Vacina Cubana

Médico que participa de ensaio clínico de vacina Cubana relata experiência

Juan Castaño explica como a ilha vem desenvolvendo a produção dos imunizantes anticovid e como tem sido participar desse processo
O médico colombiano, Juan Camilo com equipe de especialistas no Instituto de Hematología e Inmunología, em Cuba. Foto: Arquivo pessoal

Por Brigada Internacionalista do MST em Cuba
Da Página do MST

Cuba é conhecida no mundo pela eficiência e qualidade no sistema público de saúde, centrado na saúde preventiva. E mesmo enfrentando um bloqueio econômico por mais de seis décadas pelos Estados Unidos, vem desenvolvendo pesquisas e formando profissionais de saúde, inclusive de países da América Latina, com base nos valores universais do direito à saúde e da cidadania, em que todos/as os cidadãos cubanos tem acesso garantido à saúde gratuita pelo Estado.

Diante da ameaça da Covid-19, logo no início o país adotou medidas restritivas de saúde para frear a circulação do vírus, organizou iniciativas populares para amparar a população idosa e vulnerável à doença e desenvolve cinco vacinas contra o coronavírus: Soberana 01, Soberana 02, Soberana Plus, Abdala e Mambisa – em fases de testes diferentes.

Juan Camilo Viana Castaño é colombiano e médico da família, graduado na Escola Latino-Americana de Medicina de Cuba, atualmente é residente de Imunologia e participa, como pesquisador, do ensaio clínico da vacina Soberana Plus. Ele explica porque a ilha teve condições de desenvolver rapidamente a produção das vacinas contra a Covid-19.

“Unidade da ciência, da docência e a pratica médica. Isto permitiu a reorientação e reorganização do sistema de saúde. As pesquisas se orientam de acordo com as necessidades e problemas priorizados da saúde da população e na introdução dos resultados na prática médica sanitária. Por isso, se pôs a serviço a experiência de 30 anos em biotecnologia para o desenvolvimento das vacinas”, ressalta.

O médico conta como o sistema público de saúde cubano vem lidando com a pandemia, e ao comparar com o sistema de saúde da Colômbia, seu país de origem, constata que no capitalismo os interesses econômicos estão acima da vida, que é garantida somente a quem tem dinheiro para pagar.

“…Fui convidado para ser da equipe de pesquisadores de um dos ensaios clínicos para uma das vacinas. A Covid-19 reafirmou-me, quando se introduz o capitalismo pela liberdade de consumo e altos salários, os direitos são desconsiderados e destaca a eficiência paga com a vida. Enquanto que em Cuba o centro é a vida humana, principio base da Revolução Humana”, argumenta.

Atualmente duas vacinas cubanas anticovid estão na fase três de testes, a Soberana 2 e Abdala, e há indicativos por parte do Ministério de Saúde Pública da ilha, que até o final de 2021 toda a população seja imunizada contra o coronavírus.

Confira abaixo o relado do médico na íntegra:

“Especial interesse despertado durante a pandemia de Covid–19: algumas lutas para um novo mundo possível

Cada país tem formas e métodos que servem de base para a organização dos cuidados da Saúde da população, o que conhecemos como Sistema Nacional de Saúde.

Estes variam em grande medida de uma nação a outra e dependem das políticas públicas que os países adotam. A abertura Neoliberal dos anos 90 fez incompatível que se implementasse sistemas baseados em Serviço Nacional de Saúde ou assistência pública, se caracterizou com a contratação da cobertura do Estado e apaixonou a classe trabalhadora com salários mais altos para aumentar a capacidade de consumo, mas com menos direitos sociais – entre estes o direito à saúde. Este ponto de partida poderia ajudar a entender o comportamento catastrófico da Covid-19 na maioria dos países do mundo e a “imunidade de rebanho” como a opção mais eficiente para salvar a economia.

Linha de partida de Cuba

Estudei medicina no arquipélago como parte das bolsas de estudos que concede a toda América Latina (atualmente mantem a vários países do mundo) como parte de sua posição solidária. Na Escola Latino-americana de Medicina, nos cuidados primários e hospitalares, vi na prática os princípios da saúde como direito fundamental, com o médico e a enfermeira da família desenvolvendo os cuidados ambulatorial e conhecendo-reconhecendo um número de habitantes. Os Consultórios Médicos da Família distribuídos em cada bairro permitem ter um conhecimento do comportamento das populações e suas particularidades territoriais, elementos que facilitaram implementar o enfoque territorial para enfrentar a Covid nos grupos populacionais e evitar a expansão da doença.

