Legado

Carlos Marighella: a ousadia necessária para enfrentar o fascismo!

Marighella seguirá sempre como um símbolo da rebeldia popular e que se orienta por essa coragem revolucionária
Carlos Marighella foi filiado ao Partido Comunista do Brasil.

Por Marcelo Buzetto
Da Página do MST

Neste 05 de dezembro celebrou-se o aniversário de nascimento de um dos mais importantes dirigentes da luta proletária e popular no Brasil. Carlos Marighella, ser humano imprescindível, sensível desde sua juventude com o sofrimento a que sempre esteve submetida a classe trabalhadora brasileira. Estudante inquieto, questionador e muito criativo, qualidades de um rebelde que vai abraçar uma causa justa e profundamente necessária: a luta para libertar o Brasil da dominação estrangeira e para libertar o povo da condição de miséria imposta pelos sucessivos governos. Libertar a pátria e libertar o povo, especialmente a classe trabalhadora, mesmo que, para isso, seja necessário correr os maiores e mais perigosos riscos, ficar distante das pessoas que ama, enfrentar em diferentes ocasiões a prisão e a clandestinidade. Assim foi a intensa vida desse revolucionário, patriota e comunista brasileiro e internacionalista.

Carlos Marighella viveu intensamente as glórias e fracassos presentes na história da luta de classes em solo nacional, com participação ativa nos principais acontecimentos políticos do período de 1935 à 1969. Da participação nas lutas por liberdades democráticas e contra o fascismo organizadas pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), em 1934 e 1935, passando pela construção e fortalecimento do Partido Comunista Brasileiro (PCB) até 1967 e, finalmente, pela criação da Ação Libertadora Nacional (ALN), instrumento político de ação contra a ditadura militar-empresarial instaurada em 31 de março de 1964. Sempre se dedicou ao estudo e à organização partidária/política, assumindo diferentes tarefas no interior do PCB e da ALN. Não via a teoria como algo descolado do processo organizativo. Estudar era fundamental, mas a reflexão teórica deveria sempre cumprir sua função social e estar subordinada à uma orientação estratégica que resultaria numa determinada forma organizativa e luta social concreta. Não tinha tempo para o academicismo ou o diletantismo intelectual sem vínculo orgânico com a mobilização da classe trabalhadora.

Nunca menosprezou nenhuma forma de organização ou de luta. Quando foi possível aceitou a tarefa de se lançar ao parlamento, talvez aceitando o desafio sugerido por Lênin (“Prisão, parlamento e exílio”, 3 desafios para testar as convicções revolucionárias). Como Deputado Federal, membro da bancada comunista eleita em 1945, foi muito ativo. Seus discursos viraram uma referência. Os deputados do PCB eram Jorge Amado, Carlos Marighella, Maurício Grabois, João Amazonas, Francisco Gomes, Agostinho Dias de Oliveira, Alcêdo de Moraes Coutinho, Gregório Lourenço Bezerra, Abílio Fernandes, Claudino José da Silva, Henrique Cordeiro Oest, Gervásio Gomes de Azevedo, José Maria Crispim e Oswaldo Pacheco da Silva. O registro do PCB foi cassado em 1947 e os mandatos dos comunistas cassados em 1948, um dos efeitos da entrada do governo do General Dutra na Guerra Fria, à favor, é óbvio, dos EUA.

Em junho de 1948, como Diretor da Revista Problemas – Revista Mensal de Cultura e Política, Marighella afirma que “A luta de massa é que deverá decidir a sorte do petróleo. Nos embates da rua, nos comícios públicos, com passeatas e demonstrações das mais amplas massas, com a mais ampla organização de todos os patriotas (…) é que poderemos rechaçar a audácia dos imperialistas americanos e seus agentes nacionais empenhados na obra de traição e entrega do petróleo brasileiro” (Problemas, número 11, junho 1948). Diante do atual governo neofascista e ultraneoliberal de Jair Bolsonaro, nada mais atual do que as falas desse revolucionário brasileiro em defesa da soberania nacional e desse recurso natural estratégico que tem sido o petróleo. Bolsonaro repete o presidente Dutra, com sua traição à pátria e sua submissão ao imperialismo estadunidense. Repressão e violência contra o povo trabalhador, privilégios para os mais ricos e entrega das riquezas nacionais para o capital estrangeiro e as potências imperialistas. Por isso Marighella segue incomodando quem está no poder.

