Solidariedade Cubana

Experiência de Cuba no combate à Covid-19 reforça o valor da solidariedade

Depoimentos de cubanas sobre o trabalho comunitário e de apoio às ações do estado cubano, no combate ao vírus têm muito a ensinar aos brasileiros(as) e ao mundo
População cubana se envolveu no trabalho comunitário e solidário para combater o vírus. Foto: Arquivo pessoal/Giselle Armas.

Da Página do MST e da Brigada Internacionalista do MST em Cuba

Em um momento em que o Brasil se tornou o epicentro global da pandemia e se aproxima de 300 mil mortes pela doença, depoimentos de moradores de Cuba sobre o trabalho comunitário voluntário desenvolvido junto à população, e em apoio às ações do estado cubano no combate ao vírus, têm muito a ensinar aos brasileiros e ao mundo sobre a importância da solidariedade e da parceria entre a população para enfrentar a pandemia.

Enquanto o governo Bolsonaro continua negando a gravidade da doença e se recusando a adotar medidas nacionais de combate à Covid-19, em parceria entre o Ministério da Saúde e os estados, Cuba, que há quase seis décadas enfrenta um bloqueio econômico, imposto pelo Estados Unidos, e desenvolveu um dos melhores sistemas públicos de saúde do mundo, dá exemplo aos países da América Latina no combate ao coronavírus.

A produção de vacinas contra a Covid-19 está avançada na ilha. Até o momento, estão sendo desenvolvidas cinco tipos de vacinas contra a doença: Soberania 1, Soberana 2, Soberana Plus, Abdala e Mambisa, e cada imunizante se encontra em fases diferentes de testes. Assim, Cuba se tornou o primeiro país da América Latina a produzir uma vacina própria contra o coronavírus.

Com o exercício da solidariedade, e o compromisso do povo com o povo em tempos de Covid-19, a ilha comunista tem organizado ações de cuidados e apoio mútuo entre a população, a partir da realidade de cada bairro e quadras de moradias. A presidente do Comitê de Defesa da Revolução (CDR) em Marianao, na Província de Havana, Betse Calatayud, participou do trabalho solidário de monitoramento e vigilância popular, e explica como foi sua contribuição na coleta de informações junto à população e acompanhamento de casos.

“(…) Quando a primeira recuperação pós-pandemia começou a funcionar na oficina no distrito de Buenavista, no município de Playa, Provincia de Havana, lá assumi a tarefa de apoiar ações comunitárias em apoio ao Conselho Popular para superar esse período de pandemia. Nesse sentido, nos envolvemos no levantamento pelo Comitê de Defesa da Revolução (CDR) de pessoas vulneráveis; seja por doença, velhice ou outra característica social que os qualifica como vulneráveis. Ao mesmo tempo, no CDR onde moro assumi a tarefa de, juntamente com vizinhos, realizar a pesquisa sobre o público de saúde, usando o método de ir de casa a casa, coletando informações sobre o estado de saúde e o número de pessoas por casa.”

Giselle Armas, no trabalho comunitário de controle e ataque à pandemia. Foto: Arquivo pessoal

A filósofa e professora de ciências sociais da Universidade de Habana, no município de Boyeros, em Habana, Giselle Armas, relata que os exemplos de solidariedade entre a população cubana, como princípio central do socialismo humano, se irradiam por várias frentes e setores no combate ao vírus. “O povo prestou assistência voluntária nos centros de isolamento de pacientes suspeitos ou positivos, na higienização das ruas, de locais públicos e em instituições para atendimento de pessoas com comportamentos itinerantes.”

Giselle também destaca o envolvimento da juventude no trabalho comunitário de controle popular e assistência social, a partir das organizações de massas, com trabalhos de grupos de base locais, para resolver os problemas imediatos das comunidades impostos pela pandemia, no qual ela também se envolveu. “A identidade e apropriação da juventude com os sentidos da comunidade é uma força que podíamos apreciar. O voluntariado de jovens foi articulado ao Sistema de Atenção à Família na distribuição de alimentos aos idosos e aos grupos de risco nos territórios. Essa iniciativa logo foi incorporada por organizações juvenis como União de Jovens Comunistas (UJC) e Federação de Estudantes Universitários (FEU). Como muitos jovens no meu país, eu me somei a esta atividade.”

