Simone de Beauvoir: das ousadias imprescindíveis

Confira artigo em homenagem à escritora e filósofa, que faria aniversário hoje

Sartre e Beavouir em depoimento sobre Revolução Cubana, 1960. Foto: Reprodução

Por Ândrea Francine Batista
Da Página do MST

Simone Lucie Ernestine Marie Bertrand de Beauvoir, ou como era chamada, Simone de Beauvoir, nasceu em 09 de janeiro de 1908 em Paris, França. Escritora e filósofa, construiu no conjunto de sua obra a discussão feminista de sua época. Engajada na luta contra qualquer forma de opressão, se posicionava contra o colonialismo e a favor da luta pela independência na Argélia.

Nasceu filha de uma família aristocrata, mas desde a adolescência questionava as incoerências que lhe saltavam aos olhos na medida em que lentamente tomava consciência dos problemas sociais. Afirmou em entrevista concedida em à Jeann Louis Servan Schreiber (1975) que queria inventar a própria vida, não “repetindo rotinas consagradas”.

Em sua juventude foi selecionada para o Curso de Matemática, Literatura e Filosofia (Universidade de Sorbone), o qual concluiu em 1929 com apenas 21 anos de idade. Lecionou em várias instituições entre 1931 e 1943.

No curso de filosofia conheceu seu companheiro de jornada Jean Paul Sartre. Com ele construiu uma relação de parceria, confiança e discussão filosófica. Comprometidos numa relação aberta, onde a verdade era mais importante que a monogamia, não se casaram ou tiveram filhos.

Simone de Beauvoir e Sartre fizeram parte do grupo de escritores e filósofos do movimento existencialista. A filosofia existencialista, a qual estiveram engajados, estava pautada no princípio de que a existência precede a essência. O ser humano primeiro existe, e na sua existência busca a felicidade. Uma filosofia “pé no chão”, da vida concreta, onde ela acontece.

Em entrevista à rádio canadense (1959), Beauvoir ressalta que há uma ligação entre o existencialismo e o marxismo, pois os dois encontram-se no campo da corrente filosófica do materialismo, onde o que “prevalece no mundo é a necessidade”, e aponta que a obra de Sartre é um esforço em mostrar o que há de “conciliável entre os dois”.

A filósofa feminista caminhou também pela escrita literária. Seu primeiro romance, chamado “A Convidada” (1943) abordava as contradições e dilemas de uma mulher de 30 anos com ciúmes de uma jovem que se hospeda em sua casa. Alguns anos mais tarde escreve o ensaio “A Ética da Ambiguidade” onde discute a ética existencialista e o tema da liberdade diante das circunstancias e restrições vivenciadas pelo ser humano.

Em entrevista (1975) sobre o tema “Por que sou feminista?”, Beauvoir afirma que a responsabilidade da condição de opressão na qual vive a mulher na sociedade não é de responsabilidade do homem ou da mulher, mas do conjunto do mundo como ele é, patriarcal. Condição que levou historicamente os homens a monopolizar as profissões, como no caso da Idade Média, onde as mulheres foram arrancadas da medicina e relegadas à condição de auxiliares. Também houve um esforço histórico em persuadir a mulher para que lhe bastasse o casamento, filhos e afazeres domésticos, restringindo sua expectativa a se preparar para um bom matrimônio. O trabalho doméstico torna-se sua condenação. “No trabalho doméstico há toda uma rotina de repetição, de recomeço, e principalmente, uma terrível dependência financeira”, afirmou na época.

Simone de Beavouir, Sartre e Che Guevara em Cuba, 1960. Foto: Creative Commons/Wikipedia

Mas transformar a condição feminina não ocorre como num passe de mágica. Reconfigurar a organização social do trabalho poderia revolucionar a sociedade. É fundamental que homens possam renunciar sua autoridade sobre a mulher que se expressa de diferentes formas, e que também possa dividir as tarefas domesticas e a maternidade com a mulher.

