História

25 de Abril: a História, a Esperança e o Futuro de uma Revolução Portuguesa

Artigo resgata história e lutas que possibilitaram a criação de uma situação propícia à eclosão da Revolução dos Cravos em Portugal
Foto: Pedro Nunes/ Citizenside

Por Ana Saldanha
Da Página do MST

Em 25 de Abril de 1974, uma Revolução terminaria com 48 anos de ditadura, em Portugal. Em plena Primavera, cravos inundariam as ruas de Lisboa e a Revolução tomaria o seu nome. Chico Buarque marcaria este momento histórico na MPB graças às suas duas versões de Tanto Mar – a primeira, em 1975, e a segunda, em 1978 -, num momento em que a oposição à ditadura militar, no Brasil, encontrava uma esperança de mudança num cheirinho a alecrim do lado de lá do Atlântico.

Apesar da beleza e expectativa que representou, o processo revolucionário que se seguiu à Revolução de Abril foi muito complexo, correspondendo a um período em que forças ideologicamente opostas entrariam em confronto: por um lado, aqueles que lutavam pela superação do modo de organização que fora socioeconomicamente dominante durante 48 anos, pretendendo terminar com o terrorismo de Estado e os monopólios que lhe davam sustento; por outro lado, aqueles que pretendiam a continuação do modo de organização que sustivera o fascismo, ainda que dentro de limites parlamentares liberalizantes, sob o controle de uma classe burguesa (dominante), em conluio com interesses externos.

O processo revolucionário acabaria por ser travado a 25 de novembro de 1975. Chico, aliás, na sua segunda versão de Tanto Mar, relembra-nos o travão que aquele viria a sofrer: “Já murcharam tua festa, pá / Mas certamente / Esqueceram uma semente / Nalgum canto do jardim”.

De 1926 a 1974: 48 Anos de ditadura em Portugal

A ditadura portuguesa inicia-se com um golpe de Estado militar em 28 de maio de 1926. Desde então, e até 1933, Portugal viveu um período durante o qual foram suprimidos liberdades e direitos fundamentais, mas sem que, contudo, se tivesse procedido “à institucionalização de uma nova estrutura do Estado” (Cunhal, 1999, p. 27), a qual apenas ocorreria em 1933, com a aprovação de uma nova Constituição.

Entre 1926 e 1933, António de Oliveira Salazar (que havia sido nomeado Ministro das Finanças, em 1928, e que se tornara, em 1932, Presidente do Conselho de Ministros) seria, já então, uma peça fundamental da engrenagem ditatorial. Com efeito, seria com o seu impulso que, passo a passo, a engrenagem e política ditatoriais, que mais tarde seriam consagradas na Constituição de 1933, tomariam forma: a censura, a polícia política, a propaganda e as leis repressivas.

O período seguinte estende-se de 1933 a 1968 e corresponde a uma fase da ditadura que se caracteriza pela “criação do Estado Corporativo” e pela “institucionalização da ditadura fascista” (Cunhal, 1999, p. 27), com a aprovação, em 1933, de uma nova Constituição, a qual estabelece os princípios constitucionais que darão livre azo à atividade totalitária e repressiva estatal. A nova Constituição instaura a censura, proíbe os partidos políticos, as associações sindicais e as associações secretas, cria a PVDE (Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado) – polícia política -, proíbe as oposições e impõe o partido único.

Forças sociais e políticas continuavam, no entanto, o seu combate contra a ditadura, nomeadamente graças ao impulso do clandestino Partido Comunista Português (PCP). Com efeito, com a institucionalização do fascismo, apenas o PCP possuía, de fato, verdadeiros quadros e possibilidades de ação, razão pela qual os seus quadros e militantes foram, aliás, as principais vítimas da perseguição, mortes e torturas levadas a cabo pela polícia política.

Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, Salazar, numa hábil manobra política, declara, na Conferência da União Nacional (partido político fundado em 1930 e único partido constitucionalmente autorizado, desde 1933), estar aberto à colaboração de todos os portugueses, proclamando uma democracia orgânica. Marcello Caetano declara que “na União Nacional cabem portugueses de todas as tendências”.

Encetando uma manobra propagandística, Salazar, no plano externo, talvez temendo pelo futuro da própria ordem ditatorial, celebra os serviços prestados por Portugal aos Aliados e avulta a sua ação em prol da vitória daqueles, pretendendo fazer esquecer o apoio que dera aos regimes nazi-fascista alemão e fascista italiano – quando apoiou, por exemplo, a invasão e ocupação da Checoslováquia ou quando louvou a preparação da Alemanha para a guerra (a quem vendera volfrâmio e outros géneros).