A economista Aniet Perez-Castro, que desenvolveu trabalho voluntário como mensageira e palhaça terapêutica, destaca que várias pessoas da comunidade fizeram o possível para acolher e cuidar da população idosa do país, que no passado deu seu exemplo revolucionário na construção do socialismo. “A Delegada do Poder do Popular da minha circunscrição eleitoral solicitou voluntários para atender às pessoas maiores de 65 anos, que vivem sozinhas e têm algum tipo de doença que os coloca em uma situação de vulnerabilidade a Covid-19. (…) No início, a atenção consistia em levar os medicamentos para a sua casa.”

Com o prolongamento da pandemia, a economista conta que as comunidades precisaram encontrar alternativas para diminuir a solidão e a tristeza entre os idosos, e evitar casos de depressão. “(…) Algumas idosas que assistimos mostravam sinais de tristeza devido à solidão excessiva. Contatamos uma pessoa de um grupo de WhatsApp que tinha se oferecido para falar com frequência com pessoas idosas que viviam sozinhas. Alertada que uma das idosas tinha mostrado sintomas de depressão, outra iniciativa foi gerada para diminuir as emoções negativas. O Coletivo Artístico de Palhaças Terapêuticas assumiu o desafio de fazer visitas desde a rua, sem entrar na casa nem deixar as idosas saírem.”

Nesse sentido, a professora Giselle, finaliza seu depoimento reafirmando que o trabalho comunitário de solidariedade e cuidado desenvolvido pelos jovens e as comunidades tem sido fundamental para a consolidação do socialismo em Cuba. “Na atualidade jovens e atores comunitários continuam a consolidar o Socialismo Cubano, e andando e desandando pelas ruas exercendo controle popular, formulando soluções para problemas imediatos e exigindo o tratamento de situações que geram vulnerabilidade.”  

Confira a íntegra dos depoimentos sobre os trabalhos voluntários na ilha, durante a pandemia:

Experiência de Solidariedade: trabalho de mensageira junto aos idosos

Eu não seria uma executora de solidariedade se eu não a recebesse antes. Muitas vezes, a solidariedade, recebida e aportada, têm sido o eixo fundamental do bem-estar e a felicidade na minha vida. Por exemplo, eu pratiquei vários esportes de aventura na minha juventude, que precisavam de equipamentos caros e uma instrução minuciosa, como a espeleologia ou mergulho, porque neles pode-se perder a vida. Amigos que no início eram desconhecidos, me brindaram essa possibilidade apenas para o prazer de compartilhar uma paixão e amizade, que em alguns casos ainda persiste, e em outros nunca mais voltei a ver. Mesmo com fotografia, idiomas, agroecologia, quando eu queria explorá-los e exerce-las. E um leitor inteligente e informado vai entender que eu exemplificado com diversão, porque o resto das necessidades, alimentos, saúde, educação, a cultura, eu tinha garantido como todos os cubanos, mesmo nos piores momentos, que não têm sido poucos.

Uma das fontes da minha felicidade é o orgulho e a tranquilidade que dá viver em um país, que mesmo pequeno, sem quase recursos naturais, daqueles que sustentam amplamente uma economia, e com um bloqueio sufocante, que tem feito tanto pelo bem-estar de seu povo e outros no planeta. Um “paisito” (país pequeno) que, apesar de suas imperfeições, quando você está fora dele e diz que é cubana, sempre há alguém que te abraça e agradece. É de uma gratidão infinita à todas e cada uma das pessoas que fazem parte deste povo, que construiu o país no qual eu nasci, cresci e sou plena, que gero e me articulo para cultivar a solidariedade que passo a contar a vocês.

Quando o isolamento começou em março de 2020, depois de duas semanas de “fique em casa”, a Delegada do Poder do Popular da minha circunscrição eleitoral solicitou voluntários para atender às pessoas maiores de 65 anos, que vivem sozinhas e têm algum tipo de doença que os coloca em uma situação de vulnerabilidade ao Covid-19. Ao me apresentar ao posto de comando do Conselho Popular, me indicaram para atender às pessoas com estas características que apareceram em uma lista preparada pelo Médico da Família. No início, a atenção consistia em levar os medicamentos para a sua casa.

Por mais de 60 anos estamos bloqueados economicamente e financeiramente pelos Estados Unidos. Esta situação torna o acesso a matérias primas para fabricar certos medicamentos, escasso. Por outro lado, 20,4% da população cubana tem 60 anos e mais os estragos da Covid-19 na economia da saúde, e a ineficiência para resolver na organização das farmácias, que levam às filas para adquirir os medicamentos se prolonguem por horas. A situação é que torna ainda mais necessário ajudar as 22 pessoas mais vulneráveis da minha comunidade na busca de seus medicamentos.

