Centenário Paulo Freire

Paulo Freire, o educador do povo e a formação política

O educador revolucionou o pensamento educacional brasileiro a partir da década de 1960, ao incorporar na educação o elemento político, desenvolvendo um método de alfabetização que possibilita uma ação crítica e libertadora
Paulo Freire dedicou sua vida e obra na construção de uma educação libertadora para os povos oprimidos.
Foto: Divulgação web

Por Lays Furtado e Solange Engelmann
Da página do MST

O educador e intelectual Paulo Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, no Recife, Pernambuco. Ele dedicou sua vida e obra na construção de uma educação libertadora para os povos oprimidos.

A Jornada do Centenário Paulo Freire, que está sendo realizada durante todo o ano de 2021 pelo MST, é um convite para pensar e incidir em uma prática educativa que considere o aluno/educando, como um sujeito detentor de saberes acerca da sua realidade e do seu contexto de vida. E instrumentalizando este sujeito para a reflexão, compreensão e ação, ou seja, para que tenha condições de agir e interferir na realidade, na busca por melhores condições de vida, mudanças e transformações sociais.

Assim, o educador do povo e Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire, busca romper com o que ele considerava a lógica de uma “educação bancária”, em que o educando é mantido em posição de ser passivo, que somente absorve o conteúdo apresentado pelo professor/educador, sem estímulo para participar ou se engajar ativamente no processo educativo.

A palavra-mundo e o “Método Paulo Freire

Na década de 1950 e 1960, ao iniciar sua prática educativa no Nordeste brasileiro, o pernambucano formado em direito percebe a necessidade de criar um método de alfabetização popular, que se aproxime do contexto de vida dos(as) educandos(as) e incorpore elementos que fazem parte da vivência dos(as) próprios(as) educandos(as).

Desse modo, entre 1961 e 1963 realizou as primeiras experiências de alfabetização, a partir  desse método, alfabetizando cortadores(as) de cana em Pernambuco. Nesse período, Freire também se engajou na fundação do Movimento de Cultura Popular de Recife, assumiu o cargo de conselheiro do Conselho Estadual de Pernambuco e se envolveu na elaboração de um Programa Nacional de Alfabetização, enterrado em seguida, pelo golpe civil-militar de 1964-1985 no Brasil.

Porém, foi nesse período, entre a década de 1950 e 1960, que para a educadora do Setor de Educação do MST em Pernambuco, Rubneuza Leandro de Souza, Paulo Freire revoluciona o pensamento educacional brasileiro ao incorporar na educação o elemento político, trabalhando com palavras geradoras, que faziam parte do modo de vida dos(as) educandos(as).

“Ele trata que a educação num país como o nosso não poderia apenas instrumentalizar as pessoas no código da leitura e da escrita, mas ser um instrumento de poder fazer a leitura dessa realidade. Para isso os conteúdos tinham que surgir da realidade para ser problematizado e as pessoas saírem do senso comum para uma consciência filosófica, ou seja, compreender essa realidade na sua complexidade, que a pobreza e a miséria não era condição da pessoa, mas fruto de uma exploração. E isso se dava a partir de palavras geradoras, que ao fazer esse debate se tornava uma palavra significativa – do universo vocabular dos(as) estudantes e vinha carregada de sentido, de história”, explica.

Nesse método educativo, que trabalhava com o elemento político da realidade no processo de alfabetização, depois chamado de “Método Paulo Freire”, Rubneuza, ressalta que após elencar as palavras geradoras, em um processo conjunto com os educandos e com base em suas realidades, possibilita-se, ao mesmo tempo, um processo de reflexão, e estas palavras passam por um processo de decodificação e apropriação da escrita, que Paulo Freire chamou de “a palavra de mundo”. Ou seja, antes da leitura da palavra, são levantadas questões para o debate, para somente depois trabalhar com a decomposição das palavras.

A palavra-mundo para Paulo Freire reúne o mundo em si, para cada pessoa que a lê. Diante disso, o educador considerava que toda palavra é palavra-mundo, pois na visão dele nenhuma leitura é igual e ninguém lê o mesmo livro da mesma forma, nem mesmo quando o lê pela segunda vez. Nesse contexto, o “Método Paulo Freire” surgiu na década de 1960 em trabalhos de Freire na periferia do Recife e sua experiência mais significativa foi registrada em 1963, na alfabetização pelo educador em Angicos, no Rio Grande do Norte, com cerca de 300 adultos, segundo relata Carlos Brandão, no livro “O que é Método Paulo Freire”.