A comunidade internacional, temendo o avanço comunista e a possibilidade de constituição de governos liderados por Partidos Comunistas, na Península Ibérica, continuava, ainda que de forma, por vezes, dissimulada, a apoiar a ditadura fascista portuguesa, fazendo crer que as manobras propagandísticas do governo liderado por Salazar eram suficientes para demonstrar a existência de uma democracia em Portugal.

A luta pela independência das colônias e a formação do MFA

Foto: Centro de Documentação 25 de Abril/Creative Commons

A luta pela libertação do jugo colonialista, no seio das colônias portuguesas, seria fomentada pelo fim da Segunda Guerra Mundial e pela independência alcançada por muitas colônias que haviam estado sob a dominação de Estados europeus. Com efeito, até aos anos 50 – sem considerar os Estados coloniais nos quais colonialistas e colonizados partilhavam o mesmo espaço geográfico, como é o caso da Rodésia ou da África do Sul – apenas sete estados africanos se encontravam formalmente independentes: a Libéria (1847), o Egito e a Etiópia (independentes desde 1945), o Sudão e a Tunísia (independentes desde 1956), o Gana e a Guiné-Conacri (independentes desde 1958). No entanto, é nos anos 60 que dezasseis colônias – que, na sua maioria, haviam estado sob dominação francesa – são declaradas independentes: Benim, Burkina Fasso, Camarões, Chade, Congo-Brazaville, Costa do Marfim, Gabão, Madagáscar, Mauritânia, Níger, Nigéria, República Centro-Africana, Togo e Zaire.

No que diz respeito às colônias portuguesas, a Índia não necessitou de uma organização armada e estruturada para combater o ocupante português. Durante vários anos, o governo de Jawaharlal Nehru tentou, sem sucesso, que os portugueses saíssem voluntariamente das suas colônias (Goa, Damão e Diu). Perante a continuada recusa portuguesa de abandonar estas colônias, as tropas indianas invadiram e ocuparam, em dezembro de 1961, os três territórios, terminando, desta forma, com o Império Português das Índias.

Por outro lado, é neste mesmo ano que se inicia a guerra colonial nas colônias portuguesas na África. Começando em Angola, em fevereiro de 1961, a guerra estende-se à Guiné-Bissau e a Cabo Verde, em 1963, e a Moçambique, em 1964. Nestes territórios sob feroz e intensa exploração colonial, angolanos, moçambicanos, guineenses e cabo-verdianos almejavam alcançar a independência que os libertasse de um jugo secular.

Entretanto, em 1962, os movimentos sociais em Portugal intensificaram-se, registando-se diversas greves, manifestações (destacam-se, neste período, as manifestações do movimento estudantil) e protestos, os quais obtiveram uma violenta resposta por parte da repressiva máquina estatal. O ano de 1962 marcou, igualmente, o nascimento de diversos grupos oposicionistas que se reivindicavam de herança marxista.

Entretanto, provavelmente ao contrário do que o fascismo português esperava, o início da guerra colonial permitiu o desenvolvimento de ações e de teorias anticolonialistas. A oposição à guerra colonial estendeu-se, assim, a diferentes setores da população (inclusivamente, dentro da própria Igreja), saindo dos centros de decisão do poder ditatorial e das cúpulas militares. Neste processo de luta contra a guerra foi ainda fundamental a oposição que se gerou no interior das Forças Armadas.

Entretanto, em 1968, Salazar (que viria a morrer em 1970) é substituído por Marcello Caetano na presidência do Conselho. O período entre 1968 e 1974 caracterizou-se, assim, pela incapacidade física e intelectual de Salazar, num momento em que Marcello Caetano, em plena crise do regime, “tenta salvar a ditadura fascista com uma grande manobra demagógica” (Cunhal, 1999, p. 35).

Em 1974, uma crise econômica instala-se em Portugal. Esta crise, assim como a incapacidade do fascismo em resolver os problemas econômicos e sociais, o fracasso da manobra marcelista, o desgaste do regime, a guerra colonial, as divergências, a deserção e a emigração, possibilitaram a criação de uma situação propícia à derrubada da ditadura e à consequente eclosão de uma revolução.

Entretanto, em 1973, um grupo de oficiais de carreira inicia um movimento corporativista que se amplifica gradualmente, transformando as reivindicações corporativistas iniciais numa vontade de mudança de regime. Será este movimento que conduzirá, no dia 25 de abril de 1974, à eclosão de uma revolução.

A 14 de Março de 1974, perante as revoltas e exigências que se vinham verificando no seio das Forças Armadas, por parte daquele grupo de oficiais, Marcello Caetano convocou uma audiência na qual lhes lembrou o papel meramente cumpridor de diretrizes que lhes cabia. Nesse mesmo dia, o Presidente do Conselho remodela o governo. Apesar das advertências governamentais, opera-se, nos dias 15 e 16 de março, uma revolta militar (fracassada) da Infantaria 5 das Caldas da Rainha.