Com alimentos e outros produtos de primeira necessidade, acontece algo semelhante. Há escassez e longas filas. Em todas as lojas há uma pessoa, atribuída pelo governo municipal, para organizar as filas e garantir o cumprimento das medidas de biossegurança. Com ela, o presidente do Conselho Popular, e a Delegada projetamos um mecanismo que garantiu que todas as pessoas com mais de 65 anos de idade que vivem sozinhas, fizessem suas compras periodicamente sem entrar nas filas. Neste mecanismo também incluía o Médico da Família, e os líderes dos Comitês de Defesa Revolução (CDR).

Com o apoio do serviço de transporte do Centro Martin Luther King (CMLK), uma vez por semana eram feitas as compras dos produtos agromercado de muitos destes idosos.

Alguns destes anciãos, não podiam se quer cozinhar seu alimento, e o Sistema de Atenção a Família (SAF), um tipo de refeitório popular, é distante deles. Um restaurante privado e outro estatal assumiram a alimentação deles sem cobrar, quando fizemos saber da situação deles.

À medida que os dias de isolamento se acumulavam, algumas das idosas que assistimos mostravam sinais de tristeza devido à solidão excessiva. Por esta razão, contatamos uma pessoa que, de um grupo de WhatsApp, tinha-se oferecido para fazer telefonemas e falar com frequência com pessoas idosas que viviam sozinhas. Uma prática que foi muito útil, especialmente porque mantivemos uma retro alimentação para acompanhá-las melhor. Alertada que uma das idosas tinha mostrado sintomas de depressão, outra iniciativa foi gerada para diminuir as emoções negativas. O Coletivo Artístico de Palhaças Terapêuticas, que semanalmente trabalham de palhaço na sala pediátrica da oncologia, assumiu o desafio de fazer visitas desde a rua, sem entrar na casa nem deixar as idosas saírem.

Se uma pessoa vive sozinha e é octogenária ou perto dessa idade, é de se esperar que seus amigos e familiares que ainda estão vivos são também mais velhos. Quando a nova normalidade foi aberta, propiciamos que uma dessas pessoas, aquela que mostrava necessidade, se encontrasse com os familiares nas suas mesmas condições, em visitas de não menos de uma hora para que eles compartilhassem depois de tanto confinamento. Novamente o CMLK forneceu-nos com o serviço de transporte.

No meio de toda esta situação, com maior tempo disponível, e considerando a produção de alimento como um assunto da soberania e da segurança nacional, nos esforçamos para aumentar e diversificar a produção do horto familiar do pátio de nossa casa. Em alguns meses, entre frutas, verduras, hortaliças e vegetais, tubérculos e plantas medicinais, já temos mais de 30 cultivos. É um horto familiar que abastece gratuitamente à família mais próxima, alguns amigos e idosos vulneráveis, em especial de verduras. O excedente é vendido a preços solidários aos trabalhadores do CMLK.

Talvez o leitor tenha reparado que neste artigo uso a primeira pessoa do singular quando exemplifico algumas das solidariedades de que eu fui beneficiada em minha vida. No entanto, usei o plural quando descrevi as ações de solidariedade que brindamos nestes tempos de Covid-19. E não pode ser de outra maneira, porque para eu fazer as longas filas na farmácia, minha mãe e meu pai atendem as minhas filhas. Meu companheiro me ajuda a distribuir os medicamentos e a buscar os alimentos. As meninas, uma de oito e outra de 15 anos, chamavam as idosas no telefone ou desenhava a eles em um pedaço de papel, que eu levava para eles como um presente. Os avós, meu pai e de meu companheiro, à seis mãos cultivamos o horto. Minhas colegas do Coletivo Artístico deixaram suas casas para explorar o desafio de se fazer de palhaças nas ruas, em tempo de pandemia.

Desde os grupos de WhatsApp pessoas queridas, e outras que não conheço fisicamente, mas que já estimo muito, têm apoiado em cada dúvida em agroecologia, psicologia e educação. Os voluntários, a maior parte do Centro Universitário Jose Antônio Echeverria (CUJAE) e mais jovens do que eu, nos avisavam quando chegavam os medicamentos, o caminhão de alimentos ou outras informações relevantes. O Delegado e o Presidente do Conselho do Popular, que trabalham incansavelmente e que apoiam cada proposta. Ele e a médica da família e a direção do policlínico que, apesar do acúmulo de trabalho, sempre me acolheram como da equipe.

