Despejo Não!

Acampamento símbolo de resistência é ameaçado de despejo em Goiás

Durante a pandemia já ocorreram 79 casos de despejos coletivos urbanos ou rurais; Conheça a história das famílias do acampamento Dom Tomás Balduíno
Famílias resistem ameaças de despejo e se tornam referências no estado. Foto: caminandolibertad

Por Janelson Ferreira
Da Página do MST

No dia 31 de agosto de 2014, 3.500 famílias Sem Terra ocuparam o Complexo Santa Mônica, localizado em Corumbá, Goiás. Iniciava naquele momento a história do acampamento Dom Tomás Balduíno. Quase sete anos depois do início daquela luta, agora em outro local, Formosa, as ameaças sobre as famílias ainda persistem, apesar da sólida produção de alimentos que realizam.

A ocupação, considerada uma das maiores da história de Goiás, foi fruto de um trabalho de base realizado na região da capital do estado, em periferias de cidades como Goiânia, Trindade, Senador Canedo, Aparecida de Goiânia e Anápolis.

Conforme lembra Nelson Guedes, da direção nacional do MST, a grande quantidade de famílias que se dispuseram a fazer a luta pela terra levou o Movimento em Goiás a adaptar a forma de se organizar. “Ao invés de montarmos núcleos de base de 10 famílias, como geralmente fazemos, precisamos aumentar este número para 50”, afirma Guedes.

Acampamento reúne 3,5 mil famílias. Um dos maiores do estado. Foto: caminandolibertad

O dirigente também destaca que a ocupação, desde seu início, teve um objetivo central. “Além da conquista do pedaço de terra, nosso intuito sempre foi de trabalhar com a agroecologia, produzir alimentos saudáveis para o sustento das famílias e geração de renda”, explica. Durante o período que estiveram na área, as famílias Sem Terra realizaram diversas doações de alimentos na cidade de Corumbá e Goiânia.

Além do número de famílias, o acampamento Dom Tomás Balduíno é histórico também por conta do confronto que provocou (e ainda provoca) com a elite agrária do país. O Complexo Santa Mônica pertence ao ex-senador do Ceará e ex-ministro, Eunício de Oliveira. O complexo, que possui mais de 20 mil hectares, não é a única propriedade do político na região. Existem outras 90 propriedades que somam juntas mais de 30 mil hectares. A maior parte das áreas são improdutivas, utilizadas para arrendamento, produção de soja transgênica ou para especulação fundiária.

Primeiras ameaças de despejo contra as famílias. Foto: caminandolibertad

Com este contexto estabelecido, diversas ações de reintegração de posse foram tentadas contra as famílias. Contudo, a maioria delas foi contestada por advogados Sem Terra formados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária (Pronera) na turma Evandro Lins e Silva, em 2012.

No dia 09 de outubro de 2014, com o objetivo de visibilizar o conflito, 2.000 Sem Terra do acampamento realizaram uma marcha em Goiânia pela desapropriação da fazenda. O ato saiu da Assembleia Legislativa, no Centro da cidade, e seguiu até a Secretaria de Segurança Pública, onde alguns integrantes do MST se reuniram com o secretário para discutir a desapropriação da área.

Na época, em carta entregue aos desembargadores do Tribunal de Justiça de Goiás, o Movimento afirmou que “é de se salientar a enorme pressão política constante no caso, que proporcionou abusivas decisões judiciais emanadas pelo juízo local de Corumbá, deferindo por mais de uma ocasião a liminar possessória sem qualquer intento de mediação do grave conflito coletivo lá instaurado”.

A relevância da ocupação forçou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a abrir negociação. O órgão publicou um edital para selecionar fazendas cujos proprietários estavam dispostos a vendê-las. Diante de uma promessa do Incra em assentar as famílias em um prazo de 60 dias, no dia 04 de março de 2015 elas saíram pacificamente do Complexo Santa Mônica.