Moradores de Angicos participaram do curso de alfabetização de adultos de Paulo Freire para aprender a ler e escrever. Foto: Arquivo

Uma reportagem do site Repórter Brasil, publicada em 2019 sobre como o método de Paulo Freire revolucionou o sertão do Rio Grande do Norte explica que a metodologia de alfabetização do educador, considerada subversiva pelos militares da ditadura, era desenvolvida a partir da identificação das palavras que faziam parte do cotidiano dos educandos: relacionado ao seu contexto de vida e relações de trabalho.

E a partir da identificação da palavra, como enxada por exemplo, o(a) educador(a) fazia perguntas e questionamentos sobre as características, uso e o contexto que envolvem aquele objeto. Para que serve a enxada, quem usa a enxada, quem faz a enxada, quem compra, quem lucra mais a partir do uso da enxada, e por que? Ou seja, um conjunto de questionamentos que levavam o educando a refletir sobre as condições de vida e identificar a opressão em que se encontravam, relembrou na reportagem do Repórter Brasil a ex-aluna Maria Eneide de Araújo Melo, que hoje é professora aposentada: “os militares chamavam esse método educativo de aula de politização”.

Devido ao medo de prisão e os boatos de repressão após o golpe militar de 1964, muitos educandos de Angicos/RN queimaram as recordações das aulas de alfabetização, como a ex-aluna Maria Eneide, que conforme informações da Folha de São Paulo em 2020, reproduzidas pelo Blog da Tribuna do Norte, escondeu seus cadernos embaixo do colchão e em seguida os queimou, com o temor de que seus pais poderiam ser presos.

Portanto, além de estimular os(as) educandos(as) no contato e reflexão sobre seu contexto social, percebe-se que Paulo Freire buscava, por meio de uma leitura e reflexão diferenciada de mundo promover a consciência política dos educandos sobre a opressão vivenciada por eles(as) e as possibilidades de libertação dessa condição, por meio das ações dos sujeitos por mudanças sociais.

Paulo Freire e as organizações populares no Brasil

Paulo Freire também deixou um legado importante na organização da classe trabalhadora brasileira, com a formação de movimentos sociais populares, sindicais e partidos políticos brasileiros, em um contexto de ditadura civil-militar.

“O pensamento de Paulo Freire contribuiu no final da década de 1970 para o surgimento de organizações importantes, como instrumento da classe trabalhadora, como o MST na retomada da luta pela terra, mas também da CUT [Central Única dos Trabalhadores], como um sindicalismo combativo. E o PT [Partido dos Trabalhadores], como um partido de massa, porque até então a gente tinha partido de quadros, e o PT surge como um partido de massa”, argumenta Rubneuza.

Em homenagem ao legado do educador, o Centro Paulo Freire do MST, em Caruaru/PE, funciona desde 1998. Foto: Arquivo MST PE

Nesse contexto, ao ser criado pelos(as) trabalhadores(as) sem-terra do país, nos anos finais da ditadura civil-militar no Brasil, surgindo oficialmente em 1984, o MST passa a adotar o método de educação popular de Paulo Freire para a educação e nos processos de formação da base Sem Terra. “No primeiro momento essa educação se dá de forma não formal, nas formações de base e depois, na educação formal. Então, desde o início, o Paulo Freire está presente na formação do Movimento, que toma o pensamento do Paulo Freire como base de formação da sua base. E os cursos passam a ser direcionados nessa perspectiva da educação popular”, pontua a educadora.

Assim, diante da necessidade da educação e a formação política e técnica dos(as) trabalhadores(as) Sem Terra, o MST adota o “Método Paulo Freire” para educação formal e política de sua base social. Nesse sentido, organizou processos de luta pela implantação e construção de escolas públicas do campo, com uma pedagogia voltada para a valorização da realidade e cultura dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.

E implantou vários centros de formação nas áreas de Reforma Agrária pelo país, tendo com base o “Método Paulo Freire”, a pedagogia da alternância e a disciplina consciente dos(as) educandos(as) e educadores(as). Entre eles, alguns centros de formação do MST também receberam o nome do pensador, em homenagem ao seu legado, como o Centro de Formação Paulo Freire, localizado no assentamento Normandia, em Caruaru, Pernambuco – em funcionamento desde 1998.

Referências consultadas

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Método Paulo Freire. 18ª ed. São Paulo, Brasiliense. 1981

*Editado por Fernanda Alcântara