A prima Ana Beatriz, mesma sendo vulnerável, que move o céu e a terra de um telefone, para encontrar quem tenha um medicamento que não esteja usando, ou as mesmas pessoas idosas que mais de uma vez compartilharam os medicamentos com quem não conseguia. Aquelas duas amigas que todos os meses, embora não haja turismo em Cuba, não pararam de me visitar, sempre com algo necessário nas mãos para contribuir para a minha família. Cada pessoa que conheci nas filas que fizeram as horas se tornarem conversas emotivas, em que a história do nosso país se revelava no corpo de quem contava.

Eles e outros, que certamente omiti, fizemos o possível para que homens e mulheres hoje mais velhos, mas os protagonistas do passado de uma Cuba que o mundo admira e que eu pessoalmente amo, sintam que a Revolução não abandona ninguém.

Aniet Esther Venereo Perez-Castro, formada em economia. Desenvolveu a tarefa de trabalho voluntário como mensageira é de Palhaça Terapêutica.

Minha contribuição da comunidade na Covid-19

(…) Quando a primeira recuperação pós-pandemia começou a funcionar na oficina no distrito de Buenavista, no município de Playa, Provincia de Havana, lá assumi a tarefa de apoiar ações comunitárias em apoio ao Conselho Popular para superar esse período de pandemia. Nesse sentido, nos envolvemos no levantamento pelo Comitê de Defesa da Revolução (CDR) de pessoas vulneráveis; seja por doença, velhice ou outra característica social que os qualifica como vulneráveis. Ao mesmo tempo, no CDR onde moro assumi a tarefa de, juntamente com vizinhos, realizar a pesquisa sobre o público de saúde, usando o método de ir de casa a casa coletando informações sobre o estado de saúde e o número de pessoas por casa. Também disponibilizei às autoridades governamentais, que tenham um posto de comando minha intenção e possibilidade de apoiar nesta tarefa, de receber informações de saúde de cada círculo eleitoral do Conselho Popular de Pogolotti.

Também comecei a colaborar com um projeto que conta com um dos especialistas em oficinas, com idosos trabalhando nos pomares que eles têm e ligando para eles, conversando com eles, que também é uma forma de gerenciar o estresse causado pelo isolamento social e o medo do contágio.

Betse Calatayud, presidente Comitê de Defesa da Revolução (CDR) em Marianao, Província de Havana, cumpriu trabalho solidário no “posto de comando” – coletivos que realizam o monitoramento e vigilância popular de quadras para verificar como estão os casos de Covid-19.

Em tempo de Pandemia

Acordar de manhã cedo, pegar o ônibus, começar a dar aula na faculdade, correr e pegar outro ônibus para acompanhar as experiências da comunidade, eram atos que fazia quase sem pensar, mas foi parado com a Pandemia do Covid-19. Decretaram o confinamento!

Anteriormente, a equipe de saúde havia se preparado para se mobilizar, para lidar com a doença, era um formigueiro coordenado de jalecos brancos que estavam dispostas a ajudar qualquer pessoa com algum sintoma, a detecção precoce e a prevenção da propagação da doença. Alguns hospitais centralizaram o atendimento à doença, outros detectaram casos suspeitos e os centros de pesquisa médica se dedicaram a estudar o Covid-19 para mitigar o impacto na saúde.

A atenção primária à saúde bateu na minha porta, Leonardo (um estudante de medicina de 20 anos)[1]que, junto da equipe básica com o médico de família, cuidava diariamente do comportamento de saúde da minha família e de uma parte da minha comunidade. Ao mesmo tempo, às nove horas da manhã[2], aparecia na televisão o doutor Duran, que dava uma parte diária do comportamento epidemiológico da doença, explicava à população os sintomas de Covid-19, pessoas em risco e, sobretudo, fazia um chamado para prevenir e/ou minimizar as consequências da doença. Conscientizar o povo era sua missão!!!

Nossa ilha não poupou esforços para deter a pandemia SAR-COV2, mostrando mais uma vez que a dimensão central do socialismo é humana. Novas medidas foram tomadas semanalmente para tentar reduzir o impacto social, político e econômico. Algumas delas foram o fechamento de fronteiras, a reorientação de recursos disponíveis para o fortalecimento do sistema de saúde, a interrupção das atividades de ensino presencial em todos os níveis, a promoção do teletrabalho e o trabalho remoto, as garantias de emprego às pessoas que foram interrompidas, as garantias sociais às pessoas com maiores necessidades e em risco de vulnerabilidade, benefícios fiscais para o setor não estatal, entre outros; tudo com o objetivo fundamental de garantir o isolamento físico e frear a disseminação do vírus.