Famílias realizam mobilizações em resistência a despejo. Foto: Arquivo MST

Contudo, diante do não cumprimento da promessa, as famílias regressaram para a fazenda em 20 de junho do mesmo ano. “Fomos cobrar o que não foi cumprido”, afirma Nelson Guedes.

O Sem Terra lembra que nem as plantações que tinham puderam colher: “Quando saímos, tínhamos o acordo de colher o que plantamos, mas não deixaram e colocaram gado para pastar sobre nossos alimentos.”

Em negociação, Incra promete assentar famílias

Consequência do edital publicado pelo Incra, a fazenda Vale Verde – com quase 10 mil hectares –, em Formosa, cidade goiana vizinha do Distrito Federal, foi ofertada ao órgão. Este, por sua vez, prometeu realizar assentamento na área e encaminhou 300 famílias para o local em dezembro de 2015. Além destas, outras 50 famílias seguiram para o acampamento Che Guevara – que também está sofrendo ação de reintegração de posse –, em Piranhas, no noroeste goiano.

“Logo que chegamos, construímos nossas casas e começamos a produzir, porque nosso objetivo sempre foi construir um acampamento que virasse assentamento para trabalharmos com a produção de alimentos saudáveis, sem veneno”, explica Maria Moreira, da direção estadual do MST no GO e acampada no Dom Tomás Balduíno. Desde o começo da pandemia, as famílias já doaram mais de 2 toneladas em alimentos.

Mulheres Sem Terra do acampamento. Foto: Setor de Comunicação do MST no GO

“Temos uma produção grande, e conseguimos fazer um bom trabalho”, ressalta Moreira. O acampamento, apesar das dificuldades, cumpre um importante papel no abastecimento da cidade de Formosa, que possui mais de 120 mil habitantes. “Temos um ponto de comercialização na feira de Formosa, na feira do produtor em Planaltina de Goiás, temos grupos de consumidores que compram cestas de alimentos saudáveis nossas”, destaca ainda a dirigente e acampada.

Apesar da intensa produção de alimentos, o Incra, mais uma vez, não cumpriu com a promessa de comprar a fazenda. Com o processo de desapropriação parado, no último dia 12, as famílias receberam uma Liminar de Reintegração de Posse do Tribunal de Justiça/GO.

“Com esta pandemia, tirar 300 famílias de suas casas e jogar elas na rua é um crime muito grande, nossa produção aqui é enorme”, afirma Maria Moreira.

Despejo Não!

No dia 23 de fevereiro, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma recomendação a magistrados e magistradas para que avaliem com cautela o deferimento de decisões que tenham como objetivo a desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais durante a pandemia do coronavírus, principalmente quando envolverem pessoas em estado de vulnerabilidade social e econômica.

Produção de hortaliças de uma família do acampamento.
Foto: Setor de Comunicação do MST no GO

“Esse é um ato efetivamente que se encaixa perfeitamente no conceito de tutela de direitos humanos e dos direitos fundamentais. Exatamente porque, hoje, o centro de gravidade da ordem jurídica é exatamente esse: a dignidade da pessoa humana”, afirmou Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ.

De acordo com o Observatório Nacional de Despejos/Campanha Despejo Zero constatando que, durante a pandemia, ocorreram 79 casos de despejos coletivos urbanos ou rurais. As decisões resultaram no desabrigo de 9.156 famílias. Segundo o levantamento, estão ameaçadas de despejo, atualmente, quase 65 mil famílias em todos os estados brasileiros.

Homenagem a mártir da luta pela terra

O acampamento foi batizado com o nome de Dom Tomás Balduíno, em homenagem ao bispo emérito de Goiás, assessor e um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 1975, que faleceu em maio de 2014. Dom Tomás dedicou sua vida à luta pela Reforma Agrária e aos direitos dos povos indígenas, participando também da fundação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em 1972.

*Editado por Wesley Lima