Pandemia da Fome

Oposição quer R$ 1 bi para combate à fome; governo usou só metade do previsto em 2020

Dos R$ 500 mi destinados ao PAA, R$ 240 mil não foram usados; insegurança alimentar atinge 59,4% dos domicílios no Brasil
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é uma política estratégica para o combate à fome. Foto: Gustavo Marinho

Por Cristiane Sampaio*
Do Brasil de Fato

Com a desidratação crescente das políticas públicas e o aumento da fome no país, segmentos de oposição pressionam a gestão Bolsonaro para que o governo libere R$ 1 bilhão para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em 2021.

Voltado à promoção do acesso à alimentação e ao incentivo da agricultura familiar, o PAA tem orçamento vinculado ao Ministério da Cidadania e é visto como política estratégica para o combate à fome, que afetou 10,3 milhões de brasileiros durante a pandemia, enquanto mais de 125 milhões de pessoas tiveram algum grau de insegurança alimentar no período.

Levantamento divulgado pelo Food for Justice – Power, Politics and Food Inequality in a Bieconomy, da Universidade Livre de Berlim, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UNB), mostrou que 13,6% dos brasileiros com mais de 18 anos passaram ao menos um dia sem refeição, entre os meses de agosto e outubro de 2020. A pesquisa, realizada com 2 mil pessoas entre novembro e dezembro de 2020, mostrou que a insegurança alimentar chegou a 59,4% dos domicílios brasileiros.

Diante da previsão de apenas R$ 101 milhões para o PAA em 2021, movimentos populares e parlamentares demandam que o governo desloque verbas para que o programa chegue a um orçamento de R$ 1 bilhão.

Um grupo de parlamentares do PT atua para que o Ministério da Agricultura (Mapa) libere valores não utilizados pela gestão na Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).

Vinculada ao Mapa, a PGPM consiste numa medida de apoio a produtores rurais na qual o governo federal estabelece preço mínimo de referência aos produtos agrícolas para assegurar uma rentabilidade básica da produção.

A medida tem relação com os estoques públicos de alimento, formados pelos grãos armazenados pelo governo para, entre outras funções, evitar o desabastecimento no país. A PGPM teve, em 2020, R$ 1,8 bilhão em recursos totais, mas apenas R$ 168 milhões foram gastos, uma quantidade de menos de 10% dos valores.

Deputados do PT apontam que os recursos estariam disponíveis e sugerem que a verba seja, então, remanejada para o PAA. A pauta esteve no foco de uma reunião com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, na última quinta (15), para negociar o deslocamento.

“Nossa insistência foi muito grande para que haja ao menos R$ 1 bilhão. Ela não confirmou esse valor e ficou de ver. Nós vamos continuar insistindo”, disse o líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados, Bohn Gass (RS). 

Para que o deslocamento dos recursos fosse feito, seria necessário que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assinasse uma medida provisória ou que o governo apresentasse a proposta ao Congresso Nacional por meio de projeto de lei.

Avanço da fome amplia pressão sobre governo e expõe aprofundamento da desigualdade social. Foto: Leonardo de França

Recurso paralisado

O valor de R$ 1 bilhão para o PAA já havia sido solicitado para 2020, mas a cartilha de enxugamento de gastos do governo fez com que apenas R$ 500 milhões fossem previstos para o programa no período. Desse total, R$ 240 milhões não chegaram a ser executados. A informação foi dada pela ministra Tereza Cristina durante o encontro em que recebeu os opositores, na quinta.   

“É lamentável que, em plena pandemia, com milhões de pessoas passando fome, com os agricultores desde o começo da pandemia sem nenhum auxílio, sem nenhum apoio, [a gestão] tenha R$ 240 milhões parados no ministério por incompetência do governo e por opção de não se executar o recurso”, critica Alexandre Conceição, da direção do MST.   

Estudos técnicos dos segmentos populares em parceria com a oposição apontam que a paralisação da verba se deu no nível dos repasses feitos a estados e municípios, que acabam tendo execução lenta e balizada pelos interesses políticos locais.

Por conta disso, os opositores pressionam o governo também para que a verba do PAA para este ano seja mais concentrada na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Empresa pública vinculada ao Mapa, ela é a responsável pela execução do PAA diretamente com associações e cooperativas da agricultura familiar.

Trabalho de pequenos agricultores e cooperativas ajuda a mover corrente contra a fome; na Bahia, MST é referência em produção de arroz orgânico. Foto: Jonas Santos

O método é o mais defendido pelos segmentos populares para a efetivação do PAA porque, além de mais célere, fortalece a pequena agricultura. “É a melhor forma. A verba que está parada no PAA está nessa situação porque foi destinada principalmente para prefeituras e municípios. Se o governo tivesse destinado à Conab, com certeza teria sido gasta e executada e hoje teríamos muito mais produtos pra oferecer pro PAA”, diz Conceição.  

Consequências

Coordenador do núcleo do PT que atua em pautas agrárias, o deputado Pedro Uczai (SC) aponta que o contexto atual de inflação dos alimentos, carestia e empobrecimento do campo e da cidade resulta, entre outros fatores, da falta de investimentos da gestão Bolsonaro nos programas e políticas voltados à agricultura familiar.

“Agora o governo não tem alternativa. Tem que pôr recurso na agricultura familiar pra produzir alimento e fortalecer o setor e também pra produzir para o mercado de massa nacional, porque o povo já está passando fome.”

Uczai afirma que a injeção de mais verbas no PAA seria fundamental para evitar um fortalecimento da cadeia que amplia os problemas nos meios urbano e rural. “Se [o governo] não fizer isso, vai aprofundar os problemas no campo, vai aumentar a desigualdade no campo e a miséria e a fome na cidade também, por isso queremos R$ 1 bilhão”.

Por conta da ampliação da fome e do desamparo ao setor da agricultura familiar, a oposição pressiona atualmente o governo também por incentivos ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e pela anuência ao Projeto de Lei (PL) 823/2021, que está travado na Câmara.

A aprovação da medida depende de negociação de verbas com a equipe econômica da gestão e do consequente apoio da tropa governista no Congresso. A proposta prevê um auxílio emergencial para agricultores e outras medidas resgatadas do PL 735/2020, que foi parcialmente vetado por Bolsonaro em agosto do ano passado.

*Edição: Poliana Dallabrida