concorda, mas, segundo ele, “tem algumas ferramentas que conseguem fomentar mais, outras menos”.

Valores 

A discussão girou em torno dos valores necessários para a execução do Plano Emergencial do Campo, especialmente para a aquisição e regularização das terras em áreas consideradas emblemáticas pelas oito organizações que assinam a proposta: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), Movimento de Luta pela Terra (MLT), Movimento Unidos pela Terra (MUPT), Movimento Terra Livre e Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).

Renan Filho deixou claro: “Eu acho que a gente tem que verificar um caminho menos burocrático para auxiliar os movimentos. Crédito não é moleza. Sendo bem sincero, o governo não tem o dinheiro”. Ele se referiu às propostas de criação de um crédito emergencial de fomento para produção de alimentos saudáveis, programas de compra direta e institucional.

Carlos Lima, coordenador da CPT, levou à reunião a recordação das mulheres do acampamento Bota Velha: “Diga ao governador que a gente está lembrada que ele disse que Mumbuca vai ser o legado dele. A gente está esperando!”.

O governador assumiu o compromisso dos seguintes encaminhamentos: realizar uma reunião, na próxima terça-feira (3), com o secretário da Fazenda, George André Palermo, para verificar a dívida da massa falida da usina e destilaria Laginha, do grupo João Lyra, com o estado; precificar as fazendas Sede, Bota Velha e Mumbuca, em Murici e São José, em Atalaia, junto ao Iteral; e fazer uma reunião com o Gabinete Civil sobre o Plano Emergencial.

Em vídeo gravado no final da reunião, Renan Filho diz: “Eu acabei de fazer o entendimento com as lideranças dos movimentos sociais para que a gente verifique de maneira efetiva qual é o custo das propriedades que estão ocupadas e precisam passar por uma reforma agrária estadual, dado as dificuldades do governo federal. Eles vão fazer esse levantamento e o meu compromisso é de criar as condições para a gente resolver algumas propriedades em Alagoas que já estão a um bom tempo precisando dessa solução definitiva. O governo do estado vai, na ausência do governo federal nessa questão, tentar substituir os recursos da União por recursos do próprio tesouro”.

Estiveram presentes na reunião, além do próprio governador, Renan Filho, o diretor-presidente do Iteral, Jaime Silva, Superintendente de Irrigação e Unidades Avançadas da Seagri, Rodrigo Araújo, e representantes da CPT, do MST, do MLST e do MTL.

Um pouco sobre as áreas emblemáticas do Plano Emergencial do Campo

As terras da massa falida da usina Laginha, aos pés da serra da Barriga (local do histórico do Quilombo da República dos Palmares), no município de União dos Palmares, são ocupadas por mais de 3,5 mil famílias camponesas ligadas a oito movimentos campesinos desde 2014.

O acampamento Bota Velha, situado em Murici, completou 20 anos em 2019. A comunidade possui dois núcleos: Bota Velha e Santa Cruz. Acompanhadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), aproximadamente 100 famílias que ainda hoje resistem no acampamento fixaram-se nas terras abandonadas da Usina São Simeão e as transformaram em produtivas. A ocupação resistiu à vários mandados de reintegração de posse e conta com apoio de organizações internacionais.

Bem ali em Murici, terra de origem do governador de Alagoas, Renan Calheiros Filho, também está a comunidade de Mumbuca, ocupada no mesmo período de Bota Velha, há 20 anos. Lá, 45 famílias se organizaram em uma associação, conseguiram a instalação de energia elétrica, escola e dividiram o imóvel em lotes de 5 hectares a partir de um estudo feito por empresa que contrataram para tal.

O acampamento Sede, também em Murici, há 17 anos é lar e lugar de sustento de mais de 200 famílias. Massa falida da usina São Simeão foram arrendadas à Usina Santa Clotilde em 2005 e, posteriormente, tomadas pela Fazenda Nacional devido às dívidas da proprietária com INSS, companhia energética e débitos trabalhistas. Muitos camponeses que ali vivem, vieram do trabalho escravo nos canaviais. O Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) defende que, após as ocupações, as áreas conseguem subsidiar um impacto social positivo maior do que a usina.

O acampamento São José, na zona rural do município de Atalaia, chegou aos 17 anos em 2020. Organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), abriga mais de 70 famílias que vivem da terra e dela tiram seu sustento, alimentando a cidade. As famílias já resistiram a mais de doze tentativas de despejo. O território se torna emblemático para o MST, pois neste solo tombou uma das grandes lideranças do movimento na região, Jaelson Melquíades, assassinado em 2005 a mando dos fazendeiros e políticos locais. Para as famílias, a conquista da área é “honra de sangue”.

*Editado por Fernanda Alcântara