Ataque

Usina União ataca Sem Terras em Amaraji/PE e acumula denúncias de trabalho escravo

Após ataques e tentativas de despejo, centenas de trabalhadores(as) passam dia e noite em vigília à espera de uma resolução digna para as famílias em meio ao conflito fundiário com usineiros do Engenho Bonfim
Acampamento Bondade, Amaraji/PE, onde vivem mais de 200 famílias. Foto: Olívia Godoy/Acervo MST-PE

Por Lays Furtado
Da Página do MST

Enquanto aguardam resposta sobre o pedido de suspensão de despejo do Acampamento Bondade, centenas de trabalhadores(as) Sem Terra passam dia e noite em vigília à espera de uma resolução em meio ao conflito fundiário com usineiros do Engenho Bonfim – onde está localizada à Usina União, no município de Amaraji, em Pernambuco.

Na última quinta-feira (20/5), as 200 famílias de trabalhadores(as) Sem Terra em Amaraji enfrentaram outro ataque por parte de mandatários da Usina União e Indústria S/A. Com a chegada no local de quatro viaturas com policiais e jagunços armados para intimidar as famílias que vivem e resistem no Acampamento Bondade. É a terceira tentativa de despejo em menos de uma semana.

Por meio de um áudio vazado na internet é possível ouvir um dos agentes envolvidos na ação comunicando que além das quatro viaturas, tinham também os “passarinhos”, que seriam os “olheiros” indo para o local. Normalmente, os próprios vigias da usina são pagos para passar informações que facilitem a perseguição e intimidação dos(as) acampadas(os) por meio de ameaças.

Acampamento Bondade, Amaraji. Foto: Olívia Godoy/Acervo MST-PE

Além de uma saída pacífica para o conflito, os(as) agricultores(as) acampados(as) reivindicam uma alternativa digna para as famílias, que não se resuma a simples violação de seus direitos básicos, com à execução do despejo em plena pandemia.

As famílias denunciam que além das tentativas de despejo feitas pela polícia, são constantemente assediadas por intimidações e ameaças por conta de jagunços pagos pela usina. Os(as) acampados(as) são, em sua maioria, ex-trabalhadores(as) explorados(as) pela própria usina e que nunca foram indenizados(as). Os(as) mesmos(as), mantêm sua subsistência do roçado que tem no Acampamento Bondade com a plantação de macaxeira, milho, coco, banana, entre outros alimentos produzidos na área coletiva.

Agricultores durante o roçado coletivo do Acampamento Bondade, Amaraji. Foto: Olívia Godoy/Acervo MST-PE

Senhores de engenho perpetuam o trabalho escravo

Um desses trabalhadores que hoje é acampado e preferiu não se identificar, denuncia que trabalhou como escravo entre os anos de 1973 a 2000 na usina. E após todo esse tempo sendo explorado recebeu da empresa R$300,00 pelos 27 anos trabalhando com o corte de cana do engenho, o que deu só para comprar um cavalo:

“A gente era um sofrimento triste para criar nossas famílias na usina. Só dava para trabalhar de dia e comer durante a noite. Eu tenho as provas, eu tenho a minha carteira, até os contracheques tem mais de 200 em casa, eu provo isso. E qualquer advogado que me chamar eu provo que trabalhei na usina há 27 anos e seis meses de carteira assinada. E o dinheiro que me deram foi justamente 300 reais por minhas contas”, declara o ex-trabalhador que hoje luta pelo direito à terra, como uma das formas de ser reparado pelas explorações sofridas pela Usina, que hoje é autora do pedido de despejo.

Usineiro Ilvo Meirelles, um dos diretores executivos da Usina União, acusada pelo MPPE de perpetuar trabalho. Foto: Divulgação

“Mas a usina, ela escraviza de uma forma, que a gente não tem nem condições de manter a nossa família. Eu mantenho minha família botando roçado. E até mesmo para botar roçado, quando começava a plantar banana comprida, botar lavoura branca, eles viam com os vigias e mandavam arrancar”, salienta o trabalhador acampado.

Fundada em 1895, a Usina União, localizada no Engenho Bonfim, é um exemplo da perpetuidade das violências exercidas pelos “senhores de engenho” no interior pernambucano, e acumula diversas denúncias de exploração e trabalho escravo.

