Justiça

“É a impunidade que fomenta a continuidade da violência no campo”, afirma dirigente do MST

Débora Nunes, da Direção Nacional do Movimento relembra a história de Jaelson Melquíades, dirigente do MST assassinado em Atalaia, na Zona da Mata de Alagoas
Dia Estadual de Luta Contra a Violência e a Impunidade no Campo e na Cidade. Foto: Gustavo Marinho

Por Gustavo Marinho
Da Página do MST

O próximo dia 29 de novembro marca os 16 anos da morte de Jaelson Melquíades, dirigente do MST assassinado em Atalaia, na Zona da Mata de Alagoas. Desde então, a data carrega a luta por justiça e contra a impunidade, além de relembrar o legado de Jaelson e o papel da luta pela terra em uma região emblemática na organização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais Sem Terra no estado de Alagoas.

Resultado de uma emboscada planejada pelas elites da região, a morte de Jaelson mobiliza camponeses de todo o estado que, desde então, instituíram o Dia Estadual de Luta Contra a Violência e a Impunidade no Campo e na Cidade.

Em entrevista para a Página do MST, Débora Nunes, da Direção Nacional do Movimento, relembra a história de Jaelson na organização, os desdobramentos do seu assassinato e os desafios da luta pela terra, frente à atual conjuntura de ameaças e criminalização dos movimentos populares.

“Reafirmamos nosso compromisso e os objetivos da nossa organização de continuar em luta, articulando a sociedade no Brasil e no mundo para o avanço da Reforma Agrária, com a disposição de seguir lutando, ocupando terra, derrubando cercas, organizando os trabalhadores e trabalhadoras e articulando um amplo processo de resistência e luta com o conjunto da sociedade”, comentou Débora.

Confira a entrevista na íntegra:

Todos os anos o MST relembra a memória de Jaelson Melquíades cobrando justiça e denunciando a impunidade no campo. Qual o patamar está hoje o julgamento do assassinato e da investigação dos envolvidos no crime?

No próximo dia 29 relembramos os 16 anos do assassinato do militante e dirigente do MST em Alagoas Jaelson Melquíades. Lamentavelmente, nós temos ainda um crime não resolvido, um crime impune. É importante lembrar que Jaelson foi assassinado a partir da formação de um consórcio que envolvia o latifúndio e a conivência de autoridades e políticos da região da Zona da Mata de Alagoas, essas pessoas que tinham o interesse de barrar a luta pela terra e a luta pela Reforma Agrária, sobretudo no município de Atalaia.

Nesses anos temos pautado permanentemente desde o Governo Federal, a partir da Ouvidoria Agrária Nacional, mas também o Governo do Estado no sentido da resolução do caso.

O inquérito policial já apontou mandante e executor do crime, contudo até hoje nós questionamos o fato de que apenas um mandante foi identificado no processo e nosso entendimento é que existem outras pessoas envolvidas, pois o interesse para barrar a luta pela terra na região é de muitos.

Temos insistido para que esse crime não permaneça na impunidade, pois sabemos que é a impunidade que fomenta a continuidade da violência no campo.

Seguimos pautando ao longo desses anos, por isso, a data da morte de Jaelson tornou-se o Dia Estadual de Luta contra a Violência e a Impunidade no Campo e na Cidade, para que esse e tantos outros crimes não fiquem impunes.

Passados 16 anos do assassinato de Jaelson Melquíades em Atalaia, um município que ainda hoje é marcado pela disputa pela terra, quais são os principais desafios da luta pela terra na região e qual o legado de Jaelson nessa luta?

Não era somente a intenção de matar Jaelson. Havia também a decisão de tentar colocar um ponto final na luta pela terra e a luta pela Reforma Agrária na região, e Jaelson era um militante e um dirigente disciplinado, comprometido e envolvido com o processo de organização dos trabalhadores e trabalhadoras, então tirar a vida do Jaelson significava, possivelmente, no imaginário de quem mandou matá-lo, a intimidação do MST.

