Zâmbia

Campanha de Alfabetização e Agroecologia: solidariedade e esperança entre os povos africanos

A Brigada Internacionalista do MST Samora Machel, na Zâmbia tem atuado na África desde 2008, nas frentes de educação, agroecologia e organização das mulheres
Campanha de Alfabetização e Agroecologia Fred M´mbembe tem o desafio de alfabetizar milhares de pessoas no país africano. Foto: Brigada Samora Machel

Por Phillyp Mikell*
Da Página do MST

A Brigada Internacionalista do MST Samora Machel, localizada na Zâmbia tem atuado na África desde 2008. Com o propósito de levar a solidariedade para os povos do continente mãe, a Brigada tem trabalhado em três eixos centrais: educação, agroecologia e organização das mulheres.

Mais recentemente, a partir de novembro de 2020, os esforços de alfabetização da população zambiana tomaram uma dimensão maior com a Campanha de Alfabetização e Agroecologia Fred M´mbembe, realizada em parceria entre o MST e o Partido Socialista de Zâmbia (Socialist Party). A campanha tem o desafio de alfabetizar milhares de pessoas na língua oficial do país, o inglês, além de levar as práticas agroecológicas para o interior do país, onde vivem a maior parte dos trabalhadores rurais.

“(…) O inglês sendo a língua oficial então, significa muito para eles (os zambianos), porque eles têm que ser capazes de ler os documentos”, afirma Chanda Hilton Sibote.

A Zâmbia tem muitas singularidades, umas delas é a enorme diversidade cultural e linguística, fala-se cerca de 70 diáletos no país. Porém, no caso do inglês o índice de pessoas que não lêem e nem escrevem nesta língua chega a 55,3%. Segundo Chanda Hilton Sibote, coordenador nacional da campanha e membro do SP (Socialist Party), “todos os documentos que são realmente do governo, a maioria deles é impressa em língua inglesa. E o inglês sendo a língua oficial então, significa muito para eles (os zambianos), porque eles têm que ser capazes de ler os documentos.”

Portanto, a Campanha de Alfabetização e Agroecologia dará ao povo zambiano a possibilidade de exercer direitos fundamentais, como por exemplo o da vacinação infantil. Ainda segundo Sibote, “os cartões de vacinação para menores de 5 anos também são escritos em inglês, portanto, se uma mãe não souber ler e escrever e ela tiver o cartão, não saberá o que realmente está escrito no cartão.”

Inspirado no método Falar, Ler e Escrever as palavras e o mundo, a campanha se estenderá por todo o país priorizando as regiões onde as taxas de analfabetismo na língua inglesa são mais altas, como é o caso da Província de Western, North West e Luapula onde os índices de analfabetismo entre a população destas regiões chegam a 47,3%. 

O desafio da alfabetização das mulheres em Zâmbia

Segundo dados do Inquérito Demográfico e de Saúde de Zâmbia (ZDHS), as mulheres são o grupo com menor acesso a educação formal no país, apenas 10% das mulheres no país concluem o ensino médio ou superior, uma diferença de 7% em relação aos homens.

Em Zâmbia não existe ensino totalmente público, as pessoas que ingressam na escola realizam os anos primários do ensino básico custeados pelo Estado, até a sexta ou sétima série, e depois são obrigadas a arcar com várias taxas e custos, que na prática impossibilitam grande parte da população de continuarem estudando.

Somadas a estas barreiras, existe o problema da própria infraestrutura. Em muitas regiões do país as escolas estão muito longe das moradias, obrigando muitas vezes, os estudantes a percorrerem grandes distâncias para chegarem a escola.

No caso das mulheres a realidade é ainda mais desafiadora se levarmos em conta a divisão sexual do trabalho, ainda segundo dados do ZDHS a taxa de fertilidade no país teve um leve aumento com relação às décadas anteriores. Os registros apontam que as mulheres zambianas tem em média 5 a 6 filhos. Neste cenário, muitas mulheres são obrigadas a abandonar os estudos quando se tornam mães e passam a cuidar da casa e dos filhos.

Martha Daka, coordenadora da frente de educação do Socialist Party e coordenadora nacional da Campanha de Alfabetização e Agroecologia fala sobre a realidade dos territórios que irá acompanhar durante a campanha. “Província do Norte, Província de Muchinga, Província de Luapula. Serão alfabetizadas 1.800 pessoas nestes três territórios. Muitos deles são analfabetos, eles não foram à escola e vivem da agricultura familiar.”