O sucesso não alcançado pela revolta das Caldas da Rainha surtiria, no entanto, efeito, a 25 de abril, do mesmo ano.

O Nascimento de uma Revolução

Na noite de 24 de abril de 1974 é levado a cabo um levantamento militar pelo Movimento das Forças Armadas (MFA).

Às 22h55, é transmitida a canção E depois do Adeus, de Paulo de Carvalho, pelos Emissores Associados de Lisboa, primeiro sinal do avanço das operações. Às 00h20, os militares que ocupavam a rádio Renascença deram o segundo sinal, com a transmissão de Grândola Vila Morena, de José Afonso. Na Rádio Clube Português, às 4h, é lido o primeiro Comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA).

Apesar do apelo inicial dos capitães, forças populares juntaram-se ao levantamento militar, sendo, precisamente, o fruto desta união – levantamento militar e levantamento popular – que dá origem à Revolução.

Quando os capitães de Abril, organizados no MFA, dão a conhecer ao país os seus objetivos – o fim da ditadura e o fim da guerra colonial, com a consequente e necessária construção de um Portugal democrático -, forças progressistas e organizações políticas progressistas e revolucionárias logo dão o seu apoio ao MFA. Porém, a classe que havia dominado durante os 48 anos de fascismo em Portugal, e que via os seus interesses atacados, opõe-se de imediato ao processo revolucionário, desestabilizando a tentativa de construção de um Portugal democrático, não apenas a partir do exterior do poder político (envio de remessas para o estrangeiro, destruição de campos e de gado), mas igualmente a partir do seu interior.

Neste contexto, forças ideologicamente opostas vão se opor ao longo do processo revolucionário português. Por um lado, encontram-se as forças progressistas e revolucionárias que pretendiam a alteração do modo de organização socioeconômico do fascismo (terrorismo de Estado a serviço dos monopólios), com vista à construção de uma sociedade socialista – e, neste sentido, uma ruptura; por outro, encontram-se forças que ora pretendiam a continuação da ditadura, apenas com umas ligeiras mudanças liberalizantes no plano político, ora pretendiam a instauração de uma democracia burguesa, na qual a classe dominante permaneceria a mesma, mas sob uma organização política parlamentar representativa.

A polarização ideológica acentuou-se ao longo do período compreendido entre o dia 25 de abril de 1974 e o dia 25 de novembro de 1975. Durante este período, foram várias as tentativas (28 de setembro de 1974, 11 de março de 1974 e, por fim, 25 de novembro de 1975) de reverter o caminho revolucionário que o Movimento das Forças Armadas (MFA), forças populares e organizações progressistas e revolucionárias levavam a cabo (é fundamental destacar, neste contexto, o papel do Partido Comunista Português (PCP)).

Durante o processo revolucionário observou-se, assim, uma luta constante entre propostas ideológicas que visavam diferentes objetivos sociopolíticos e econômicos. Excluindo os setores que defendiam a continuação de uma ordem ditatorial moderada (e que acabaram por dar sustento ao segundo grupo), se afrontavam, fundamentalmente, por um lado, os setores mais progressistas do Exército e da população, com o apoio do PCP (os quais aspiravam a uma democracia em Portugal, ao serviço de todos os trabalhadores), e, por outro lado, setores conservadores do Exército, com o apoio quer de forças políticas como o Partido Socialista (PS), o Partido Social Democrata (PSD) e o Centro Democrático Social (CDS), e da grande burguesia nacional e estrangeira, os quais pretendiam a constituição de uma organização política ao serviço desta última, e por ela dominada.

Apesar dos avanços revolucionários – nacionalização da banca, reforma agrária, novos direitos laborais, participação popular nos processos decisórios, liberdade sindical, liberdade de organização e de filiação política, entre outras – as forças contrarrevolucionárias conseguiriam atingir parte dos seus objetivos, travando o processo revolucionário a 25 de novembro de 1975.

Ainda assim, as conquistas revolucionárias não foram eliminadas, uma vez que as forças populares e as organizações progressistas e revolucionárias que apoiaram a Revolução permaneciam com uma grande influência social e, também, com representação política.

A aprovação de uma nova Constituição num contexto sociopolítico complexo

Foto: Agência Lusa

As tentativas contrarrevolucionárias fazem-se sentir desde a madrugada do dia 25 de abril de 1974.