Débora Nunes. Foto: Luiz Fernando

Sem dúvidas o assassinato de Jaelson fez impulsionar com mais força a luta na região, pois tivemos o entendimento de que Jaelson morreu em nome de uma causa e cabe a cada um de nós seguir fazendo aquilo que ele foi impedido de fazer, que é continuar lutando para que as terras possam ser dos trabalhadores e trabalhadoras.

Jaelson costumava dizer que ‘essas terras serão nossas, iremos conquistar essas terras’. Atalaia vem de um processo de falência de duas usinas, a Ouricuri e a Brasileira, e justamente com o abandono dos trabalhadores e a negligência dos direitos, além do conjunto das questões sociais, fizeram com que Atalaia fosse um terreno propício e favorável para a organização dos trabalhadores e trabalhadoras.

Isso confronta diretamente grupos políticos da região que tinham interesse de que essas terras fossem apropriadas indevidamente, como aconteceu com várias outras áreas de usinas. Quando vem o MST, vem para questionar e defender que as terras precisam ser dos trabalhadores.

Além da morte de Jaelson, outros assassinatos marcam a história da luta pela terra em Alagoas nesse último período. Tendo esses casos no passado, como você visualiza os processos de violência no campo hoje?

Além do caso de Jaelson temos outros casos de assassinatos em Alagoas. No município de Atalaia mesmo, que inclusive já ocupou o segundo lugar do Nordeste em conflitos agrários, com o número grande de fechamentos de usinas e o grande número de ocupações, os grupos poderosos do município não se conformaram.

Só em Atalaia já tivemos assassinatos em torno da luta pela terra o Chico do Sindicato, José Elenilson e o próprio Jaelson. Na região do Agreste de Alagoas temos o caso do Luciano Alves, conhecido como Grilo e vários outras mortes com o intuito de intimidar a organização dos trabalhadores.

Essa não é somente uma marca de Alagoas, mas uma marca do Brasil. Em toda  a formação histórica do nosso país, desde os povos indígenas, dos negros e depois dos diversos movimentos e organizações, a nossa história tem relação direta com o processo da luta pela terra. Ainda nesses marcos temos a utilização da violência por parte das elites brasileiras como uma forma de garantir seu poder e evitar o avanço da luta pela terra.

É uma marca natural das elites brasileiras a utilização da violência para justificar as suas ações e defender seus interesses. Isso foi com Jaelson, em Atalaia, mas também foi com Zumbi dos Palmares, na Serra da Barriga e tantos outros.

As mudanças na conjuntura no último período apontam uma movimentação nas ações de criminalização do MST, podemos dizer que essas movimentações influenciam no processo de violência no campo? Quais são as principais ações do Movimento no combate à violência e a impunidade no campo?

Sem dúvida o momento conjuntural que nós vivemos de intensificação e aprofundamento de um conservadorismo por um governo que estimula abertamente a violência, com características neofascistas e ultraliberais, faz com que todo esse processo de criminalização e assassinatos no campo tenha se agravado ainda mais, com os Sem Terras, os povos originários, quilombolas, pequenos agricultores e camponeses de maneira geral.

As próprias declarações de legitimação da violência pelo presidente Bolsonaro demonstram isso. O que só tende a fazer que o processo de luta pela terra seja ainda mais violento e mais acirrado, não apenas com o extermínio físico de trabalhadores e trabalhadoras, mas também com o processo de criminalização dos movimentos que lutam pela terra.

Apesar de todo esse cenário, reafirmamos nosso compromisso e os objetivos da nossa organização de continuar em luta, articulando a sociedade no Brasil e no mundo para o avanço da Reforma Agrária, com a disposição de seguir lutando, ocupando terra, derrubando cercas, organizando os trabalhadores e trabalhadoras e articulando um amplo processo de resistência e luta com o conjunto da sociedade.

Numa sociedade tão desigual e com tanta terra concentrada a reforma agrária é a possibilidade mais próxima de geração de trabalho, produção de alimentos saudáveis, conquistas de direitos como moradia digna, universalização da educação de qualidades e resolução de problemas estruturais gerados pelo modelo excludente, predatório e ganancioso do agronegócio que concentra terra, destrói o meio ambiente e a biodiversidade e produz muita miséria.

*Editado por Fernanda Alcântara