Cadastro de Produtor Rural
Conquista do Cadastro de Produtor Rural beneficia campo e cidade no Paraná
Por Leonardo Henrique
Da Página do MST
“A gente que acredita na luta, está se sentindo muito orgulhoso. O futuro é que cada um tenha seu lar, uma casa para morar, produzindo comida boa para o povo, para venda e doação”. É com essas palavras que Roque Ferreira de Paiva, acampado há 5 anos no Maria Rosa do Contestado, em Castro (PR), define o impacto da conquista do Cadastro de Produtor Rural (CAD-PRO) pelas famílias acampadas do MST.
Roque é um dos muitos camponeses da Reforma Agrária que receberam a chamada “carteira de trabalho” do produtor, como é conhecido o documento. A emissão de nota fiscal para registrar transações, aposentadoria, auxílio-maternidade e acidentes causados no trabalho rural são alguns dos benefícios do CAD-PRO, além de colaborar com o orçamento do Estado por meio de impostos.
Reivindicação antiga das famílias camponesas acampadas, o Cadastro passou a ser concedido pelas prefeituras após a publicação de uma Nota Técnica do Ministério Público, emitida no início de 2021. A partir dela, foram incluídas no CAD-PRO famílias acampadas, que vivem em pré-assentamentos, posseiros e filhos de assentados.
Maurício Kalache, procurador de justiça do Ministério Público do Paraná e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Patrimônio Público e à Ordem Tributária, é um dos autores da Nota. Ele explica que está na Constituição Federal a previsão da regularidade fiscal para trabalhadores rurais na produção de alimentos e produtos orgânicos, sejam ou não proprietários de terras.
“É sobre cidadania fiscal que estamos tratando. […] Temos escola, postos de saúde, estradas, serviços públicos, porque alguém paga por isso e quem paga por isso é o contribuinte, aquele que recolhe seus tributos”, detalha Maurício Kalache, que visitou diversos acampamentos da Reforma Agrária durante as entregas de CAD-PRO neste ano.
“Os acampados, assentados, quando buscam o cadastro junto ao cadastro de contribuinte de ICMS, eles estão se oferecendo para o Estado, para recolher tributos e como é possível uma resistência por tantos anos. Quem dos homens ricos batem à porta do Estado para dizer ‘eu quero pagar tributos?’ E os trabalhadores e trabalhadoras fizeram esse gesto e não tiveram a porta aberta até recentemente”.
CAD-PRO é o reconhecimento do trabalho na terra
Jocelda Ivone de Oliveira é acampada no Maila Sabrina, em Ortigueira (PR), desde 2005 e conseguiu o CAD-PRO quatro anos depois de tentativas. “Hoje a família consegue vender o que produz, gerou uma autoestima na família, criou uma alegria coletiva”, diz.
As 370 famílias produzem arroz, feijão, mandioca e batata, além de variedades de legumes, verduras e hortaliças, visando o autossustento e o comércio.
Tendo a conquista do CAD-PRO acontecido pouco tempo atrás ou há 5 anos, como no caso de Roque de Paiva, o documento possibilita uma segurança para camponesas/es continuarem a produzir alimentos saudáveis na luta pela democratização da terra. O agricultor conta que cultiva cebola, alho, batata doce, arroz, mandioca e abóbora, e muitos outros produtos agroecológicos. Em março de 2020, o acampamento Maria Rosa do Contestado recebeu o certificado de 100% de produção agroecológica.
Além de vender, Roque fornece itens para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e para as ações de solidariedade popular do MST a quem enfrenta a fome durante a pandemia. Desde o primeiro semestre de 2020, são mais de 800 toneladas de alimentos partilhadas somente no Paraná.
Também no Maria Rosa, vive Elzerina Pereira Sebastião, há 5 anos. Em 2021 ela conquistou o CAD-PRO, junto com cerca de 80% das famílias da comunidade.
“Espero que melhore, para a gente conseguir vender e ter mais garantia para vivermos melhor. Poder comprar uma vaquinha, melhorar a vida”, declara.
O coletivo de Mulheres do Maria Rosa, do qual Elzerina participa, atuou intensivamente na construção da cozinha comunitária do local. Inaugurada recentemente, a agroindústria também vai ampliar a geração de renda com a comercialização de pães, bolos, macarrão caseiro, entre outros.
