Apresentação

Nós somos mais de 500 famílias de agricultores que vivíamos nesta região (Alto Uruguai), como pequenos arrendatários, posseiros da área indígena, peões, diaristas, meeiros, agregados, parceiros, etc… Desse jeito não conseguíamos mais viver, pois trás muita insegurança e muitas vezes não se tem o que comer. Na cidade não queremos ir, porque não sabemos trabalhar lá. Nos criamos no trabalho da lavoura e é isto que sabemos fazer.

É assim que começa a primeira edição do Boletim Informativo da Campanha de Solidariedade aos Agricultores Sem Terra publicado no dia 15 de maio de 1981, criado para divulgar a luta e as condições de vida dos acampados da Encruzilhada Natalino do Rio Grande do Sul. O acampamento, que começou em dezembro de 1980, se tornou um grande símbolo de resistência dos lavradores à Ditadura Militar chamando a atenção da sociedade brasileira.

Neste primeiro período, o Boletim Sem Terra era datilografado e mimeografado e buscava divulgar a situação dos acampados para a sociedade, apoiadores e a “opinião pública em geral”. A potencialidade do boletim como instrumento de comunicação popular apareceu também na função que o informativo ganhou internamente: o Boletim Sem Terra passou a ser lido coletivamente no acampamento, como forma de informar e politizar os acampados fazendo com que outras famílias acampadas pudessem ter a dimensão de que “não estavam sozinhas”.

Em abril de 1982, o Boletim mudou seu formato e passou a ser datilografado e rodado em offset. Também ganhou uma identidade visual própria, alguns textos passam a ser acompanhados por fotografias com sessões fixas como “Nova Ronda Alta”, registrando o cotidiano do novo acampamento para onde foram as famílias da Encruzilhada Natalino, e “Campanha de Solidariedade”. É um momento de maturação do Boletim Sem Terra através de um entendimento que aquele instrumento de comunicação deveria ser mantido.

Acompanhando a formação do que viria ser o MST, a última edição do informativo no formato de boletim é emblemática: cobriu o 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e é neste encontro, realizado em janeiro de 1984 em Cascavel (PR), que se tomou a decisão de tornar o boletim em jornal em formato tabloide e com tiragem inicial de 10 mil exemplares.

Leitura do Jornal dos Trabalhadores Sem Terra. Foto: Arquivo MST

A primeira edição como Jornal dos Trabalhadores Sem Terra (edição nº 36) ganhou novo layout e anúncio da fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O jornal continuou cobrindo a luta dos lavradores pelo Brasil, os conflitos no campo, a greve dos boias-frias e as discussões sobre a Reforma Agrária que estavam em voga com a abertura democrática.

A edição especial nº 42, de fevereiro de 1985, repercutiu o 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A edição seguinte revelou a mudança de endereço para São Paulo e também a consolidação do jornal a nível nacional.

Acampados lendo o Jornal dos Trabalhadores Sem Terra. Foto: Douglas Mansur

O Jornal dos Trabalhadores Sem Terra torna-se enfim um instrumento de comunicação contra hegemônica que atuou no sentido de informar a sociedade sobre o Movimento, mas também como ferramenta de formação nos acampamentos e assentamentos do MST. Ou seja, o jornal assumiu um sentido não só de informar, mas também de formar e organizar.

Ao longo desses 40 anos o Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra passou por diversas modificações, mas manteve como instrumento de comunicação popular. Para celebrar essa data, preparamos essa exposição virtual lembrando as diversas fases do JST:

Na seção “Os primeiros anos do Boletim Informativo da Campanha de Solidariedade aos Agricultores Sem Terra” trazemos três edições que marcam a primeira fase do jornal, ainda mimeografado e tendo como tema principal os embates dos acampados da Encruzilhada Natalino com o governo estadual e federal.

A primeira edição apresenta “A Carta dos Colonos de Ronda Alta” explicando à sociedade a decisão de montar acampamento e as reivindicações dos colonos. Selecionamos também a edição nº 03 que tem como manchete o enterro da menina Loivaci, criança acampada que morreu por falta de assistência médica e omissão do governo diante das más condições no acampamento.

Por fim, terminamos essa seção com a edição nº 19 que tem como manchete principal a ida dos acampados da Encruzilhada Natalino para Nova Ronda Alta, área comprada pela CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil).

Na segunda seção “Consolidação do Boletim Sem Terra” selecionamos as edições nº 30, nº 33 e a edição nº 35. Entre os temas levantados pelo Boletim temos a “Campanha pela revogação da Lei de Segurança Nacional”, a vitória dos acampados de Nova Ronda Alta, a entrevista com o Coronel Curió e a cobertura do 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Vemos nessas edições um projeto editorial mais robusto e matérias que discutem temas como violência no campo, censura, condições de vida dos camponeses de todo o Brasil.

Por último, “Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: o nosso JST!” encontramos as edições já em formato tabloide do JST. Selecionamos a primeira edição nesse formato (edição nº 36 de julho de 1984), edição nº 119 de 1992 com a campanha Fora Collor! A edição nº 168 sobre a Marcha Nacional à Brasília de 1997 e a edição nº 162 que denuncia os dez anos de impunidade do Eldorado dos Carajás.

Contar a história do JST é contar a história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Esse instrumento de comunicação popular, que chegou antes que o próprio Movimento, foi fruto da mobilização de homens e mulheres que ousaram se organizar e lutar por Reforma Agrária, o JST é um patrimônio da classe trabalhadora, pela sua importância como ferramenta organizativa, informativa e também como documento histórico da luta pela terra no Brasil.