“Um dos desafios é a pobreza. Daí as mulheres na Zâmbia deixam de ir à escola, elas não têm dinheiro para pagar as taxas”, denuncia Martha Daka.

No que se refere ao acesso das mulheres zambianas a educação formal, Martha diz que, “um dos desafios é a pobreza. Daí as mulheres na Zâmbia deixam de ir à escola, elas tem que pagar integralmente as taxas escolares, mas não têm dinheiro para pagar as taxas.”

O inglês como língua oficial é também uma necessidade para o acesso ao mundo do trabalho e a independência e liberdade das mulheres zambianas, relata Martha. “A outra coisa é a mulher, se ela não sabe ler e escrever, ela não pode se sentir libertada, ela não pode se sentir como se defendesse seus direitos. As mudanças na vida da mulher (que aprende o inglês); uma é que você consegue se comunicar com todo mundo e a outra é que você melhora também na área da saúde. Ajuda as mulheres a descobrir o que fazer na vida. Você sabe que quando alguém não sabe falar inglês não consegue encontrar emprego […]. Então, realmente ajuda para uma mulher falar inglês, porque ela pode se libertar e ajudar a si mesma e ser capaz de se comunicar com as outras.”

Agroecologia e saúde do povo zambiano

A Campanha de Alfabetização e Agroecologia, tem o objetivo de dialogar com os camponeses sobre práticas de produção agroecológica. Na Zâmbia a rápida urbanização iniciada na década de 1980, concentrou um grande número de pessoas nas duas principais zonas urbanas do país, Lusaka e Copperbelt. Enquanto 44% da população está concentrada nas áreas urbanas o restante da população se distribui pelas vastas áreas rurais do país.

Com uma economia concentrada nos setores de extração do cobre e no setor de turismo a agricultura em Zâmbia é composta, em sua maior parte por pequenos agricultores, a grande maioria das famílias vivem da agricultura de subsistência. Neste contexto, a campanha pode contribuir com estas famílias no avanço da produção de alimentos orgânicos.

Para Graster Mundi, coordenador da frente de produção e agroecologia do Socialist Party e coordenador nacional da Campanha de Alfabetização e Agroecologia, a relação entre alfabetização e produção agroecológica se dá na medida em que, “qualquer produção requer um pouco de conhecimento. Requer um pouco de compreensão e conhecimento que são produtos da alfabetização. As pessoas devem ser educadas para saber o que produzem. Você não pode produzir de forma significativa se não entender o que está produzindo. Então, a produção orgânica que estamos tentando fazer deve ser combinada com o programa de alfabetização que estamos construindo.”

Para ele a agroecologia também tem uma grande importância para a saúde do povo zambiano. “Basicamente agroecologia é a produção de alimentos saudáveis, ​​e se você olhar as doença que o corpo está passando hoje, basicamente esses problemas que a gente tem na nossa saúde são porque a comida que as pessoas comem são organismos geneticamente modificados. Agroecologia é o sistema que produz saúde e, então, você tem uma população saudável.”

Nas palavras do camarada Graster a produção de alimentos saudáveis não é uma prioridade do sistema capitalista. “Estamos nos alimentando da comida que não é saudável, estamos nos alimentando daquela comida que é pulverizada quimicamente. Nos alimentando da comida que está crescendo basicamente para o lucro do capitalismo avançado neste país […], estamos produzindo não para alimentar o nosso povo, mas produzindo para ter lucro. Então, a saúde não é o objetivo principal dos governos sob o capitalismo, portanto, nosso foco agora é como mudar o curso das coisas, como começar a produzir alimentos saudáveis ​​para dar ao nosso povo um estilo de vida saudável.”

A campanha de Alfabetização e Agroecologia Fred M´mbembe segue como principal atividade da Brigada Samora Machel em Zâmbia nos próximos meses. Tomando todos os cuidados com o distânciamento social e as medidas sanitárias necessárias para não proliferar a Covid-19, a Campanha leva esperança de uma vida mais digna para os trabalhadores e as trabalhadoras da Zâmbia.

*Direto de Lusaka, capital da Zâmbia.

**Editado por Solange Engelmann