Centenário Paulo Freire

Experiências educativas do MST em cultura e artes atualizam pensamento de Paulo Freire

No ano do centenário do educador, o MST desenvolve um conjunto de experiências voltadas à reflexão e a (re)significação do seu legado e ensinamentos, que seguem atuais
Mural do centenário na entrada da Escola Municipal de Educação Infantil Maria Salete Ribeiro Moreno, no Assentamento Palmares, em Parauapebas/PA. Foto: Escola Municipal de Educação Infantil Maria Salete Ribeiro Moreno

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

No ano do centenário do pensador e educador popular Paulo Freire, Patrono da Educação brasileira, o intuito é relembrar a importância do seu legado para educação e as várias dimensões de vida dos trabalhadores e trabalhadoras, a exemplo da cultura, das artes e a inter-relação das mesmas com os processos educativos. Nesse contexto, o MST desenvolve um conjunto de experiências voltadas à reflexão e a (re)significação do pensamento e ensinamentos do pensador, a partir de ações e práticas educativas e formativas no âmbito da cultura e das artes.

Paulo Freire foi um educador que mantinha fortes vínculos com os movimentos de cultura popular do Brasil, na década de 1960. O educador analisou a importância da cultura como um elemento fundamental na formação do ser humano e no processo de formação da sua consciência. Ao criar os Círculos de Cultura, Freire buscava, por meio de um processo de reflexão, estimulado pelo seu método educativo, possibilitar ao educando pensar e se perceber enquanto sujeito de uma sociedade, que integra processos e contextos culturais e sociais que definem seu contexto de vida, e o oprimem, a exemplo da histórica exploração dos trabalhadores/as na cultura popular.

Por outro lado, o processo de reflexão estimulado pelo método Paulo Freire também busca a compreensão dos contextos culturais e sociais, mediante a tomada de consciência e a possibilidade de libertação a partir dos processos educativos. Para ele, a transformação social do homem só seria possível a partir do acesso a educação para todos e todas.

Assim acontece na realidade dos sujeitos da região Norte do país, inseridos no contexto das relações de vida e sobrevivência com a Amazônia, seus rios, terra, a biodiversidade e a rica floresta, na Escola Municipal de Educação Infantil Maria Salete Ribeiro Moreno e demais Escolas do Campo, do assentamento Palmares, em Parauapebas, no Pará. Como parte das atividades pedagógicas durante a pandemia estão sendo realizadas atividades com o público infantil, de quatro a cinco anos e turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da escola, nas temáticas da cultura, literatura e arte.

Sirlene Ferraz da Luz, mais conhecida como Cicí, integra o Coletivo da frente de formação cultura e educação, gênero e juventude – Frente Paulo Freire no Pará, é professora de arte e vive no assentamento Palmares. Ela explica que, de modo geral, também estão sendo realizadas atividades com literatura, no tema das sociedades literárias no estado, envolvendo as Escolas do Campo MST e diversos sujeitos, entre Sem Terrinhas, mulheres e juventude.

“Mais recentemente temos trabalhado com as sociedades literárias. Conseguimos organizar 39 sociedades literárias, com cerca de 258 sócios. Temos a sociedade dos Sem Terrinha também, que fica mais na região cabana e que a literatura tá voltada um pouco mais pro infanto-juvenil. Temos desenvolvido várias atividades em torno das sociedades, que envolvem vários sujeitos”, afirma Cicí.

A educadora da Escola do Campo, no assentamento Palmares, relata ainda que as atividades em torno do Centenário do Paulo Freire na área da cultura e artes estão sendo trabalhados a partir do caderno pedagógico, que envolve desde a formação dos professores às atividades direcionadas os/as educandas.

“O quem tem prevalecido nas nossas Escolas do Campo do MST no Pará são os cadernos pedagógicos. Temos discutido em como trabalhar dentro do currículo da escola, entre as atividades e, principalmente, por dentro da construção do caderno pedagógico. E no caso da temática de como trabalhar a vida e obra do Paulo Freire, como trazer o seu legado e adaptar sua linguagem para as crianças, que é um desafio. Nesse sentido, temos um trabalho voltado com as artes, nas escolas do estado.”

Os cadernos pedagógicos vêm sendo trabalhados nas Escolas do Campo do MST no PA, a partir de temas geradores e complementares, que contemplam elementos do Método Paulo Freire. Cicí conta, que devido à pandemia da Covid-19 os cadernos pedagógico têm sido pensados como alternativa no desenvolvimento de atividades para envolver os educandos/estudantes, ainda que à distância. Estes são encaminhados todos os meses às escolas, e em seguida, distribuídos nas escolas e rotas escolares aos educandos/as e/ou aos seus responsáveis. A entrega das atividades são orientadas e acompanhadas via grupo de aplicativo do WhatsApp e de forma física nas escolas.