Jullyana Luporini de Souza – Arquivo e Memória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra


Os primeiros anos: o Boletim Informativo da Campanha de Solidariedade aos Agricultores Sem Terra

Nº 01 / Maio 1981 (Páginas 1-12):

A primeira edição do Boletim Informativo da Campanha de Solidariedade aos Agricultores Sem Terra apresenta a “Carta dos Colonos de Ronda Alta”. Também apresenta as seções “História de um povo oprimido” e “Campanha de Solidariedade”. O boletim informa sobre as condições de vida dos acampados na Encruzilhada Natalino e divulga a campanha de solidariedade aos colonos. Os responsáveis pela publicação do boletim são o Movimento de Justiça e Direitos Humanos e a Comissão Pastoral da Terra-RS.

Nº 03 / Junho 1981 (Páginas 1-10):

A manchete principal dessa edição foi o enterro da criança Loivaci, a primeira página apresenta a foto do cortejo fúnebre. Há nesta edição um trecho do documento: “A Igreja e o problema da terra”. Há também um levantamento de terras localizados em Palmeiras da Missões –RS, o objetivo desse levantamento era demonstrar que havia terras na região, ao contrário do que dizia o governo gaúcho e o INCRA.

Nº 19 / Abril 1982 (Páginas 1-17):

Finalmente, a edição nº 19 cobre a transferência das famílias acampadas na Encruzilhada Natalino para outro terreno, comprado pela CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) para que os agricultores pudessem sair da beira da estrada. Há também a cobertura da V Romaria da Terra, realizada na Encruzilhada Natalino com a presença de 200 mil pessoas.


Consolidação do Boletim Sem Terra

Nº 30 / Março 1983 (Páginas 1-3):

Na edição nº 30 de 1983, o Boletim Sem Terra noticia a Campanha pela Revogação da Lei de Segurança Nacional da Ditadura Militar Brasileira, sinalizando adesão a pautas mais amplas. Também noticiou a VI Romaria da Terra e a cobertura do 2º Encontro da Regional Sul dos Sem Terra, realizado em fevereiro.

Nº 33 / Novembro 1983 (Páginas 1-14):

Chamada de “edição histórica”; a edição nº 33 apresenta a manchete “A porteira se abre!!!” Para indicar a conquista da terra das famílias acampadas em Ronda Alta. Nesta edição o boletim entrevistou Antonio Campigotto e o padre Arnildo Fritzen, lideranças que acompanhavam a situação dos acampados desde da Encruzilhada Natalino. O boletim também entrevistou o Coronel Curió com o título “Curió expulsava. Agora é expulso. ” Na entrevista, o Coronel reclamou da expulsão dos garimpeiros da Serra Pelada (PA), que era seu curral eleitoral, e afirmou que graças a sua intervenção a situação dos acampados da Encruzilhada foi resolvida sem o uso da força.

Nº 35 / Abril 1984 (Páginas 1-15):

Última edição em formato de boletim, o editorial “O Brasil Traído” expôs os nomes dos deputados que votaram contra a emenda Dante de Oliveira que restabeleceria as eleições diretas no país. Nesta edição o boletim cobriu o 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Sem Terra onde foi decidido a transformação do boletim em jornal. Também divulgou a situação da luta pela terra em diversos pontos do país.


Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: o nosso JST!

Nº 36 / Julho 1984 (Páginas 1-15):

Primeira edição do Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em formato tabloide. No editorial “Maturidade Política” apresentou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e o motivo da organização do Movimento. Nesta edição, também anunciou que o JST teria circulação mensal e com uma tiragem de 10 mil exemplares. Com o novo formato apontou através de reportagem a situação das famílias acampadas em Ivinhema (MS), a greve dos boias-frias além de trazer uma reportagem especial com o Dom José Gomes e um texto de opinião do Frei Sérgio A. Görgen com o título “Reforma Agrária é nosso objetivo”.

Nº 119 / Setembro 1992 (Páginas. 1-15):

O editorial da edição nº119 é explícito: “Fora Collor. Reforma Agrária Já!”. O jornal traz uma matéria sobre a importância do JST e as diferentes funções que o JST apresenta: informar, formar, organizar, trocar experiência e trazer unidade política. O texto também enumera as tarefas dos militantes com o JST desde da elaboração das notícias a distribuição, assinatura e o incentivo à leitura do jornal.

Nº 168 / Abril e Maio 1997 (Páginas 1-24):

O grande tema dessa edição é a histórica Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma Agrária realizada de fevereiro a abril de 1997, um anos após o Massacre do Eldorado dos Carajás. O jornal cobriu a exposição das fotos do livro “Terra” do renomado fotógrafo Sebastião Salgado, com a presença de José Saramago e Chico Buarque. Nesta edição também se apresentou a cobertura da audiência do governo FHC com os Sem Terras, marcando a diferença de posições entre o presidente e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Nº 262 / Maio 2006 (Páginas 1-15):

A manchete do jornal é em formato de denúncia: “Eldorado dos Carajás: 10 anos de impunidade”. A falta de punição dos responsáveis pelo massacre ganhou matéria especial na edição que também ressaltou as homenagens do MST em diversos estados as vítimas do confronto. Há um artigo na seção “Estudo” de Vito Gianotti explicando a como a mídia hegemônica se comporta como verdadeiro “Partido da Burguesia”.


Fotos


Cartazes


Créditos

Curadoria e seleção de documentos: Arquivo e Memória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Site e layout da exposição: Setor de Comunicação do MST