Em 2010, o próprio Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco denunciou à Justiça Federal quatro responsáveis pela Usina União Indústria: Ilvo Monteiro de Meirelles, Carlos Henrique Alves, José Alexandre de Meirelles e Jair Furtado de Meirelles Neto. Acusados de submeter trabalhadores(as) ligados(as) às atividades de corte, carregamento e transporte da cana-de-açúcar da usina, a condições degradantes de trabalho, bem como a jornadas exaustivas – análogas ao trabalho escravo.

Açúcar Primavera e Sublime, produtos da Usina União Indústria S/A. Foto: Divulgação

Acirramento do conflito e violência no campo

Após o acirramento da violência contra os(as) agricultores(as) no Acampamento Bondade, em Amaraji, foi acionada a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Além da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal, para que notifiquem os órgãos Judiciários de Amaraji e do estado pernambucano, com a intenção de realizar audiência com a mediação de conflitos, tratando sobre as sistemáticas violações das quais as famílias estão sofrendo, enquanto a situação processual se mantém em curso.

Inclusive, considerando os agravos de reiteradas denúncias de perseguições e ameaças de morte aos agricultores(as), para que sob intimidação haja a desocupação da área.

Apesar do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Pernambuco (Iterpe) afirmarem que continuam abertos para mediação do conflito, não foi apresentada nenhuma alternativa senão a desapropriação das famílias. Situação que agrava ainda mais a vulnerabilidade em que estão sujeitas durante a pandemia.

Despejo Zero

Neste cenário, ainda na última quinta-feira (20/5), durante plenária virtual, foi solicitado a agilidade da apreciação do Projeto de Lei Ordinária 1010/2020, de autoria das codeputadas Juntas (PSOL/PE). O mesmo subscreve a suspensão do cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais enquanto Pernambuco estiver em situação de calamidade pública, como forma de prevenir a propagação do vírus da covid-19 e para assegurar direitos.

Família acampada de Bondade, Amaraji (PE). Foto: Olívia Godoy/Acervo MST-PE

Em confluência com o Projeto de Lei Ordinária 1010/2020 em Pernambuco, o PL 827/20, de igual teor, foi aprovado por parlamentar da Câmara Federal, na última terça-feira (18/5) por 263 votos a 181. A medida aguarda votação pelo Senado e sendo sancionada a lei, proíbe despejos de imóveis urbanos ou rurais até 31 de dezembro de 2021.

O Projeto de Lei 827/20 é de autoria das deputadas Natália Bonavides (PT-RN), professora Rosa Neide (PT-MT) e André Janones (Avante-MG). E apesar de ser uma medida necessária e urgente, levou mais de um ano para ser finalmente votada. “Infelizmente, é o capital que predomina, e o projeto preserva a população do campo e da cidade que mais precisa”, cita a deputada Rosa Neide, em divulgação pela Agência Câmara de Notícias.

Ambas instâncias de Projetos de Lei – estadual e nacional – se referem às medidas que possibilitariam que as pessoas mais atingidas durante a pandemia possam, minimamente, ter condições de cumprir as medidas de isolamento que podem salvar vidas durante a pandemia. Garantindo o direito básico de moradia e o cumprimento das medidas sanitárias recomendadas, em meio à maior crise sanitária do país, que já ceifou a vida de quase meio milhão de brasileiros(as).

Trabalhadores(as) do Acampamento Bondade, Amaraji (PE). Foto: Olívia Godoy/Acervo MST-PE

A partir do levantamento feito pela campanha Despejo Zero, mais de 12 mil famílias foram removidas de suas casas por desapropriação durante a pandemia, e outras mais de 72 mil estão ameaçadas de despejo. Só em Pernambuco, o número de famílias ameaçadas atinge mais de 8 mil lares periféricos nas zonas urbanas e rurais.

Entendendo a gravidade da qual estamos imersos com a crise sanitária, a Organização das Nações Unidas (ONU) e o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) – recomendam aos órgãos do Poder Judiciário a adoção de cautelas quando da solução de conflitos que versem sobre a desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais, durante o período da pandemia do Coronavírus. Sobretudo nas hipóteses que envolvem pessoas em estado de vulnerabilidade social e econômica.

*Editado por Solange Engelmann