Atividades de arte e literatura refletem sobre vida de Paulo Freire no Pará

Escola é
… o lugar que se faz amigos.

Não se trata só de prédios, salas, quadros,
Programas, horários, conceitos…
Escola é sobretudo, gente
Gente que trabalha, que estuda
Que alegra, se conhece, se estima.

Fazer amigos, educar-se, ser feliz.
É por aqui que podemos começar a melhorar o mundo.”

(Paulo Freire)

Algumas atividades desenvolvidas em torno da temática de comemoração do Centenário de Paulo Freire, no caderno pedagógico de junho deste ano, pela Escola Municipal de Educação Infantil Maria Salete Ribeiro Moreno, localizada no assentamento Palmares, em Parauapebas/PA, tiveram como foco a leitura de imagem: “Lendo e Colorindo o Mundo” e trabalho com desenho.

Trabalho da educanda Kiara Almeida, com o poema “Escola É”. Foto: Escola Municipal de Educação Infantil Maria Salete Ribeiro Moreno

Segundo a professora Cicí, o público envolvido foi de cerca de 200 crianças de quatro e cinco anos de turmas de educação infantil, em atividades com o cordel de Paulo Roberto Padilha, chamado “Um cordel com Paulo Freire” e com o poema de Paulo Freire, “Escola é” , em que os educandos/as foram estimuladas a produzir desenhos sobre a escola dos seus sonhos. “O objetivo foi falar sobre o centenário e a relevância do legado de Paulo Freire de uma forma lúdica com as crianças da pré-escola. A atividade trouxe presente o pensamento do Paulo Freire por meio da imaginação da escola do sonho, do cordel e das próprias imagens e caricaturas. Sobre a importância da defesa da escola pública e de qualidade. O pensamento de Paulo Freire reafirma a defesa da escola diferente, a escola da classe trabalhadora,” comenta.

Sirlene da Luz relata que, durante este ano, na escola também estão sendo trabalhados momentos de planejamento com indicação literária de Paulo Freire, com sua biografia com os professores, de forma permanente com temas geradores, confeccionamos um mural do centenário na entrada da escola”, comenta Cicí.

“Fazendo arte com Paulo Freire”

Já na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Crescendo na Prática, também localizada no assentamento Palmares II, em Parauapebas/PA, foi desenvolvida uma experiência na área da cultura, inspirada no legado de Paulo Freire, com turmas de Educação em Jovens e Adultos (EJA). A atividade de arte ocorreu a partir da sistematização do caderno pedagógico de maio deste ano, com base em fragmentos do livro “História do menino que lia o mundo”, de Carlos Rodrigues Brandão sobre a vida de Freire.

“Paulo Freire, um dos mais notáveis pensadores da pedagogia mundial, teve uma infância pobre, tendo que conviver até mesmo com o sofrimento da fome. Cresceu e se tornou educador, desenvolvendo um dos métodos mais eficazes para alfabetização, (…). Essa forma de ensinar, baseada nas chamadas “palavras geradoras”, fomenta não apenas a apreensão da leitura e da escrita, mas também a discussão da realidade social dos envolvidos”, informa o resumo do livro.

Cicí explica que a atividade teve como tema “Fazendo Arte com Paulo Freire”, em que a educadora trabalhou com a apresentação de elementos sobre a história de vida do educador e algumas imagens. E a partir disso, sugeriu aos educandos/as a realização de atividades de produção de desenho, pintura ou caricaturas, a partir das releituras da vida do pensador.

Segundo ela, a atividade foi importante por trazer presente o pensamento de Freire, bem como a importância de conhecer seu legado e sua relevância para educação, em pensar uma escola que forme para a vida.

“O objetivo foi apresentar aos alunos o legado de Paulo Freire, falando sobre o centenário e da importância dele para educação, tendo em vista que muitas histórias dos estudantes da educação de jovens e adultos, apresenta o desafio que perpassa o processo de alfabetização. Nesse sentido, instiguei dos alunos sobre suas histórias. ‘E você, já teve vontade de escrever sua própria história? Conte como foi seu processo de alfabetização, como aprendeu a ler e escrever. A sua história é parecida com a história do educador Paulo Freire? Pode escrever em forma de cordel, poesia, carta, desenho, pintura, colagens'”, ensina a educadora.

A professora de artes do Pará, conta ainda que um dos aprendizados com os educandos/as jovens e adultos do assentamento foi perceber que muitos se identificaram com a história do educador e sua concepção de educação. “O maior aprendizado foi trabalhar sobre Paulo Freire, falar sobre seu legado e saber, que muitos dos alunos se identificam com sua história de vida, que os sonhos e esperanças de Paulo Freire em construir uma educação libertadora se materializa em cada aluno, que segue construindo conhecimento, mesmo diante das adversidades”, conclui ela.