Tivemos que enfrentar muitos desafios que a Covid-19 gerou e aprofundou. Antes da chegada da pandemia estávamos sofrendo um período de seca, problemas na produção de suínos e alimentos agrícolas destinados ao abastecimento da população. O turismo internacional, uma das principais fontes de renda econômica, decresceu e com o fechamento das fronteiras foi paralisado. A isto se soma as consequências do aumento da política genocida do bloqueio econômico, político e financeiro dos Estados Unidos e dos governos fascistas da região em relação a Cuba. Produto desta política de asfixia, o governo dos EUA eliminou diferentes espaços de fornecimento de petróleo para o país fazendo o país operar com 50% do combustível planejado. São nestes momentos, que nos fortalecemos.

Durante o período pandemia, temos instituições como um sistema público de saúde universal, gratuito e inclusivo, e a vontade político-econômica do Estado para financiar os gastos com saúde e assistência social. A pandemia não foi apenas considerada um problema sanitário, o trabalho conjunto foi realizado desde diferentes esferas da vida.

A solidariedade foi irradiada dentro e fora das fronteiras cubanas, são diversos os exemplos de dedicação e amor por pessoas doentes ou em perigo. O povo prestou assistência voluntária nos centros de isolamento de pacientes suspeitos ou positivos, na higienização das ruas, de locais públicos e em instituições para atendimento de pessoas com comportamentos itinerantes. A solidariedade internacionalista não ficou dentro da casa grande, mas compartilhamos nossos jalecos brancos para ajudarem aos povos irmãos a vencer a batalha pela vida. Demonstramos mais uma vez que a saúde não é uma mercadoria, mas um direito da humanidade.

No nível macro, se tomaram todas essas iniciativas, mas a comunidade se converteu no cenário estratégico para o enfrentamento da pandemia. Do meu prédio eu vi toda a agitação dos meus vizinhos; por um lado, Brú, um senhor de 70 anos, repartia os tickets de alimentos pelas as casas para garantir que todos os núcleos familiares pudessem comprar os produtos essenciais. Emma, uma enfermeira experiente, distribuiu para todos da comunidade as gotas homeopáticas Prevengo-Vgo (medicamento feito pela indústria biofarmacêutica para prevenir gripes). O Chino repartia semanalmente os alimentos e os módulos subsidiados para os idosos, particularmente, aqueles que vivem sozinhos, gestantes e pessoas com deficiências que não podiam ir aos armazéns de distribuição do estado. 

Nos bairros foram canalizadas as iniciativas de todas as organizações de base, coletivos, associações e grupos nacionais que compõem a estrutura sociopolítica e cultural cubana; que se somaram as novas iniciativas, individuais e coletivas, que emergiram em ambientes comunitários de forma voluntária.

O Comitê de Defensa da Revolução (CDR) e a Federação das Mulheres Cubanas (FMC) foram as organizações de massa que mais se manifestaram a nível comunitário, trabalharam articuladamente para levar as estratégias nacionais de enfrentamento a covid-19 para o espaço local.  O apoio às atividades sanitária e controle popular aos preços, qualidade e abastecimento de produtos de primeira necessidade foram uma das ações realizaram.

As organizações de massa que historicamente tem trabalhado à nível local, com seus grupos de base, mobilizaram atores jovens das próprias comunidades, para solucionar as necessidades existentes. A identidade e apropriação da juventude com os sentidos da comunidade é uma força que podíamos apreciar.

No cenário das experiências comunitárias espontâneas, um conjunto de iniciativas aglutinaram e desenvolveram em paralelo às organizações, associações e estruturas do sistema popular tradicional ações de caráter espontâneo, voluntário e com objetivos de cumprimento de curto prazo. Na etapa pandêmica da Covid-19, esses grupos realizaram um forte ativismo comunitário, desde o serviço de mensageria voluntária, entregando nas casas alimentos e medicamentos subsidiados pelo Estado, e apoiaram em qualquer gestão evitando que pessoas vulneráveis saíssem de casa. Também ajudaram na limpeza e higiene dos asilos e na arrecadação da pensão dos idosos que vivem sozinhos.

