Agrotóxicos

Costurar um tecido agroecológico mais forte para combater os agrotóxicos

Esse é o desafio reafirmado no encontro online da região Nordeste contra os agrotóxicos e pela vida.
Foto: Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela vida

Da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela vida

“Tentaram me suplantar, me arrancar pela raiz, calar de vez a minha voz, voraz, veloz e feliz… sou mandacaru no meio do meu sertão, sou doce rapadura, mas não sou mole não.” Foi com muita mística, cultura e resistência, nos acordes do violão do artista e cantador Neudo Oliveira, que a região Nordeste iniciou o encontro online da mobilização nacional contra o Pacote do Veneno (PL 6299/02), e SIM à Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA) (PL 6.670/16).

A atividade ocorreu na quarta-feira, 01, e contou com relatos da vasta experiência de lutas e resistências contra o avanço do agronegócio na região, sobretudo, na construção da agroecologia e de tecnologias sociais que permitem a continuidade da produção e reprodução da vida em um território diverso em seus biomas, que é rico em recursos minerais e naturais, porém, sofre também com a ausência de alguns desses recursos, como a água.

Mata Atlântica, Caatinga e Cerrado, não importa qual é o bioma, todos os territórios do Nordeste sofrem com os impactos do intenso uso de agrotóxicos. Em Alagoas, diversos são os relatos de agricultores/as que estão convivendo com a questão da pulverização aérea em seus territórios onde trabalham na perspectiva de transição agroecológica.

Quem apresenta o cenário é o agricultor Fabiano Leite, engenheiro agrônomo, doutor em proteção de plantas e integrante da Articulação Alagoana de Agroecologia (Rede Mutum). “É uma grande problemática você ter a contaminação das suas lavouras, dos seus sistemas agroalimentares por resíduos de pulverização aérea e até a contaminação das pessoas que estão fazendo seus cultivos, que são áreas principalmente da reforma agrária.”

Nesse sentido, uma das ações promovidas pela Rede Mutum no estado é a “Campanha sem agrotóxico, por favor”, que está em seu quarto ano e o objetivo é chamar a atenção da sociedade para o agrotóxico que chega à sua mesa. Além disso, diversos setores têm discutido a iniciativa de um Projeto de Lei popular contra a pulverização aérea em Alagoas. Estima-se construir uma ampla mobilização e articulação para que possa conseguir o maior número de adesão de assinaturas e assim garantir a inserção do PL.

No estado vizinho, Sergipe, as experiências são similares e a denúncia dos impactos desse modelo contrasta com a força da agroecologia. O agrônomo, assessor/educador popular de movimentos sociais do campo, Jorge Enrique Montalvan Rabanal, do núcleo operativo da Rede Sergipana de Agroecologia (ReSeA), comentou sobre polarização da agroecologia x agronegócio enquanto modelos para o campo brasileiro e importância de primeira como tecido social de força coletiva.

“O que queremos socializar na formação desse tecido social é ajustamos as experiências que encontramos nos territórios, dos camponeses que se sentem impactados, na preservação do saberes, isso que agente vem sistematizando, entendendo junto com a natureza como ela recebe o ser humano e como ele conecta isso com outras pessoas nas cidades, nas diversas estratégias de comercialização”, salientou.

E é esse tecido que conecta pessoas em diversas partes do Nordeste, que é gigante, mas ao mesmo tempo unificado pelas formas de vida nos territórios. É o que demonstra o morador da comunidade Laranjeiras e descendente indígena da etnia gamela, José Wylk Braunda Silva. Graduado em licenciatura em educação do campo pela UFPI-CPCE e estudante de pós-graduação no PPG-Mader na Universidade de Brasília (UNB), José Wylk, foi um dos jovens que puderam ter acesso à educação e contribuir com seu povo na luta pelo direito à terra.

Localizada no Sudoeste para o Sul do Piauí, a comunidade é área de transição para o Cerrado e sua permanência e continuidade no local encontra-se cotidianamente ameaçada.

Segundo José Wylk, nos últimos dois anos ocorreram enchentes, consequências de desmatamentos, pois o solo não consegue filtrar e vão contrair para áreas baixas, onde geralmente a comunidade realiza o cultivo do solo para seu sustento. “Atualmente esse cerrado se encontra em um área desmatada, com a utilização de agrotóxicos que impactam diretamente à comunidade, no solo, na flora, no recurso hídrico, o meio ambiente se encontra ameaçado.”

Lei Zé Maria do Tomé

No estado ao lado, o vizinho Ceará, o cenário é preocupante, mas também é de esperança. Na região da Chapada do Apodi, em meio a Caatinga, emerge o Movimento 21 (M21), uma aglutinação de diversos setores sociais e acadêmicos na luta contra os agrotóxicos que recentemente logrou a aprovação de uma lei contra a pulverização aérea no estado.