A Junta de Salvação Nacional – mandatada pelo MFA e formada para dirigir provisoriamente Portugal, tal como previsto no Programa do Movimento – representava a hierarquia militar, e os seus membros não pretendiam uma participação popular na vida política do país. O General António de Spínola tinha diferenças com o fascismo, porém não pretendia destruir as bases do sistema ditatorial, defendendo a continuação do colonialismo, a perduração da polícia política, a continuação da interdição da existência política do Partido Comunista Português e a manutenção em prisão de certos prisioneiros políticos, nomeadamente comunistas. Spínola, a serviço que estava da classe que havia dominado durante o fascismo, revela a sua postura ideológica, logo no início do processo revolucionário, procurando contrariá-lo.

Sucedem-se, assim, várias tentativas de desestabilização e de inversão do processo revolucionário, as quais sempre contaram com um apoio ativo externo.

No verão de 1975, as forças contrarrevolucionárias iniciam um processo de violência crescente, nomeadamente no Norte do país, atacando sedes e militantes do Partido Comunista. É neste Verão – conhecido como Verão Quente – que setores da oposição federal alemã exigem que o auxílio econômico concedido pelo governo alemão a Portugal seja invalidado. A intervenção estrangeira assumia, claramente, os seus objetivos políticos: travar e inverter o processo revolucionário iniciado a 25 de abril de 1974.

Frank Carlucci, nomeado embaixador dos Estados Unidos em Portugal, em janeiro de 1975, admitiu que todas as atividades da CIA no país durante o Verão Quente de 1975 haviam sido coordenadas diretamente por ele. Paralelamente, António de Spínola (que, após uma tentativa contrarrevolucionária, realizada a 11 de março de 1975, se refugiava na Espanha franquista) organiza um movimento terrorista armado. Não esqueçamos que não estava posta de parte uma intervenção da OTAN, em Portugal.

O clima de polarização ideológica, as manipulações das forças contrarrevolucionárias – que contavam com o apoio claro de partidos políticos portugueses -, o aproveitamento da desinformação e do caudilhismo, nomeadamente no Norte do país, a aliança das forças da burguesia nacional com o capital estrangeiro, a intervenção e apoio material da CIA, tudo isto fez com que a contrarrevolução lograsse travar o caminho revolucionário que Portugal havia iniciado em abril de 1974. Contudo, apesar do movimento contrarrevolucionário ter sido militarmente vencedor, não conseguiu impedir a aprovação de uma Constituição da República (no seio de uma Assembleia da República cujos deputados haviam sido livremente eleitos), em abril de 1976, que contradizia a ordem socioeconômica do fascismo português e que consagrava o necessário caminho socialista para a construção de uma verdadeira democracia em Portugal.

Herança dos cravos que saíram à rua

O 25 de Abril foi um ato de emancipação social, pelo que a sua herança permanece não apenas na memória coletiva, mas também no plano sociopolítico.

Assim sendo, a Constituição da República Portuguesa, aprovada em abril de 1976, já depois da contrarrevolução de 25 de novembro de 1975, consagra um novo modelo político, econômico e social, estabelecendo, entre outros, que “a organização econômico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de produção socialistas”. Apesar das sete revisões constitucionais sofridas, o seu carácter progressista, como referimos, perdura. Perduram, igualmente, no Portugal de hoje, outras conquistas econômicas, políticas e sociais, resultantes da Revolução de Abril, ainda que tenham sido e continuem a ser atacadas ostensivamente por uma política ao serviço de interesses econômicos de uma classe dominante, num modo de produção cujo carácter bárbaro e depredador cada vez mais se acentua.

Será, no entanto, difícil retomar o caminho de Abril? Com efeito, não podemos esquecer que, depois da Revolução dos Cravos, assistimos à contrarrevolução de 25 de novembro de 1975, a qual impediu o avanço e aprofundamento da Revolução e abriu caminho para que se chegasse, na atualidade, a um estádio mais avançado de desenvolvimento do capitalismo monopolista, num contexto e em condições socioeconômicas distintas daquelas que se apresentavam em 1974. Por esta razão, é preciso, sobretudo, construir o caminho para o socialismo – reivindicando, é certo, as conquistas e progressos que Abril proporcionou -, mas não esquecendo que são, precisamente, os progressos e avanços conquistados no período revolucionário e que ainda resistem, aqueles que, hoje, estão sendo alvo de fortes ataques, colocando consequentemente na ordem do dia a necessidade de uma transformação revolucionária do sistema atual para a sua efetiva superação.

Apenas o socialismo poderá travar os retrocessos civilizacionais em curso e dar vida às propostas e esperanças que Abril abriu: “Foi então que Abril abriu / as portas da claridade / e a nossa gente invadiu / a sua própria cidade” (Ary dos Santos).

Citação no texto :1. CUNHAL, Álvaro. A Verdade e a mentira na Revolução de Abril. Lisboa: Avante!, 1999.