Jornal Sem Terra
Jornal Sem Terra: 40 anos de comunicação popular fortalecendo a luta histórica do MST
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
O período era de intensas lutas contra a ditadura militar no Brasil (1964-1985), lutas também presentes no campo, com a repressão do regime contra grupos de agricultores Sem Terra na região Sul e outras regiões do país, que se organizavam em movimentos de camponeses e agricultores para lutar pela terra e pelo direito de permanecer no meio rural, se recusando a migrar para as cidades.
Nesse contexto, três anos antes da fundação do MST, é criado um dos principais e mais antigos meios de comunicação popular do Movimento, que depois se tornaria o jornal da organização: o Boletim Informativo da Campanha de Solidariedade aos Agricultores Sem Terra, com a primeira publicação em 15 de maio de 1981, que depois passaria a se chamar Boletim Sem Terra, e em seguida, Jornal Sem Terra.
Neste sábado (15/5), o Jornal Sem Terra (JST) completa sua maioridade. São 40 anos de publicação e circulação, acompanhando as lutas e a resistência histórica do MST e das/os trabalhadoras/es Sem Terra. São quatro décadas atuando como instrumento de comunicação popular e contra-hegemônico na socialização de informações com a base social e a sociedade acerca das lutas e conquistas do MST no país, bem como sobre a conjuntura agrária e a repressão contra os/as trabalhadores/as rurais.
Do boletim ao Jornal Sem Terra
O Boletim Sem Terra surge no acampamento da Encruzilhada Natalino no município de Ronda Alta, Rio Grande do Sul, em 1981, diante da necessidade de comunicação e diálogo entre o acampamento e a sociedade, na busca de apoio e resistência das famílias acampadas, que sofriam com a repressão da ditadura militar.
“O Boletim Sem Terra nasce da necessidade de comunicação entre o acampamento e a sociedade. Era uma correia que corria pros dois lados, porque inicialmente ele circulava entre as organizações e os amigos do acampamento naquele momento. Este foi o grande objetivo que era resolver um problema, um problema de comunicação”, conta Maria Izabel Grein, da direção estadual do MST no Paraná.
Isso também é relato por Salete Campigotto, que esteve acampada na Encruzilhada Natalino e hoje coordena o setor de educação no Instituto Educar, em Pontão/RS, no assentamento da Área 9, antiga fazenda Anonni. “As primeiras edições desse boletim, que agora chamamos Jornal Sem Terra, era feito através do mimeógrafo. E era utilizado como um meio de comunicação na nossa base acampada, e também era distribuído nas regiões pelas pastorais”.
Izabel explica que a edição do Boletim Sem Terra se apoiava em uma forma de comunicação anterior, que garantia a circulação das informações de dentro para fora e de fora para dentro do acampamento no RS. “O Jornal Sem Terra teve início com o Boletim Sem Terra, e o Boletim Sem Terra teve início com os bilhetes, que iam do acampamento pra Porto Alegre, onde eles reelaboravam e era uma forma de comunicação do acampamento pra fora, e também quando voltava pra trazer notícias de fora pro acampamento.”
O padre Arnildo Fritzen, que acompanhava a situação dos acampados na Encruzilhada Natalino, região norte do Rio Grande do Sul, espaço em que o MST deu os primeiros passos rumo a sua fundação, ressalta que o Boletim Sem Terra foi um importante instrumento de comunicação que surgiu, justamente nas lutas do MST, principalmente a partir da repressão da ditadura, ao enviar o Coronel Curió para cercar e reprimir as famílias acampadas.
“No acampamento Natalino a gente tinha um grupo de apoio em Porto Alegre, com o qual se comunicava e eles divulgavam em cartas e formas que achavam melhor pra os amigos conhecerem o que estava acontecendo no acampamento da Encruzilhada Natalino. E aí começamos a escrever do Natalino e mandar pra eles e eles publicavam. Aí é que surge um boletim, nasce exatamente em cima da luta e, especialmente quando o Curió acampou na Encruzilhada Natalino, nós tínhamos mais urgência de divulgar todos os dias as notícias. Foi aí que nasceu, o nosso querido Jornal Sem Terra.”
A história do Jornal Sem Terra é marcada por fases, circulando por um período somente no Rio Grande do Sul, depois na região Sul, como Boletim Sem Terra e sendo produzido em Porto Alegre/RS. No 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em janeiro de 1984 em Cascavel (PR), com a criação do MST, também houve a decisão de transformar o boletim em formato de jornal tabloide e com tiragem inicial de 10 mil exemplares. Cria-se assim o Jornal Sem Terra, voltado principalmente para a comunicação com a base social do MST.
Sua produção e edição foi transferida para São Paulo em 1985, período em que o jornal passou a ter circulação nacional. No ano seguinte, em 1986, o jornal ganhou o prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo por se destacar na luta pelos direitos humanos e na democratização da comunicação.
