Centenário Paulo Freire
Pedagogia do oprimido nos Movimentos Populares
Por Kelli Mafort*
Da Página do MST
Paulo Freire é grande referência da Educação no mundo, autor de muitas obras, acadêmico exemplar e ser humano amoroso, militante da transformação social. Ele teve uma infância pobre, passou fome, enfrentou muitos desafios e se tornou um grande educador. A trajetória dele é instigante e vasta, por isso recomendo que busquem outros textos e livros para aprofundar o conhecimento sobre sua vida, e principalmente sobre os processos nos quais ele desenvolveu sua Pedagogia Libertadora, que envolvem: a situação social do país, luta pela terra, ditadura civil-militar, exílio, internacionalismo, trabalho popular, círculos de cultura, construção coletiva do conhecimento, saberes e sabores, que surgem de um grande caldeirão em movimento.
Em comemoração aos 100 anos do nascimento do educador e pensador Paulo Freire, que comemoramos neste ano, compartilho algumas ideias sobre a importância de Paulo Freire para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Somos um movimento presente em 24 estados, com cerca de 450 mil famílias assentadas e 90 mil famílias acampadas, que lutam e constroem a Reforma Agrária Popular. Existimos desde 1984 e somos sementes germinadas da histórica luta pela terra no Brasil, marcada pela resistência indígena, negra e camponesa. Temos 160 cooperativas, 2.000 associações, 120 agroindústrias, 2.000 escolas públicas, 100 cursos técnicos de ensino médio e pós-médio, graduação e pós-graduação e 58 Centros de Formação.
Durante a pandemia estamos desenvolvendo inúmeras ações de solidariedade nas periferias do país, reunindo esforços das famílias Sem Terra, e contando com a contribuição de uma grande rede de apoiadores e apoiadoras. A solidariedade para nós é uma valor fundamental para a emancipação humana e repartir os alimentos agroecólogicos da Reforma Agrária, mesmo diante do desmantelamento das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar camponesa, é viver Paulo Freire a cada dia. No último dia 11 de setembro, o MST recebeu na província de Corunha, noroeste da Espanha, o prêmio Acampa – Pola Paz e Dereito a Refuxio pelo reconhecimento internacional da defesa dos Direitos Humanos.
No MST Paulo Freire Vive! São inúmeras as homenagens ao seu legado, expressas em nomes de escolas, centros de formação, bibliotecas, casas de cultura, círculos literários, nomes de acampamentos e assentamentos, cartazes afixados em barracos de lona, quadros de artes, bonecão gigante em blocos de carnaval, em placas de bosques, hortas agroecólogicas e agroflorestais, canteiros de ervas medicinais, casas de sementes, jardins etc.
Neste ano, por conta do centenário do educador, tais homenagens que já existem há anos nas nossas áreas, se intensificaram. Organizamos a Jornada Nacional Viva Paulo Freire: um educador do povo, que reúne as ações que estamos desenvolvendo em todo país neste ano do centenário. Convido a todas e todos para visitem a página, que está muito bonita, como nosso educador merece. Lá vocês encontram muitas iniciativas em curso, como algumas que destaco abaixo.
Iniciativas do Centenário Paulo Freire
Junto a artistas populares e escultores, reproduzimos bustos de Paulo Freire que foram entregues as escolas e centros de formação, em atos solenes, com muita arte, reflexão e alegria. Um destes atos com a entrega do busto, foi realizado na região da Campanha no Rio Grande do Sul, mesmo local onde em 1990, Paulo Freire fez uma visita ao MST.
No estado do Pernambuco, está sendo desenvolvida a Jornada Pedagógica em homenagem a Paulo Freire, que envolve todas as escolas do campo, com atividades à distância devido à pandemia, mas também com visitas de casa em casa por parte dos educadores e educadoras. O destaque tem sido para os Círculos de Cultura que combinam histórias de vida e manifestações artísticas locais, com processos pedagógicos.
No Pará, a Frente Paulo Freire, com integrantes do MST dos setores de educação, gênero e coletivo de cultura, está desenvolvendo as Sociedades Literárias, espaços e atividades de literatura. No estado foram organizadas 39 sociedades literárias, com cerca de 258 sócios e destaque para algumas sociedades, que são formadas só por Sem Terrinhas. Outra ação importante tem sido os Cadernos Pedagógicos das Escolas do Campo, construídos coletivamente a partir de temas geradores identificados anteriormente, como nos mostrou Paulo Freire em sua obra. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Crescendo na Prática, localizada no assentamento Palmares II, em Parauapebas/PA, está sendo desenvolvido o Projeto Pedagógico Fazendo Arte com Paulo Freire, a partir do livro O Menino Que Lia o Mundo, de Carlos Rodrigues Brandão, que foi distribuído em grande quantidade nas nossas escolas em todo Brasil, juntamente com cartazes com a foto de Paulo Freire e suas frases marcantes.
Seguindo o exemplo internacionalista de Paulo Freire, o MST atua na solidariedade com outros povos, contribuindo nas áreas da educação, formação política, gênero e agroecologia. Uma delas é a Brigada Samora Machel na Zâmbia, onde estamos coordenando a Campanha de Alfabetização e Agroecologia Fred M’membe. A campanha, inspirada em Paulo Freire, ocorre em três províncias da Zâmbia: Lusaka, Eastern e Western e recentemente fizemos uma arrecadação de bicicletas para Zâmbia, entregando cerca de 100 unidades para educadores e educadores, facilitando o deslocamento para as comunidades.
Assim, de passo em passo, numa grande marcha coletiva, uma das formas de luta do MST, vamos construindo a pedagogia emancipadora do legado de Paulo Freire. Em 1997, fizemos uma grande marcha de dois meses, saindo de três localidades do Brasil, rumo à Brasília, para marcar um ano do massacre de Eldorado dos Carajás. Essa marcha contou com o apoio de três importantes manifestações artísticas: as fotos de Sebastião Salgado que integraram o Livro Terra, com prefácio de José Saramago e a gravação do CD Terra de Chico Buarque. Chegamos à Brasília em 17 de abril de 1997, sob forte emoção de muitas brasileiras e brasileiros que amam o seu país, e lutam contra as injustiças. Entre esses brasileiros estava Paulo Freire, um entusiasta da Marcha do MST, que agradeceu por estar vivo e ver essa marcha do povo em movimento na luta por sua libertação.
Uma das principais obras de Paulo Freire é o livro Pedagogia do Oprimido, publicado em 1968, em tempos de guerra, tempos sem sol. Esta é uma obra genial! Termino com a epígrafe que inicia essa grande obra, ou melhor, encerro minhas últimas palavras, tomando emprestado as primeiras palavras de Paulo Freire na sua obra Pedagogia do Oprimido: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas sobretudo, com eles lutam”.
*Integrante da Coordenação Nacional do MST . Texto publicado originalmente no Jornal Primeira Página.
**Editado por Solange Engelmann