Novembro Negro: 325 anos da morte de Zumbi, uma referência na luta pela terra

Os crimes de ontem e de hoje são exemplos enfáticos do quão imbricado é a necropolítica, estruturalmente racista

Por Gerson Oliveira*
Da Pagina do MST

“Antigamente quilombos, hoje periferia, o esquadrão zumbizando as origens africania. Somos filhos de uma terra sagrada, qualquer periferia, qualquer quebrada é um pedaço d´africa.”
(MC Gaspar, Z’África Brasil)

Primeiro nos escravizaram durante quatro séculos, ferindo e violentando nossos corpos, massacrando nossa história e impedindo nossa liberdade. Resistimos sempre e por inúmeras vezes, nos aquilombamos, nos rebelamos, nos insurgimos e fizemos guerra contra a Casa Grande e o poder opressor dos escravagistas. Depois nos descartaram à própria sorte. Sem-terra, sem trabalho, sem-teto, sem parada, sem “eira nem beira”. Sem descanso, fomos forçados a continuar guerreando, nos defendendo, morrendo e sobrevivendo, conspirando, articulando os nossos camaradas, daruê malungo, liberdade por que tardas?

Sob o imperialismo racial, branco do capital, perversas ideologias neoliberais decidiram explorar ainda mais nosso corpo tão vital. Não havia sido suficiente o sangue negro, indígena, quilombola e de tantos parentes ceifados pela miséria, pela cólera da fome, sob o braço da polícia. A ganância do capital tem seu codinome.

O racismo é base do sistema escravil ou mercantil, fundamento da economia, na extração de minério ou na construção civil. Muitas horas por mixaria no aplicativo ou no eito, esse é o Brasil de todo dia, tanto de fato como de direito. Ser “Bucha de canhão” marca a historiografia, nos massacres de carnificina, no Paraguai fomos infantaria, somos alvos principais, em São Paulo ou na Bahia, nos presídios também maioria. De todos os homicídios, mais de 40 mil, de todas as mortes, assassinas, mãos lavadas, todos os dias.

Os crimes de ontem e de hoje, de qualquer dia, são exemplos enfáticos do quão imbricado é a necropolítica estruturalmente racista do sistema capitalista. Machismo, patriarcalismo e racismo estão fundidos no mesmo projeto societário, soma-se o reacionarismo em alta com Trump e o desgoverno Bolsonaro. No sul, em Porto Alegre, João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, é espancado até a morte dentro de uma rede internacional de supermercados (o Carrefour) especializada em superexplorar o trabalho em países como o Brasil. No norte, em Belém do Pará, Leila Arruda, candidata à prefeitura de Curralinho, na Ilha do Marajó, foi morta de forma brutal pelo ex-marido que a perseguia a três anos até cometer o crime no dia ontem.

Os seguranças e o policiais que mataram João Alberto estão matando hoje e continuarão matando amanhã, pois servem como “carrascos” a mando da elite burguesa. Assim como grande parte do exército dos EUA e de inúmeros países, o exército brasileiro como as policias arregimentam seus quadros, cada vez mais, nas fileiras crescentes do lúmpen. Somente uma massa de trabalhadores desesperançada, sem perspectivas de inclusão formal e “bom emprego” no mercado de trabalho, subjetiva e objetivamente violentada pelas profundas contradições sociais da pobreza, ou seja, sujeitos forjados dentro da barbárie do capitalismo; são esses que topam cumprir papéis sórdidos, assumindo papeis sociais de carrasco contra os trabalhadores (seus iguais), negros, indígenas, mulheres e LGBTQI+ para defender o patrimônio, a propriedade privada que nunca tiveram acesso e aos privilégios de classe dos quais nunca desfrutou.

Não basta dizer “já basta!”. As forças materiais do capitalismo racista, só podem ser depostas pela força material da classe trabalhadora no campo e na cidade, unificada em torno de um objetivo comum: destruir as bases fundamentais desta sociedade, ou seja, a propriedade privada, a exploração do trabalho, a divisão social e racial do trabalho. Como diria Clóvis Moura estas duas últimas se fundem em vários momentos da nossa história, como instituição do período escravista, mas que segue no capitalismo dependente do pós-abolição.

Da luta revolucionária, pela terra e pela reforma agrária, refundar Palmares é pauta urgente e necessária. A cada ocupação, um novo acampamento criado e uma nova área conquistada, um passo é dado para a reconstrução necessária. É mais uma terra aquilombada. Os milhares de acampamentos, favelas, guetos e comunidades organizadas em luta neste país são os mocambos e quilombos do século XXI distribuídos geograficamente por todo território brasileiro e também da América Latina.

Os palmarinos/as, quilombolas, sem-terras, sem-teto, dos becos e vielas, precisam se juntar. Reunifiquemos nossa força, recentralizemos nossa luta pela emancipação! 325 anos da morte de Zumbi, mas a luta não foi encerrada em sua execução. Ao contrário, Camoanga, Mouza e vários outros, segundo os relatos, deram continuidade para reorganizar o quilombo e refazer Palmares arrasada pelos ataques.

Nosso estado é de luta permanente, quilombagem e resistência ativa para defender os territórios e defender o direito de continuarmos existindo da forma que bem quisermos como fez o território de homens e mulheres livres do Quilombo dos Palmares e tantas outras experiências presentes em nosso código genético. Como disse o saudoso Abdias do Nascimento: “O quilombismo dos séculos XV, XVI, XVII, XVIII e XIX nos legaram um patrimônio de prática quilombista. Cumpre aos negros atuais manter e ampliar a cultura afro-brasileira de resistência ao genocídio e de afirmação da sua verdade.”

*Militante do MST em São Paulo e integrante do Grupo de Estudos Terra, Raça e Classe
**Editado por Wesley Lima