Estudioso e admirador das Revoluções

Acompanhou atentamente as disputas políticas e ideológicas no movimento comunista internacional e participou com muito entusiasmo do debate interno no PCB. Entre 1958 e 1964 a posição majoritária da direção do partido foi de seguir o caminho e as orientações propostas pela URSS, de “caminho pacífico para o socialismo”, ignorando assim as mudanças na correlação de forças na América Latina, África e Ásia, regiões onde eram deflagradas intensas lutas de libertação nacional, lutas antiimperialistas, rebeliões populares e revoluções sociais, com o aparecimento, inclusive, de guerrilhas e da constituição de exércitos populares, como na Indochina/Vietnã, Argélia, Moçambique, Angola, Colômbia e Cuba, só para citar alguns exemplos. Olhando para a ebulição de movimentos revolucionários em todo o mundo, Marighella foi estudar as revoluções chinesa e cubana. Torna-se, entre 1959 e 1964, um conhecedor desses processos e um homem de seu tempo, que foi observando o caminho das forças progressistas e de esquerda, em vários territórios do mundo, para a luta armada e para a guerra de guerrilhas, formas de luta que atuavam em conjunto com outras iniciativas, como a participação política-eleitoral, as greves, as manifestações populares, a batalha das ideias, etc.

A derrota da esquerda em 1964 e a ALN

A equivocada análise da conjuntura política nacional da ampla maioria do PCB e demais forças progressistas e de esquerda levou a classe trabalhadora a uma desmobilização e desorientação política, uma contundente derrota, seguida de uma imediata onda de repressão e perseguição contra lideranças populares após o golpe militar-empresarial de 31 de março de 1964. Marighella já alertava para essa possiblidade e se via numa situação de crescente confronto com a direção partidária. Suas posições divergiam das reflexões de figuras históricas como Luís Carlos Prestes, Secretário-Geral do PCB. Prestes já havia feito críticas à Fidel Castro e à condução da Revolução Cubana, e voltaria sua crítica para Ernesto Che Guevara e a luta guerrilheira na Bolívia. Criticando a passividade do PCB, sua falta de iniciativa diante da consolidação da ditadura de inspiração fascista, Marighella foi assumindo uma posição que levaria, inevitavelmente, à ruptura com o partido que ajudou a construir. Uma decisão muito difícil, mas absolutamente necessária naquelas circunstâncias. É o momento em que o revolucionário brasileiro participa da Primeira Conferência Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) reunida em Havana, de 31 de julho a 10 de agosto de 1967, sem autorização do PCB. Marighella é expulso do partido, e será acusado por Prestes de “fracionismo”, “aventureirismo pequeno-burguês”, e responsabilizado, pelo Secretário-Geral do partido, de ajudar a aumentar a violência da repressão com as ações da luta armada, tese ainda em voga no interior de setores da esquerda brasileira. Marighella volta de Cuba com a posição firme de que “a tarefa de todo revolucionário é fazer a revolução”, num período em que Ernesto Che Guevara dizia que era “preciso criar dois, três, inúmeros Vietnãs”, enquanto Ho Chi Minh, Giap e seu povo acumulavam vitórias na luta contra o colonialismo/imperialismo, caminho que já vinha sendo trilhado por Mao Tsé Tung e a Revolução Chinesa.

A opção da Ação Libertadora Nacional (ALN) foi uma decisão diante de um país onde as liberdades democráticas não mais existiam, onde partidos políticos, sindicatos, grêmios estudantis e DCEs estavam na ilegalidade e proibidos, portanto, foram empurrados para o conflito armado assimétrico, numa desigual correlação de forças do ponto de vista militar. Mas essa juventude que fez a opção pela luta armada estava estimulada por um contexto internacional de vitórias revolucionárias, buscando se conecta com os acontecimentos em dezenas de países do mundo, onde forças progressistas e populares pegaram em armas como último recurso para libertar o seu povo da opressão, da pobreza e do colonialismo. A incompreensão de setores hegemônico da esquerda levou a ALN e tantas outras organizações da época para uma situação de isolamento político e dificuldades em dar continuidade à sua luta. A repressão foi imperdoável e avassaladora diante da ousadia de Marighella, de colocar em risco a sua própria vida para defender ideias, valores, princípios. A ditadura começou prendendo, torturando e matando pessoas desarmadas, basta lembrar do episódio da tortura pública contra o dirigente do PCB em Pernambuco, Gregório Bezerra, arrastado pelas ruas do Recife por um jipe do exército. Preso, torturado e libertado pela ação de organizações revolucionárias que trocaram presos políticos pelo Embaixador dos EUA, capturado em setembro de 1969.

Marighella seguirá sempre como um símbolo da rebeldia popular, da rebeldia de uma juventude que pulsa no interior de diferentes organizações, e que se orienta por essa coragem revolucionária e por essa sabedoria, esse espírito que mistura a aventura com a coerência, o risco com a extrema necessidade da ação, que desperta o inconformismo e que orienta cada militante para que não peça autorização a ninguém para realizar uma ação extremamente urgente e necessária. Marighella está nas telas do cinema, está no coração da juventude. Se algum dia perguntarem: “como devemos ser, nós, de esquerda!” Sejamos como Carlos Marighella!

*Editado por Wesley Lima