O voluntariado de jovens foi articulado ao Sistema de Atenção à Família[3] na distribuição de alimentos aos idosos e aos grupos de risco nos territórios. Essa iniciativa logo foi incorporada por organizações juvenis como União de Jovens Comunistas (UJC) e Federação de Estudantes Universitários (FEU). Como muitos jovens no meu país, eu me somei a esta atividade. O trabalho desses centros, ancorados pela comunidade, em conjunto com os trabalhadores sociais, devem prestar assistência aos núcleos familiares vulneráveis, gestionar soluções às dificuldades encontradas pelas famílias, gestantes, idosos e pessoas com deficiência. Esta foi e ainda continua sendo uma das tarefas importantes que os jovens Cubanos fazem.

A juventude se inseriu no controle popular e na assistência social, fez um diagnóstico de famílias vulneráveis e indivíduos que ainda não haviam sido beneficiados, controlaram os recursos que foram alocados pelo Estado a este setor da população diante de possíveis atos particulares de corrupção e desfalque. Também no trabalho assistencial nos conscientizamos de muitos problemas que existiam e a pandemia os tornou visíveis como: superlotação, situações de idosos vivendo sem rede de apoio familiar, diferença no acesso a produtos alimentícios, as mulheres com o maior peso do trabalho doméstico, aumento da violência de gênero, as lacunas digitais, pouca percepção de risco para a doença.

Na atualidade jovens e atores comunitários continuam a consolidar o Socialismo Cubano, e andando e desandando pelas ruas exercendo controle popular, formulando soluções para problemas imediatos e exigindo o tratamento de situações que geram vulnerabilidade.  

As bases das organizações institucionais de massa se transformaram com iniciativas que emergiram da própria prática social, que permitiu enche-las de novos conteúdos e objetos. Por sua vez, as experiências comunitárias construíram redes e alianças com instituições sociais e políticas para ter maior alcance social. Disto, conseguimos extrair desafios do Poder Popular nos níveis local e nacional necessários para aprofundar o Socialismo. O poder popular institucional e o poder popular comunitário devem caminhar juntos, ali onde o outro ainda é insuficiente.  

Os órgãos de base das organizações políticas, e as experiências comunitárias espontâneas compartilharam a mesma motivação: proteger a saúde das pessoas em risco de contrair a doença e as pessoas em situação de vulnerabilidade nos territórios.

O local e as comunidades se levantaram como o espaço mais importante para a prevenção e o desenvolvimento social. Nos bairros houve aumento do ativismo com heterogeneidade de iniciativas para auxiliar pessoas em risco diante do vírus. Foi desenvolvido um forte esforço endógeno, solidário e cooperativo na comunidade.

Desde o pessoal o trabalho militante não parou, contribuímos para visibilizar os problemas sociais, como a reprodução da vida como tarefa “natural” das mulheres, pois a ideologia patriarcal ainda sobrevive na sociedade. Se realizam distintas ações para promover a corresponsabilidade no cuidado doméstico. Também se orientou a realização de denúncias de violência de gênero, juntamente com iniciativas geradas a nível nacional e na assistência social às mulheres.

A isto se somaram os espaços formativos e educativos, adequaram seus métodos para responder às condições imediatas impostas pelo Covid-19. Os projetos educativos tiveram que transferir suas experiências formativas presenciais para o espaço virtual, tratando temas como o patriarcado, o feminismo, as desigualdades sociais, o socialismo, e o capitalismo, assumindo os desafios metodológicos, pedagógicos e tecnológicos.

Como professora da universidade participei de diversas pesquisa e projetos relacionados a Covid-19, mas a maior satisfação que tive foi ver a vocação social e extensionista do “ensino superior cubano através da atividade comunitária, o cumprimento de tarefas de impacto social e participação a partir de estudo e outras tarefas na resolução de problemas da sociedade”. 

Ainda nos falta muito a fazer como país, como comunidade e como indivíduos, mas algo temos claro, que o socialismo é o nome político do amor.

Giselle Armas, filósofa, professora na Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO) da Universidade de La Habana. Vive no Município de Boyeros, La Habana e cumpriu tarefa de mensageira no trabalho voluntario.


[1] Leo foi um dos 52.000 alunos que participaram da pesquisa nas Comunidades, para detecção precoce de casos e controle epidemiológico.

[2] Dr. Francisco Durán, Chefe Nacional de Epidemiologia.

[3] Sistema de Atenção à Família (SAF): Tem como objetivo complementar os alimentos da população de baixa renda, por meio de ofertas de produtos a preços acessíveis.

*Você está acompanhando a primeira reportagem de uma série com depoimentos de cubanos(as) sobre como Cuba tem enfrentado a pandemia da Covid-19.

**Editado por Fernanda Alcântara