Em 1949, Simone publica a obra que marcou toda uma geração preocupada com os padrões de opressão feminino na década de 1970. Seu livro “O Segundo Sexo” analisa profundamente o papel das mulheres na sociedade, consagrando a frase “não se nasce mulher, mas torna-se mulher”, na produção da própria existência, e portanto, uma construção social e cultural. A discussão do feminismo nessa obra busca articular as experiências particulares de opressão da mulher (em suas características de gênero, raça, etnia, classe social ou participação política) em articulação dialética com sua situação histórica. Busca analisar as tensões entre o singular e universal. (SANTOS, 2015).

Simone aponta em entrevista a Jeann Louis Servan Schreiber (1975), que sua maior decepção quanto às reações à esta obra foram as posições de homens progressistas e de esquerda, que vociferaram pelo questionamento de sua supremacia. Afirma que na trajetória da esquerda houve um período complicado quanto ao entendimento da questão da opressão da mulher, relegando-a a segundo plano. A posição de que uma revolução resolveria automaticamente a situação da mulher evidenciou-se frágil diante das experiências socialistas realizadas pela humanidade, onde o patriarcado e os valores nele engendrados permaneciam. Em sua concepção discutir a opressão da mulher não confunde a luta anticapitalista, as duas devem ser levadas conjuntamente.

De suas obras literárias, escreve em 1954 “Os Mandarins” narrando o ambiente do pós II Guerra Mundial na França. Escreveu também obras autobiográficas buscando discutir sua relação com sua época. Parte desse conjunto de obras podemos citar: “Memórias de uma moça bem comportada”; “Força da Circunstância”; “Tudo dito e feito”; “A força da Idade”; e “Cerimônia do Adeus”, onde escreve um testemunho doloroso sore os últimos anos de Jean Paul Sartre.

Zéllia Gattai, Sartre, Beavouir, Jorge Amado e Mãe Senhora no Axé, 1960. Foto: Reprodução.

Vinculados à luta e aos movimentos de seu tempo, Beauvoir e Sartre passaram por vários países, como China, Cuba e Brasil. Acompanhados por Jorge Amado e Zélia Gattai, desembarcaram em 2 de setembro de 1960 no Brasil, percorrendo cidades como Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, Fortaleza e Manaus. Fizeram palestras sobre Guerra Fria, Libertação da Argélia e a Revolução Cubana.

Faleceu aos 78 anos de idade em 14 de abril de 1986, pelo agravamento de uma pneumonia. Deixou, através de sua existência, uma contribuição imprescindível para a larga trajetória da emancipação humana.

Referências

ARQUIVO NACIONAL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir no Brasil em 1960. On-line: 01/02/2019. Disponível em: https://www.gov.br/arquivonacional/pt-br/assuntos/noticias/jean-paul-sartre-e-simone-de-beauvoir-no-brasil-em-1960 . Acesso em Janeiro de 2020.

BEAUVOIR, Simone; SERVAN SCHREIBER, Jean Louis. Por que sou Feminista? Entrevista com Simone de Beauvoir pelo Jornalista Jan Louis Servan Schreiber. 1975. Disponível em: https://vermelho.org.br/2017/01/16/simone-de-beauvoir-fala-a-tv-em-1975-ser-mulher-nao-e-um-dado-natural/ . Publicado em 16.01.2017. Acesso em janeiro de 2021.

RÁDIO CANADENSE. Simone de Beauvoir Fala. Entrevista concedida à Rádio Canadense.1959. Disponível em: https://farofafilosofica.com/2017/11/09/simone-de-beauvoir-2-entrevistas-em-video/ Acesso em janeiro de 2021.

SANTOS, Magda Guadalupe dos. O Pensamento filosófico-feminista de Simone de Beauvoir. Revista Cult. On-line: 3 de novembro de 2015. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/pensamento-filosofico-feminista-de-beauvoir/ Acesso em janeiro de 2021