A primeira proposta de Cuba frente ao mundo é que os sistemas de saúde devem ter uma Orientação profiláctica: ou seja, que se mantenha o bem-estar das pessoas mediante a promoção de estilos de vida saudáveis e a prevenção para evitar a aparição, progresso e complicação das doenças. Defendendo que é mais fácil prevenir a doença do que curá-la: então antes da chegada da Covid começaram a agir. Nos centros de trabalho se instruiu sobre as características da doença, que ações deveríamos tomar como equipe de cuidados, a importância de lavar as mãos e como realizá-la, e dar tranquilidade responsável para enfrentar a doença. Uma vez detectados os primeiros casos no país se promoveram o uso de máscaras para todas as pessoas e foi recomendado as medidas de distanciamento que tanto custou, devido a fraternidade e alegria acostumada na confiança revolucionária.

Nenhuma das medidas de prevenção individual foi reduzida. Foi feito um chamado para envolver toda a sociedade: foi necessário transformar o ambiente em que vivem as pessoas em sua comunidade, e o desenvolvimento de seus ambientes escolares, de trabalho e lazer.

Cuba também recorda a importância do Caráter estatal do sistema de saúde: a saúde é um direito constitucional, todos têm o direito a que se atenda e proteja sua saúde. Isto não foi só uma proclama, mas sim uma garantia real de aplicação. Portanto, sobre a cobertura de uma vontade política dirigiram e coordenaram os esforços para controlar a doença. Cada ministério apresentou um grupo de ações e medidas para a contenção da doença. Cada órgão de Poder Popular (unidade administrativa de caráter mais local) também fez parte da solução. No caso do pessoal da saúde em ação coordenada dos centros de atendimento e ensino foram dirigidas ações, os residentes que estavam estudando ciências básicas como imunologia, genética, histologia, etc. alguns passamos a reforçar o sistema de Cuidados primário e outros passaram a trabalhar em pesquisas relacionadas com o novo cenário.

Um sistema de saúde socialista promove o acesso e gratuidade geral dos serviços ao alcance das pessoas independentemente das suas concepções políticas, religiosas, de seu estado jurídico, de sua raça o posição social. Nunca deixa de surpreender que as intervenções sanitárias que estão se desenvolvendo para a população que está doente por Covid não tiveram que ser pagas pelos pacientes, incluindo medicação de “alto custo” como os Interferom, hospitalização, mesmo sendo assintomático ou antes de confirmar a doença na pessoa.

Embora havia mencionado a regionalização insistirei na forma que se assegura a unidade dos diferentes níveis de cuidado da população – primaria, secundaria e terciária. Durante a Covid-19 foram mantidas as unidades de cuidado sanitário e se criaram as unidades de laboratório de diagnostico para garantir o acesso geográfico e não deixar zonas do país sem assistência.

O desenvolvimento planejado não deixou de estar presente na pandemia. A saúde pública se desenvolve sobre a base dos planos estatais a curto, médio e largo prazo de acordo com a finalidade comum do melhoramento constante da saúde da população. O planejamento envolve um diagnóstico inicial, ao não possuir esta informação por se tratar de uma doença nova, foram uteis os modelos prognósticos usando recursos matemáticos e estatísticos. Estes orientaram as primeiras etapas do enfrentamento à doença. As intervenções superaram todos os modelos de prognósticos, dentro da equação a variável socialismo cubano modificou o comportamento esperado da doença.

A Participação das massas faz parte dessas fortalezas do sistema de saúde cubano. As conquistas da saúde pública em Cuba se materializam em parte pela participação ativa e dinâmica das massas populares. Desde o início do triunfo revolucionário surgiram em nosso país diferentes organizações não governamentais que permitiram uma organização territorial, isso contribuiu em grande parte para desenvolver diferentes tarefas de saúde com a participação da população. Durante a pandemia se destaca o papel dos jovens na assistência de forma voluntária à população vulnerável e idosos para evitar a maior exposição de riscos à doença.

A maior das Antilhas resgata a colaboração internacional e internacionalismo na saúde. É mais evidente a necessidade de trabalhar em equipes multidisciplinar dentro e fora do país para garantir a evolução de distintos programas de desenvolvimento que garantam a saúde das populações. Por isso, Cuba tem mantido as suas missões Medicas da Brigada Henry Reeve em diferentes países do mundo, mas também está desenvolvendo parte dos ensaios das vacinas em outros países, como Irã e vai iniciar a produção das vacinas com a Venezuela.