Importância do Jornal Sem Terra
A história do JST se confunde com a trajetória de luta do MST e dos/as trabalhadores/as Sem Terra pela Reforma Agrária no Brasil, por se tratar de um meio de comunicação popular, que surge nas lutas do Movimento e acompanha o processo de luta e resistência dos Sem Terra, informando, formando e mobilizando em torno das estratégias políticas e de ações de cada período.
Ao mesmo tempo, o JST também foi um dos principais colaboradores na construção da identidade Sem Terra na medida em que possibilitou o conhecimento entre os Sem Terra sobre as lutas e ações realizadas nos vários estados. Nesse sentido, o JST desempenha um papel fundamental como meio de informação e formação entre a base Sem Terra e a sociedade, conforme relata Maria Izabel.
“O Jornal Sem Terra nas origens do Movimento Sem Terra cumpriu uma tarefa importantíssima, era um material, que servia de informação, vinha notícias de todos estados, uma forma da militância ir conhecendo o movimento nacional. A gente abria o jornal e tinha as notícias do que estava acontecendo, das ocupações, dos primeiros assentamentos, se tinha escola. Também na primeira página sempre tinha uma análise de conjuntura. Então, era um material de estudo, que nós usávamos com a militância nas reuniões, na preparação das ocupações, pra gente entender como a sociedade estava organizada.”
Ao mesmo tempo, Izabel pontua que, nos anos iniciais do MST, o Jornal Sem Terra além de informar, também contribui com a sustentação dos militantes da organização. “No final de 1984, 85 quando se preparava os Sem Terra pra fazer as primeiras ocupações, a militância que vinha pras reuniões levava um punhado de jornal pra vender e pra estudar. E esse jornal eles vendiam e servia como uma fonte de renda pra poder viajar, porque o Movimento não tinha dinheiro. Era uma fonte de renda também, pra militância.”
A jornalista e mestre em Ciências da Comunicação, Joana Tavares, que integrou o Setor de Comunicação do MST e atuou na edição do Jornal Sem Terra por um período, pesquisou a formação do JST na dissertação de mestrado, sob o título: “De boletim a Jornal Sem Terra: história, práticas e papel na constituição do MST”, a intensão de analisar como o Boletim contribuiu na construção do Movimento, em caráter nacional. Ela argumenta, que o que motivou o estudo foi a força e a história do jornal.
“Eu ficava muito impressionada com a força do jornal, com a história – olhar a data e ver que ele era tão antigo, anterior a fundação do próprio MST, me intrigava e me encantava. Era uma história que me chamava atenção, de como o Movimento decidiu apoiar o jornal e seguiu apostando nessa ferramenta por tantos anos. Isso pra mim é de um exemplo muito forte e simbólico e de muito aprendizado”.
Joana aponta que os principais resultados da pesquisa indicaram a importância do MST ter se preocupado em criar um meio de comunicação popular no início da sua luta, para dialogar internamente com a base e com a sociedade, amigos e apoiadores.
“Uma das conclusões é da inteligência que o Movimento teve no começo de se preocupar com a comunicação, tanto internamente com a própria base, que estavam acampadas e tinham acesso ao conteúdo de cartas de solidariedade que chegavam, via boletim, que também era lido em voz alta – uma pessoa que entrevistei pra pesquisa fala que ele atuava quase como uma rádio. E a preocupação de publicar pra fora, com os amigos, com os apoiadores da Reforma Agrária e de ser uma comunicação constante.”
Atualidade do Jornal Sem Terra
Desde a criação desse instrumento de comunicação, há 40 anos, muita coisa mudou na luta pela terra, no MST e na comunicação, com o avanço da internet, o surgimento das redes sociais e aplicativos de mensagens, entre outros, mas o Jornal Sem Terra se mantém como instrumento de comunicação, debates e mobilização dos trabalhadores/as Sem Terra na luta pela democratização da terra e pela Reforma Agrária Popular, como patrimônio histórico da classe trabalhadora e da comunicação popular do Brasil.
Izabel e Joana reforçam a atualidade do Jornal Sem Terra, diante dos avanços dos meios de comunicação digitais e de outros instrumentos de comunicações da atualidade. “Temos muitos lugares que a internet não chega, com qualidade pra poder assistir alguma coisa. Então, o jornal físico ainda seria uma ferramenta que poderia cumprir essa função. Eu acho que o jornal físico tem uma outra função que é diferente da internet. E tem pessoas que também têm dificuldades de ler alguma coisa no celular. Eu acho que o jornal físico ainda tem uma função”, defende Izabel.
Joana considera que a internet e as redes sociais não substituem o jornal impresso e acredita no potencial desse meio de comunicação, em relação ao aprendizado. “O jornal traz uma necessidade de concentração, de estudo, de reflexão. Eu acredito no potencial do jornal impresso, porque leva à uma troca, que é muito mais potente. A leitura incentiva a escrita, que é outra coisa maravilhosa que o Jornal Sem Terra também tem. Acho esse tempo, da escrita e da leitura essencial pra luta política, pra Reforma Agrária e pra humanidade mesmo”, conclui.
Confira a exposição virtual 40 anos de Comunicação Popular: Do Boletim ao Jornal Sem Terra!
*Editado por Fernanda Alcântara