Escola de Arte do MST reflete sobre importância do protagonismo popular e legado de Paulo Freire

Nos deslocando para a região Sudeste do país, entre as atividades de preparação do centenário do educador e em diálogo com seu legado, em outubro de 2019, por meio do setor de cultura do MST em Minas Gerais foi realizada a segunda Escola de Arte da região Sudeste, chamada “Escola de Arte João das Neves”.

A segunda escola ocorreu a partir de processos anteriores, como o Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária, realizada pelo MST em Belo horizonte, Minas Gerais, em 2016, e de oficinas de artes realizadas em parceria com os artistas João das Neves e Titane, no estado, pontua Guê Oliveira, cantadora e militante do setor de cultura do MST em Minas Gerais.

Segundo ela, a relação da “Escola de Arte João das Neves” em diálogo com o legado de Paulo Freire pode ser percebida a partir da valorização e da perspectiva da cultura, que traz o povo como protagonista do processo e dos saberes culturais.

“Considerando a cultura popular na perspectiva, de que quem protagoniza a cultura popular é o povo, com todo o seu saber. Esse protagonismo do povo – considerando o povo enquanto sujeito no seu processo criativo -; isso a gente bebe dessa fonte, na escola. Então, a gente vai perceber que tem elemento na escola, que dialoga com os elementos de Paulo Freire. Já que João das Neves e Titani, partem dos elementos das lutas, dos contextos indígenas, que trabalhavam as matrizes culturais e a educação popular. Assim, pensamos a escola, como um espaço de socialização da arte, como metodologias populares”, contextualiza Guê.

Nesse sentido, a artista e militante do setor de cultura do MST em MG, explica que o objetivo da escola foi conceber a arte, enquanto uma ação de compreensão das contradições do mundo, trabalhando com elementos que dialogam com o pensamento de Freire. Pois partiu das experiências de vida do povo para compreender as matrizes culturais do Brasil. “Quando a gente criava as cenas, criava as músicas, todo o processo criativo perpassava por nossas experiências e vivências. Ou seja, a matéria-prima foi a nossa história, a nossa experiência. Então, nós partimos de um lugar. E esse lugar não é fora de nós. É dentro das nossas experiências e vivências. Valorizando, essas experiências e vivências, como um conhecimento.”

A militante do coletivo de comunicação do MST em Minas Gerais, Agatha Azevedo, que participou da primeira Escola de Arte no estado, conta como os ensinamentos de João das Neves, e das escolas que vieram em seguida, foram fundamentais para pensar, a partir das linguagens artísticas, outras formas de fazer o trabalho de base, a resistência ativa e as ações do MST, na construção da Reforma Agrária Popular no estado.

“Tive a alegria de participar e aprender com a experiência do próprio João das Neves e da Titane, na época, no nosso Centro de Formação em Minas Gerais com diversas oficinas e trocas, construindo alguns coros cênicos e intervenções, que puderam projetar outras formas de trabalho de base. E dali pra frente eu pude contribuir na escola de arte online e levo esse legado de atuação prática da cultura para todos os espaços que vivencio. A cultura acaba estando presente em todos esses espaços, pra gente pensar a vida e a luta de forma mais humana”.

Card da Escola virtual, realizada em 2020, durante a pandemia. Imagem: MST

Guê conta ainda, que a experiência da “Escola de Arte João das Neves”, se tornou uma expressão artística do trabalhadores/as Sem Terra e gerou outras atividades, como escolas nacionais de artes pelo MST, a Escola virtual de Arte João das Neves, realizada em 2020, durante a pandemia da Covid-19, o bloco de carnaval de Belo Horizonte Pisa Ligeiro. Além disso, a concepção de cultura e arte dessa escola influenciou o Curso Formação dos Formadores do MST de Minas Gerais, em pensar na importância dessas dimensões no trabalho de base em MG, com a realização de oficinas de rádio, música e muralismo, bem como na composição da música “Mar de Bandeiras”.

Bloco Pisa Ligeiro, desfilando no Carnaval de BH. Foto: Dowglas Silva

“O processo criativo da música ocorreu a partir da Escola de Arte, onde as mulheres foram criando frases – foi um processo partiu de uma vivência coletiva entre as mulheres. E a partir dessas frases eu juntei numa letra e coloquei a música”, explica Guê.

Confira a letra da música Mar de Bandeiras:

Mar de Bandeiras

Somos mulheres, somos guerreiras.
Não naufragaremos, seremos um mar de bandeiras
A beleza nos lábios das companheiras
Que o vermelho seja o das bandeiras
Rebrotar a vida, em flores
Batendo o pé no chão, sem dores
REFRÃO
Mulheres ousadas nos guiam
Plantando e tecendo rebeldia
A resistência vamos dançar
Estamos despertas pra luta
.”
(Composição: Mulheres do MST em MG. Música: Guê Oliveira)

*Editado por Fernanda Alcântara