Unidade da ciência, da docência e a pratica médica. Isto permitiu a reorientação e reorganização do sistema de saúde. As pesquisas se orientam de acordo com as necessidades e problemas priorizados da saúde da população e na introdução dos resultados na prática médica sanitária. Por isso, se pôs a serviço a experiência de 30 anos em biotecnologia para o desenvolvimento das vacinas. Se mantiveram os sistemas de educação médica com soluções eficazes para os serviços de saúde. É de especial utilidade o cuidado, a superação e aperfeiçoamento dos profissionais, técnicos e quadros, que fornece disponibilidade suficientes para enfrentar a pandemia; um exemplo deste último, é que o pessoal dos cuidados médicos que estavam em idade de risco teriam a opção de estar em sua casa ou quem tem filhos pequenos, mantendo o pagamento de salário e a carga de atendimento foi assumida pelos assistentes mais jovens.

Estes são alguns dos princípios que nos ajudam a entender porque a Covid-19 tem sido um problema em Cuba com impactos menores aos esperados, ainda tendo uma pirâmide com a maioria da população envelhecida, em situação de risco e os impactos dos Bloqueio Econômico imposto pelo Governo dos EUA.

Em nome da Eficiência

Sou de nacionalidade colombiana, lá a Saúde está imersa em um Sistema de Liberdade Empresarial, combinado com o seguro de doenças de risco com predomínio da medicina privada. Ao contrário do exposto, esta normalizando a ideia de que a intervenção do Estado dificulta a eficiência dos sistemas. Colômbia optou pela privatização do sistema de saúde, delegou a responsabilidade da saúde a uma cadeia de terceirização de indivíduos com recursos econômicos limitados sob as regras de livre concorrência que estabelecem uma relação violenta para obter maior margem de lucro. Sobre esta base se erguem a maioria dos sistemas de saúde da América Latina, portanto os resultados desastrosos na resolução da Covid-19.

É bastante frequente que a eficiência do sistema recaia sobre a diminuição da qualidade do cuidado ao paciente (pouco tempo de consulta, falta de materiais e medicamentos, barreira de acesso, mortes, etc.). A formula se completa reforçando a ideia de que a responsabilidade da saúde é exclusiva do paciente e sua família, culpa que tem que pagar pelas indisciplinas, eximindo das responsabilidades as instituições governamentais.

Na Colômbia tem setores que recebem melhor atenção em Saúde: os que possuem melhor poder aquisitivo, os que vivem nas capitais, os que vivem nas cidades, os que têm regimes especiais. Daí se vê o contraste com o escasso acesso geográfico dos centros de atendimento para as comunidades rurais ou os estados e regiões não industrializados. O nível de atendimento primário é precário e diria que, inexistente.

Portanto, a falta de uma base ampla de apoio às intervenções em saúde produziu uma sobrecarga dos níveis de cuidado superior (2º, 3º e 4º), que tinha que limitar ou escolher a quem realizar as intervenções com maior grau de complexidade. Isto se traduziu na saturação das unidades de cuidado e se apresentou altos índices de mortalidade pela doença nos setores econômicos empobrecidos.

As academias e universidades formam profissionais dirigidos a ingressar no “mercado de trabalho”, forçado a aceitar a intermediação do mercado no cuidado sanitário. O sistema de educação médica em saúde não tem aumentado o número de médicos necessários para o país. Nas sociedades capitalistas, existem barreiras para a superação profissional, entre os profissionais se desenvolve uma relação de competição e, por vezes, de exploração.

Na Colômbia o papel do Estado se limita a destinar recursos para o cuidado de saúde e delega sua administração para as entidades privadas, que devem cumprir com indicadores precisos. Se aceita as leis de oferta e demanda para cumprir os objetivos. A saúde termina sendo uma mercadoria acessível à poucos.

Tem sido um pouco mais de um longo ano para viver, fazer e refletir. Vivendo em um país onde a soberania é vacina. Encontro-me estudando com bolsa de especialização em Imunologia e fui convidado a ser da equipe de pesquisadores de um dos ensaios clínicos para uma das vacinas. A Covid-19 reafirmou-me, quando se introduz o capitalismo pela liberdade de consumo e altos salários, os direitos são desconsiderados e destaca a eficiência paga com a vida. Enquanto que em Cuba o centro é a vida humana, principio base da Revolução Humana.”

Juan Camilo Viana Castaño, colombiano, Médico da Família, graduado na Escola Latino Americana de Medicina e residente do terceiro ano de Imunologia. Participa como pesquisador do ensaio clínico da vacina Soberana Plus.

*Você está acompanhando a terceira reportagem de uma série com depoimentos de cubanos(as) e pessoas que vivem em Cuba sobre o enfrentamento à Covid-19.