O historiador e pedagogo, Reginaldo Ferreira de Araújo, também Mestre em educação e movimento social, ativista ambiental e social do vale do Jaguaribe, relatou que “a partir do assassinato covarde do Zé Maria do Tomé, esse movimento cresceu, se organizaou e resistimos a esse demando. Hoje o Ceará é o único estado do Brasil que proíbe a pulverização aérea.”

O Deputado estadual Renato Roseno (PSOL-CE), também presente na atividade, lembrou que da Lei Zé Maria do Tomé, começou lá atrás, com o campesinato em luta ainda no período da ditadura e que se aprofundou com os movimentos camponeses, em uma aliança super importante destes com os movimentos ambientalistas, com a intelectualidade engajada, quando a universidade públicas coloca seus pesquisadores produzindo um saber muito importante e fazem articulação política disso.

“O estado do Ceará tem um lei que veda a pulverização aérea de agrotóxicos porque houve esse campesinato que produziu indivíduos com tamanha força, como é essa condensação que se dá na figura do Zé Maria do Tomé, que foi assassinado.”

Há mais de 10 anos, o agricultor Zé Maria do Tomé foi assassinado com mais de 20 tiros à queima-roupa. O crime ocorreu próximo a casa dele, na comunidade de Tomé, em Limoeiro do Norte, no Ceará. Zé Maria destacou-se na luta contra a pulverização aérea de agrotóxicos na Chapada do Apodi e fez denúncias sobre as consequências do uso de agrotóxicos, promovendo debates com foco na saúde das comunidades que vivem na chapada e enfrentando diretamente grandes empresas do agronegócio.

No dia 20 de novembro de 2009, a Câmara Municipal de Limoeiro do Norte promulgou a Lei 1.278 que proibia a pulverização aérea no município, resultado da luta das comunidades, juntamente com organizações, pesquisadores, movimentos populares e apoiadores. Um mês após o assassinato de Zé Maria, no entanto, no dia 20 de maio de 2010, a lei foi revogada.

Em 2019, a Lei 16.820, chamada de Lei Zé Maria do Tomé, foi aprovada e representou uma conquista muito importante para todas e todos que lutam e sofrem cotidianamente com os impactos da pulverização aérea de agrotóxicos em suas comunidades.

E o Legislativo?

Assim como nos demais encontros, a região contou com a participação de parlamentares estaduais que vem atuando junto aos movimentos populares para barrar os agrotóxicos, mas também ampliar a atuação da agroecologia na região.

Além do já citado, Deputado estadual Renato Roseno (PSOL-CE), a Deputada Estadual Estela Bezerra (PSB/PB), grande defensora da soberania popular e do respeito à diversidade e a justiça social como medida civilizatória, também esteve presente com um forte compromisso de levar junto aos movimentos e organizações essa bandeira de luta.

“Aqui na região Nordeste a gente tem tido muita capacidade de reação… Esses encontros que tive com os grupos que trabalham para sustentabilidade da agricultura familiar, da agroecologia, nós conseguimos ter muito convencimento de uma grande parte da população que está resistindo à área do semiárido, mas perdemos insumos e fomentos, nós não encontramos na ausência da política federal, uma política estadual que pudesse responder a isso.”

A parlamentar ressaltou ainda a importância de manutenção dos bancos de sementes e de manter o diálogo com a sociedade para se fazer a disputa ideológica no campo e cidade. Lembrou também que 2022 é um ano de disputa eleitoral e que é necessário articular para que as candidaturas assumam o compromisso com um plano nacional de erradicação dos agrotóxicos articulado com as iniciativas estaduais de legislação.

Dossiê contra o Pacote do Veneno e Pela Vida

O esforço para unir denúncias em torno do “Pacote do Veneno”, que tramita no Congresso, segue nessas mobilizações de âmbito regional. Um deles é dar visibilidade ao “Dossiê contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida”, um estudo reúne 35 autores/as e compila pesquisas e posicionamentos de dezenas de organizações brasileiras contrárias ao uso de agrotóxicos, lançado no quarto dia da Mobilização Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida (clique aqui para baixar o dossiê).

Os contrapontos científicos e técnicos a este projeto ganharam forma nas mais de 300 do livro Dossiê e é uma produção da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO); Associação Brasileira de Agroecologia (ABA); da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em parceria com a Articulação Nacional de Agroecologia e apoio do Instituto Ibirapitanga e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Conta ainda com prefácio assinado por Leonardo Melgarejo e João Pedro Stédile, e posfácio de Leonardo Boff.

A Campanha também propõe que entidades, movimentos e bancadas também protocolem esse documento nos endereços de e-mail dos deputados e deputadas.

Para ampliar a mobilização, entidades e movimentos sociais farão seminários regionais virtuais, a partir desta semana. As ações estão previstas para ocorrer sempre às 18h e transmitidas pelas redes da Campanha (clique aqui para saber mais sobre as ações nas outras regiões).

*Editado por Fernanda Alcântara