Saúde Mental

Agentes Populares de Saúde contribuem com atendimento à saúde mental em Curitiba e Região

Por causa dos efeitos da pandemia, surgem novas demandas em saúde mental
Movimentos sociais estão na luta para garantir saúde de qualidade e defender o SUS. Foto: Leonardo Henrique

Por Leonardo Henrique
Da Página do MST

Com objetivo de fortalecer o acesso da população em situação de vulnerabilidade social à saúde de qualidade, médicas/os, enfermeiras/os, psicólogos, estudantes e profissionais de áreas relacionadas têm realizado mutirões de atendimento e orientação em Curitiba e Região Metropolitana. Batizada de Mutirão de Agentes Populares de Saúde, a ação ocorre pelo menos uma vez ao mês, de forma presencial.

No Brasil, mais de 540 mil pessoas faleceram pela Covid-19 e essa triste estatística certamente impacta na saúde mental, ainda mais de quem perde alguém. As contradições de um sistema pautado no lucro e na exploração se intensificaram na pandemia, atingindo principalmente a população em situação de vulnerabilidade social. Buscando ouvir essas pessoas com afeto e fortalecer a saúde pública, médicas/os, enfermeiras/os, psicólogos, estudantes e profissionais de áreas relacionadas têm realizado mutirões de atendimento e orientação.

Batizada de Mutirão de Agentes Populares de Saúde, a ação ocorre mensalmente, de forma presencial. A iniciativa é da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares e do MST, em parceria com os movimentos e entidades que estão inseridos nos territórios urbanos.

Em julho duas ações foram organizadas em ocupações urbanas de Curitiba: na Nova Guaporé 2, no bairro Campo Comprido, e Nova Esperança, em Campo Magro (Região Metropolitana da capital paranaense).

Além dos atendimentos de medicina em família, com exames básicos e encaminhamentos ao Sistema Único de Saúde (SUS), os moradores também receberam acolhimento em saúde mental e foram distribuídas máscaras, álcool gel e material informativo sobre o novo Coronavírus.

Pandemia apresenta novas demandas em saúde mental 

As mortes por Covid-19 carregam histórias, há protocolos diferentes para prevenção, tratamento e, infelizmente, o falecimento das pessoas. O medo de contrair a Covid-19 porque tem que sair para trabalhar (sem possibilidade de fazer quarentena), a apreensão da intubação, um método às vezes necessário porém muito invasivo, e a perda de familiares afetam a saúde mental.

Maria Izabel Grein, do Setor de Saúde e Educação do MST, em Santa Catarina e Paraná, mostra que as transformações em relações sociais estão ligadas ao cuidado com a saúde. 

“O MST estava com razão quando pediu que fizéssemos um tempo de cuidado e de produzir comida. Precisamos continuar com essa tarefa, cada pessoa é muito importante, companheiras/os, trabalhadoras/es. Mesmo vacinados, precisamos continuar nos cuidando com máscara, álcool gel e distanciamento social”, afirma.

Uma pesquisa do Conselho Federal de Farmácia revela que a venda de medicamentos psiquiátricos aumentou na pandemia, no Brasil. Segundo o levantamento, de janeiro a julho de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019, aumentaram em cerca de 14% as vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor (representa um crescimento de 56,3 milhões para 64,1 milhões unidades). Eles são usados em casos como transtorno afetivo bipolar e depressão.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam os números da depressão no país. A estimativa é que 10,2% das pessoas de 18 anos ou mais de idade receberam diagnóstico de depressão por profissionais de saúde mental, em 2019. São 16,3 milhões de brasileiras/os, com maior prevalência na área urbana (10,7%) do que rural (7,6%).

Destes, 52,8% receberam assistência médica para depressão nos últimos 12 meses, anteriores à entrevista. Sobre o local de atendimento, 29,7% foi em uma unidade  básica de saúde; 13,7% em um Centro de Especialidades, Policlínica Pública ou ambulatório de hospital público; os outros 47,4% em consultório particular ou clínica privada.

Nesse cenário de estatísticas alarmantes, Maria Izabel enfatiza que é preciso cuidar da saúde mental. “A saúde mental tem a ver como cuidamos com a terra, nos relacionamos com as pessoas, como a gente se organiza na comunidade. É tempo de saber ouvir, cuidar de nossos afetos, viver com amorosidade entre nós, fortalecer os laços entre as pessoas em todos os espaços, recriar espaços e coletivos onde vivemos”.

O psicólogo João Farias que esteve nos acolhimentos em saúde mental nas ocupações Nova Guaporé 2 e Nova Esperança, explica que o objetivo é trazer as questões psicossociais das comunidades.

“A saúde mental tem todo um estigma social. A gente viu novas demandas de ansiedade, de crises de pânico na pandemia. Essas demandas começaram a aparecer com o índice de desemprego aumentando, falta de acesso aos direitos, que é o que vemos principalmente em lugares como esses, totalmente negligenciados”, declara.

Um contato é feito com os representantes de saúde mental da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para trazer a questão psicossocial da comunidade.

“A ideia é agir sobre geração de renda, acesso à educação, educação pras crianças, saúde infantil, prevenção de suicídio, transtornos depressivos e trazer esses instrumentos que são os responsáveis por fazer o atendimento: o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da região e o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) para intervir em questões de assistência social”, completa Farias.

A falta de direitos fundamentais impacta na saúde mental. Morar em uma casa é garantia básica das pessoas, segundo a constituição brasileira. Na imagem, a equipe de saúde que atuou na ocupação Nova Esperança. Foto: Leonardo Henrique

União de movimentos sociais e entidades fortalece comunidades

Os mutirões de saúde popular são feitos pela Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares e o MST em conjunto com organizações que constroem o trabalho de base nas regiões de vulnerabilidade social. Essa rede solidária fortalece as comunidades, na opinião de Katielen Farias, técnica em enfermagem. Ela mora na Nova Esperança, onde atua o Movimento Popular por Moradia (MPM).