“Eu me sinto gratificada por estar trabalhando lá junto com as companheiras”, completa.
Cadastro de Produtor Rural beneficia campo e cidade
Um dos principais pontos do CAD-PRO é a emissão de notas fiscais de comercializações, que voltam aos municípios em forma de impostos. A relação campo e cidade é fortalecida e traz uma “identidade de produtor”, segundo Junior Tavian, prefeito de Centenário do Sul, que entregou os cadastros a 133 famílias do Acampamento Fidel Castro, localizado no município.
“A prefeitura municipal realizou um trabalho muito forte para atendermos essa demanda no município. Hoje, a grande maioria das famílias que vivem no acampamento possuem seu CAD-PRO. Essas famílias podem produzir e negociar sua produção, gerando renda para suas famílias e fomentando a economia local de nossa cidade. Irão produzir e negociar formalmente, podendo até emitir a nota fiscal. Além disso, o produtor estará segurado com seus direitos. Tendo o CAD-PRO, ele terá o direito de seguro social. […] Os camponeses que aqui habitam e trabalham na economia, agricultura familiar, ajudam o município produzindo alimentos, renda e fomentando a economia local”, comenta.
Para Diego Moreira, da direção estadual do MST no Norte do Paraná, o CAD-PRO é fundamental aos agricultores da Reforma Agrária. “Garante arrecadar para seu município, ter título de eleitor do seu município, pois também é um comprovante de residência. Espero que se estenda por todo o Brasil”.
Há 12 anos trabalhando na terra, as famílias da comunidade esperam produzir mais e melhor e evidenciar o papel da Reforma Agrária na luta por terra, para plantar comida para quem tem fome. As frutas, hortaliças e vegetais também vão servir à classe trabalhadora urbana.
Ana Claudia Ferreira tem 31 anos e vive no acampamento com o esposo e os pais. Ela falou sobre as esperanças com o Cadastro. “Vamos melhorar nossas condições de vida, com mais espaço para a comercialização, seja em feiras, mercados institucionais e no mercado privado. Esperamos que o CAD-PRO também ajude a consolidar a conquista do nosso assentamento. Somos muito felizes aqui”, relata.
Junior Tavian complementa a importância do MST na solidariedade popular. “A fome é muito triste, a gente percebe isso no dia a dia. O movimento vem no momento mais crítico da pandemia e tenho certeza que vai permanecer. É da cultura do movimento produzir alimentos para os seus e os próximos, para que tenhamos uma comunidade mais justa”.
Ministério Público orientou emissão de CAD-PRO
Também no Norte do Paraná, em Quinta do Sol, foi inaugurado o Centro de Produção Agroecológico Pinheiro Machado, no acampamento Valdair Roque. O espaço fica onde, em 2 de junho de 2020, homens armados destruíram lavouras para pressionar por despejo.
Leonardo Romero, prefeito do município, esteve no evento que também foi marcado pela inauguração da Capela Santa Catarina, construída com financiamento e mutirão coletivo da própria comunidade.
“Vejo a luta de vocês com bons olhos. A produção de alimentos tem ajudado muito a gente da cidade. Hoje vocês são 70 famílias. Somos uma cidade pequena, faz toda diferença. A gente lutou, conseguiu passar o CAD-PRO para vocês. É a produção de vocês tornando renda para que consiga comprar um remédio, uma roupa. Então toda produção aqui está sendo comercializada com a nossa cooperativa, com as vendas na cidade. […] São famílias, crianças, mulheres que hoje estão com a esperança de ter seu lote e trabalhar com dignidade”, afirma.
A segurança e a garantia de vender a produção saudável e respeitando a natureza são ganhos coletivos. Ajudam o pequeno agricultor a continuar plantando na terra, a população da cidade, que vai se alimentar bem e os municípios. Um dos muitos trabalhadores da roça felizes com o CAD-PRO é José Rubens do Rosário, 48 anos, que vive com a família no Acampamento Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu, desde outubro de 2015.
“A importância do bloco [de produtor] é que você consegue vender seu produto, contribuímos com o município e estamos garantindo nossa aposentadoria. Mudou muito depois que conseguimos a conquista”, diz, enquanto segurava o bloco de notas.
*Editado por Maria Silva