Mulheres Sem Terra

Aromas de Março

Estreia da Coluna Aromas de Março, um espaço de reflexão coletiva das mulheres Sem Terra, sobre a necessidade de seguir em luta permanente contra a exploração, dominação e opressão do capital na vida das trabalhadoras e dos trabalhadores
Ouça aqui a estreia da coluna Aromas de Março

Por Setor de Gênero
Da Página do MST

(Às mulheres que ousam sonhar projetos) 
A forma suave da mais pura rebeldia traduz os traços deste Ser mulher. 
Desmedidamente ousada, inconfundivelmente capaz. 
transpira coragem, inspira unidade
conspira coletivamente a construção de caminhos
que rompem com a acomodação cotidiana. 
Março traz consigo o aroma incomparável dos dias de confronto. 
Das lutas, do campo, da camponesa.

AROMAS DE MARÇO – Diva Lopes 

O processo de organização das mulheres, no interior do MST, traz o Aroma das lutas que antecede a própria organização, traz o aroma do protagonismo das mulheres nas lutas de resistências da América Latina, traz as lutas das donas de casa contra a carestia, das mães por escola, creche e também na buscas por suas/seus filhas/os desaparecidas/os, da disposição de estar nas guerrilhas urbanas e rurais enfrentando até as últimas consequências a ditadura que tanta dor e sofrimento impôs aos povos que resistem pelas veias aberta da América Latina.

Nos caminhos para construção da nossa organização política, os Aromas de Março raiaram no corte da cerca da propriedade privada que ao ser rompida desvelou as violências domésticas que também eram “privadas”. Nos mostrando que para enfrentarmos o latifúndio temos de enfrentar “todas as cercas que nos impedem de viver e amar.”  

O corpo resistente nos empates, na linha de frente dos despejos, no enfrentamento à polícia, também percebeu logo que a resistência se dá pela unidade, pela coletividade e que outros espaços vividos também precisavam desse caminhar juntas e daí a constituição dos grupos de mulheres, para debater a saúde, a educação, a alimentação, seguida da realização das assembleias das mulheres nos acampamentos e assentamentos, durante a realização dos encontros, congressos, caminho que levou a pauta da necessidade da participação nas instâncias de decisões políticas.

Estar nas instâncias nos trouxe o desejo de buscarmos aprender com a rebeldia de mulheres que estavam em outros tempos em outras lutas, mas que projetaram a utopia de uma realidade sem opressão e dominação. 

Assim nos encontramos com as cartas teóricas, políticas e amorosas de Rosa Luxemburgo, com a força, o amor e a determinação de Olga Benário, com a sociedade livre de Alexandra Kolontai, nos enchemos de dúvidas sobre ser feminista, mas uma certeza tivemos quando as mulheres avançam a organização avança junto, e por isso a necessidade de ampliar o diálogo, envolver o conjunto do nosso Movimento e em 2000 pautamos a construção do Setor de Gênero.

Conspiramos o setor, as linhas políticas, traçamos planos de ação, incidimos na formação, construímos lutas, março como um mês que nos inspira a rebeldia, a subverter as ordem de quem nos escraviza, março que nos traz ousadia, nos inspira a coragem e a construção de unidade, e assim, no enfrentamento direto ao capital descobrimos nosso Feminismo Camponês e Popular, um passo grande para nós mulheres Sem Terra, paridade na direção, maturidade política para afirmar “Sem Feminismo não há Socialismo!”

Os Aromas de Março dizem desse fazimento coletivo e se concretiza a partir da luta encarnada na realidade social na qual as mulheres Sem Terra estão inseridas e quando entendemos que “não seremos livres da opressão e exploração enquanto todas não forem, mesmo que as opressões sejam diferentes”. Nesse sentido, interseccionamos gênero, raça e classe na “luta pelo bom, pelo justo e pelo melhor do mundo”!

Março que não se encerra no dia 31, mas que nos anima para os desafios no enfrentamento à violência contra nossos territórios e contra nossos corpos; a violência do despejo e da misoginia, a violência do tapa e da fome; Março que está em nós, para construir processo de solidariedade, março que nos embala nas construções das articulações necessária, para combater o feminicídio, a LGBTfobia, o racismo que fere as comunidade rurais e urbanas. 

Março que nos inspira a conspirar, partilhar, resistir. Que nos remete a ampliar o alcance de nossa voz, seja pela escrita, nossos cadernos, nossas cartas, nossos contos, nossas faixas, seja pela voz em nossas canções, áudios, vídeos.

Aromas de março que nos desafia a encarar as tecnologias de frente, transformá-la em aliada para que nesse tempo de crise sanitária possamos ficar em casa mais não em silêncio. E nesse desafio construímos a Campanha “Mulheres Sem Terra: contra os vírus e as violências”.

E com a Campanha intencionalizamos nossas ações, fizemos assembleia, lives, programas de rádios, dialogamos pra dentro de nossa organização e também pra fora, reafirmamos que “não se produz alimentos saudáveis com relações doentes”, que nossos territórios de resistência, tem de ser territórios livres de violência em todas suas dimensões. Que está em nossas mãos a construção desse “mundo socialmente igual, humanamente diferente e totalmente livres”.

E nesse caminhar embaladas/os pelos Aromas de tantos Marços, que assumimos a construção da Coluna “Aromas de Março” como um espaço para seguirmos conspirando, partilhando, agindo porque acreditamos que somos “capazes de transformar radicalmente o mundo, e que nós temos de fazer isso o tempo todo”.  

Nada causa mais horror a ordem
Do que as mulheres que sonham e lutam!

*Das frases na sequência que aparece no texto: Dom Pedro Casaldaliga, Audre Lorde, Olga Benário, Rosa Luxemburgo, Angela Davis , José Marti
**Editado por Fernanda Alcântara