Educação

ENEM 2021: Censura, pressão ideológica e desafios marcam provas de Governo Bolsonaro

Em meio a diversas denúncias de censura, estudantes voltam aos bancos para fazer prova do Enem e tentar ingressar em universidades
Crianças e educadores do Movimento dos Sem Terra (MST) em manifestação realizada em Brasília, em 2012. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

A Educação pública, de qualidade e para todas e todos faz parte de um dos pilares do MST, e hoje esta bandeira passa defesa pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Realizado no último domingo (21) e amanhã (28), o ENEM é hoje uma ferramenta que permite o acesso à universidade, e ter funcionado como porta de entrada para muitos estudantes de origem pobres conseguirem o diploma.

A possibilidade de mudança social por parte dos estudantes e o desenvolvimento de consciência crítica pela educação justifica a perseguição de Bolsonaro ao exame. O presidente já ameaçava interferir na prova desde 2018, quando afirmou que, falando que era um “absurdo” uma pergunta do exame incentivar os jovens a conhecer mais o dialeto “daquelas pessoas”, se referindo a uma questão sobre dialeto e patrimônio linguístico. “Fiquem tranquilos, não vai haver questão dessa forma o ano que vem (2019). Vamos tomar conhecimento da prova antes”, disse Bolsonaro.

E interferiu. Na sexta-feira passada, a revista Piauí publicou uma matéria sobre a interferências na prova aplicada no primeiro ano do mandato de Bolsonaro. Segundo a denúncia, foram vetadas 66 questões do exame que já estava pronto. No documento que a Piauí teve acesso, funcionários do Inep pediam a reabilitação de 38 questões e concordavam com a eliminação de 28 delas por motivos “ideológicos” daquele ano.

As perguntas censuradas envolviam Chico Buarque, quadrinhos de Mafalda e Laerte, poemas de Ferreira Gullar e Paulo Leminski, feminismo, Madonna, relações internacionais e ditadura militar, entre outros assuntos. Houve, inclusice, pedido que Bolsonaro teria feito diretamente ao Ministro da Educação para que na prova do Enem a denominação “golpe militar de 1964” fosse trocado por “revolução de 1964”. E este é apenas mais um exemplo de que é preciso sair em defesa do conhecimento, da arte, da cultura, reafirmando a importância da luta por direitos e pela verdade.

Há denúncias de que estas interferências sejam o motivo de trinta e sete servidores da autarquia responsável pelo exame terem pedido demissão a poucos dias da prova. E todos estes escândalos se refletem nos números também: pouco mais de 3 milhões de candidatos confirmaram a inscrição para as provas deste ano, o menor número desde 2005.

Enquanto se preparavam para estas provas, os estudantes tiveram que se preocupar não somente com o conteúdo e a pandemia, mas também em como o governo poderia comprometer a estrutura, a essência e o objetivo do Enem. No ano passado, a manutenção do Enem 2020 em meio à pandemia mostrava já demonstrava a intenção do Governo Federal de ampliar desigualdades no acesso às universidades públicas, como lembrou Adilson de Apiaim, do MST (confira matéria completa aqui).

A defesa do Enem não torna o exame e seus responsáveis isentos de críticas. Na sociedade pela qual lutamos, provas de admissão ao ensino superior não seriam necessárias, pois haveriam de ser acessíveis a todos e todas. Por outro lado, devemos reconhecer os esforços em diminuir o abismo entre uma elite, que formavam seus filhos e filhas nas instituições acadêmico-científicas, e os filhos e filhas da classe trabalhadora, que pouco tinha acesso à essas oportunidades.

Mas apesar de tudo, há também quem defenda que, apesar das ameaças e do veto de onze questões da prova do Ensino Médio, este ano a prova não sofreu alterações tão radicais e o tema da redação pode ser encarado como certa resistência. “É uma prova que luta a todo custo para se manter crítica e relevante quanto um dia já foi. Dá pra ver na prova o desmonte do Inep, as tentativas de interferência, mas também dá pra ver na prova a resistência dos servidores”, afirmaram alguns professores da rede pública.

Um exemplo é o tema da redação deste ano, onde os candidatos que fizeram a primeira prova do Enem 2021 tiveram que dissertar sobre a “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. De acordo com os professores, embora complexo, o tema abre também para discussões que passam pela defesa da cidadania e ao acesso ao sistema público de saúde (SUS), programas sociais e à educação. A estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é que cerca de 3 milhões de pessoas não possuam um registro civil, como certidão de nascimento

Para o Movimento, a mensagem segue sendo assegurar aos estudantes que, se eles se prepararam para o Enem, podem ter tranquilidade no domingo, sempre com o desafio de defender a educação pública, gratuita e de qualidade. A segunda e última etapa do exame nacional trará mais perguntas das provas de Ciências da Natureza e suas tecnologias, além de Matemática e suas tecnologias.