“A gente apresenta as demandas e os agentes populares de saúde dão o suporte. O MPM traz esses atendimentos junto aos médicos populares, uma vez por mês, e mostramos conteúdos para esclarecimento sobre a vacina, uso de máscaras e os cuidados contra a Covid-19”, explica.

Suellem Ferreira dos Santos, da coordenação dos Agentes Populares na Nova Guaporé 2, comentou a importância da ação para as famílias que moram na ocupação.

“Hoje em dia, a gente não tem ninguém para nos ouvir. Graças ao projeto, podemos ver o que a pandemia causa e como se cuidar, qual é a informação”, disse. O Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) e a União de Moradores e Trabalhadores (UMT) atuam na comunidade.

Atendimentos para as famílias fortalecem as comunidades, principalmente em momentos de crise humanitária. Foto: Leonardo Henrique

Informação e prevenção para combater a pandemia

Além da crise econômica e política pela qual passa o Brasil, vivemos uma situação calamitosa na prevenção à pandemia. A cada dia, aparecem novos escândalos referentes à propina na compra de vacinas por parte do governo federal.

Como forma de resistência, o MST promove ações solidárias por todo o país. Além da partilha de alimentos (mais de 700 toneladas desde maio de 2020, apenas no Paraná), a informação sobre a Covid-19 deve chegar ao povo, principalmente para quem não tem condições de manter o isolamento, com trabalho remoto. O Movimento também realiza formação de agentes populares de saúde no campo, em assentamentos e acampamentos do estado. Cerca de 150 pessoas já passaram por cursos on-line e presenciais.

Em 2020, a partir da experiência da Periferia Viva de Recife, o Setor de Saúde do MST Paraná iniciou a formação de agentes populares de saúde em acampamentos e assentamentos do estado. Um curso on-line orientou militantes das áreas da Reforma Agrária para fazer trabalho de informação, explicar o que é a Covid-19 e como se prevenir, defender o SUS e promover a saúde popular e a agroecologia.

“A única forma de garantirmos a saúde plena, com toda essa conjuntura, é por meio da organização popular”, afirma Tereza Jurgensen, médica de família e comunidade. A equipe multidisciplinar aferiu a pressão, examinou e atendeu crianças e adultos. Na Nova Guaporé 2, Tereza coordenou a formação dos agentes populares junto à comunidade com distribuição de máscaras.

“Temos um Sistema Único de Saúde muito estruturado. O programa nacional de imunização é referência mundial e tem a capacidade de chegar a todos os locais. Ele não só não foi utilizado como também vem sendo desmontado. Tentamos trazer qualidade de saúde para enfrentar esse momento que vivemos”, completa.

Afeto e atenção são questões essenciais para a garantia de uma vida digna. Kety Evelin dos Anjos, moradora da Nova Esperança, levou os três filhos para consultar e afirmou que saiu satisfeita. “O doutor nos atendeu muito bem”, conta. “Eu e meu marido ficamos desempregados e, com criança pequena, não tínhamos condição de pagar aluguel. É bom saber que podemos dormir tranquilos e amanhecer com um teto”.

(De cima para baixo): Aferir pressão, consultar, examinar e escutar. Agentes populares de saúde atendem e acolhem a população com afeto, o que impacta diretamente na saúde mental. Fotos: Lucas Souza (1ª) e Leonardo Henrique (2ª)

Espaços de saúde popular auxiliam ocupações na busca de vida digna

“A parte financeira, que a pessoa possa ter a dignidade de trazer renda, alimento para casa, caminha junto com a saúde”. Com esta declaração, Laudyceia Rodrigues, do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), explica o que é uma vida digna: emprego, alimentação, teto, terra e garantias fundamentais para o ser humano.

Laudiceia também conta que a Unidade de Saúde Santos Andrade, da região da Nova Guaporé 2, está fechada, o que complica a situação. O novo espaço de saúde, dentro da própria comunidade, tenta suprir essa falta para as 112 famílias.

“Também temos o ateliê das mulheres, aqui na ocupação, e queremos criar um meio de renda financeira. A situação de precariedade faz com que a saúde fique deteriorada, não tem como ter a saúde e não ter o trabalho”, completa.

Espaço de saúde da Nova Guaporé 2 busca atender as demandas da ocupação. Foto: Lucas Souza

Naiara dos Santos trabalha como diarista e espera que haja mais mutirões na Nova Guaporé 2, onde ela mora. “É muito bom a gente não precisar se expor por causa do coronavírus. Graças a Deus tem vindo bastante ajuda, obrigada a quem veio aqui para ajudar o povo, o atendimento foi maravilhoso. É muito importante ter a casa própria”, afirma.

Em abril, foi inaugurado o espaço de saúde da Nova Esperança em um local especial: ao lado da sala de aula e da biblioteca.

Formação de agentes populares para garantir saúde de qualidade

Formação de agentes reúne diversos movimentos sociais e as comunidades, sempre defendendo o povo. Foto: Leonardo Henrique

As/os agentes realizam formações teóricas e práticas, e acompanham as necessidades de saúde das populações locais. Participam profissionais de clínica geral, saúde mental, enfermagem e estudantes das diversas áreas da saúde. 

Desde o início da pandemia, o MST tem organizado agentes de saúde em territórios rurais e urbanos. Em Curitiba, a primeira formação aconteceu na Vila Torres.

Por todo o Brasil, o MST formou mais de 2 mil agentes populares, até então, que distribuíram cerca de 30 mil máscaras de proteção para a população mais vulnerável.

*Editado por Solange Engelmann