Despejo Zero

Câmara aprova projeto que proíbe despejos até o fim de 2021; medida não valerá para áreas rurais

O PL foi aprovado por 313 votos a 131, com emenda, defendida pela bancada ruralista, que exclui os imóveis rurais da proibição. O projeto aguarda sanção presidencial
As famílias do acampamento do MST Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (MG) sofreram despejo em agosto de 2020, durante a pandemia, com a demolição de casas de 14 famílias camponesas, lavouras e a Escola Popular Eduardo Galeano. Foto: Coletivo de Comunicação MG

Por Ana Moraes
Da Página do MST

A Câmara dos/as Deputados/as concluiu no último dia 14 de julho a votação do Projeto de Lei 827/20, que proíbe o despejo ou a desocupação de imóveis até o final de 2021. O PL foi aprovado por 313 votos a 131, com emenda do Senado Federal, do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que exclui os imóveis rurais da proibição. O projeto aguarda sanção presidencial.

A emenda foi defendida pela bancada ruralista do Senado e como não poderia deixar de ser, confirmada pela bancada ruralista da Câmara. O ruralista justificou a proposta afirmando que a diminuição de renda por conta da pandemia se concentra no meio urbano. Para ele, o meio rural manteve a atividade produtiva ao longo da pandemia da Covid-19.

O Plenário da Câmara rejeitou o parecer do relator, deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), que foi contrário à emenda da bancada ruralista do Senado.

No entanto, estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), aponta que 60% da população do campo não se alimentou adequadamente em 2020. A população do campo também está sem acesso ao apoio financeiro por parte do poder público. No ano passado, o presidente Bolsonaro vetou o Projeto de Lei 735/2020, que previa auxílio emergencial e linhas de créditos para a agricultura familiar. Um novo projeto articulado novamente pelos movimentos populares do campo, juntamente com os partidos de oposição foi aprovado na Câmara em junho deste ano e aguarda apreciação do Senado.

Segundo números do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), o valor para programas de segurança alimentar e nutricional este ano será de R$ 279,6 milhões, um corte de mais de 75% em relação aos R$ 1,12 bilhão reservados no ano passado. Entre as políticas públicas atendidas por esses recursos, estão a aquisição e distribuição de alimentos da agricultura familiar e a distribuição de alimentos a populações tradicionais.

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi criado em 2003 pelo governo Lula para promover o acesso à alimentação e, ao mesmo tempo, incentivar a agricultura familiar. No ano passado, foram destinados R$ 168,2 milhões ao programa, dos quais apenas R$ 27,16 milhões foram efetivamente executados – com cortes de 35% e 71% em relação a 2019 e 2020, respectivamente. Para este ano, o governo propôs um orçamento de 101,7 milhões, com redução de 39,5% no pior momento da pandemia no país.

Campanha Despejo Zero

Manifestação pelo Despejo Zero em Belo Horizonte (MG), em setembro de 2020. Foto: Isabelle Chagas/ANF

O PL 827/20 proíbe despejos e remoções durante o período da pandemia, garantindo o direito à moradia e à prevenção contra o novo coronavírus de milhares de famílias que vivem em ocupações, além de proibir que pessoas que não estão em condições de pagar aluguel sejam despejadas de suas moradias. 

A votação aconteceu após um longo período de incidência por parte dos movimentos populares, artistas e defensoras/es de Direitos Humanos em defesa da vida das famílias, que vivem em ocupações e assentamentos enfrentando risco de despejo em plena pandemia. No atual momento estima-se que mais de 72 mil famílias no Brasil estão ameaçadas de remoção de suas casas, segundo levantamento da Campanha Despejo Zero.

Mesmo com caráter emergencial, a proposta legislativa protocolada em maio de 2020 levou mais de um ano para ser apreciada pela Câmara e Senado. Neste período mais de 12 mil famílias sofreram despejo, realidade que poderia ter sido evitada caso a matéria legislativa tivesse sido votada com urgência. Com novas variantes, agravamento das condições socioeconômicas e desassistência do Estado às populações mais vulneráveis, a aprovação do PL é uma vitória da luta popular. 

A decisão foi uma vitória da Campanha Despejo Zero, uma articulação nacional com mais de cem entidades, organizadas em 18 núcleos com grupos locais. A campanha observou que com a pandemia, muitas pessoas estavam ficando sem um lar, em um momento em que ficar em casa era uma das ações mais efetivas para não propagar a vírus.

Segundo o projeto, as medidas como ordens de despejo ou liminares proferidas antes do período de calamidade pública, decretadas ainda no ano passado não poderão ser efetivadas até 31 de dezembro de 2021. Nem mesmo as medidas preparatórias ou de negociações poderão ser realizadas. Somente após esse prazo é que o Judiciário deverá realizar audiência de mediação entre as partes, com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública, nos processos de despejo, remoção forçada e reintegração de posse.

O texto define como desocupação ou remoção forçada coletiva a retirada definitiva ou temporária de famílias de casas que elas ocupam, sem a garantia de outro local para habitação e isenta de nova ameaça de remoção. A nova habitação oferecida deve ter ainda serviços básicos de comunicação, energia elétrica, água potável, saneamento, coleta de lixo, estar em área que não seja de risco e permitir acesso a meios habituais de subsistência.

*Editado por Solange Engelmann