Reforma Agrária Popular

Comunidade do MST inaugura Centro de Produção Agroecológica e capela, em Quinta do Sol (PR)

“O Movimento Sem Terra oferece uma possibilidade de solucionar a fome", disse o Bispo Dom Bruno Elizeu, da Diocese de Campo Mourão, durante a cerimônia de inauguração.
Foto: Valmir Fernandes / MST-PR

Por Leonardo Henrique e Ednubia Ghisi.
Da Página do MST

Uma faixa na PR-082, bem na entrada de Quinta do Sol, norte do Paraná, anunciava a celebração do dia. “Bem-vindas/os à festa da Reforma Agrária” dizia o letreiro, com uma bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tremulando acima dele. Na última sexta-feira (22), o acampamento Valdair Roque inaugurou o Centro de Produção Agroecológica Pinheiro Machado e a capela Santa Catarina de Alexandria e convidou toda a comunidade local para participar.

Música, emoção e memória iniciaram a comemoração. Uma família trouxe o simbolismo de montar o barraco de lona, fixar a bandeira do MST e preparar o terreno para plantar alimento saudável. A mística aconteceu no novo Centro de Produção Agroecológica Pinheiro Machado, construído em um local que, em 02 de junho de 2020, homens armados destruíram lavouras como forma de pressionar pelo despejo.

“Aqui é um símbolo de resistência contra as milícias, esse modelo de agricultura que expulsou nosso homem do campo e que nessa nossa luta de retomar a terra, a gente continue enfrentando e libertando essa terra toda das garras do latifúndio. Que isso aqui seja um espaço onde brote leite e mel para saciar a fome do nosso povo”, garantiu Martina Utemberg, direção estadual do MST, durante o ato de inauguração do Centro. 

O nome é uma homenagem ao Professor Luiz Carlos Pinheiro Machado, que faleceu no mesmo dia em que a lavoura havia sido destruída. Pinheirão, como era chamado, foi grande propagador da agroecologia, defensor das ideias socialistas e crítico do modelo de produção agrícola capitalista.

Dom Bruno Elizeu, Bispo da Diocese de Campo Mourão, esteve pela 3ª vez na comunidade e abençoou o Centro. Ele enfatizou o papel da Reforma Agrária para a superação da fome no Brasil. “O Movimento Sem Terra oferece uma possibilidade de solucionar a fome. Se as pessoas Sem Terra que querem, que têm vocação para trabalhar a Terra, tivessem um pedacinho para poder trabalhar, com certeza teria alimento em abundância nas cidades”, afirmou.

Junto com Martina, Dom Bruno retirou a faixa que cobria o mural do Centro. O religioso destacou a organização e a forma ordeira como as famílias camponesas testemunham a fé e garantem a produção de alimentos. “Quero parabenizar a iniciativa pela forma ordeira, pelo testemunho que dão, pela forma como é organizado. É um povo de fé, temente a Deus, que tem como único objetivo criar sua família aqui na terra, porque tem vocação para trabalhar na terra, e produzir alimento para sua família e o excedente partilhar com os demais”, completou Dom Bruno.

A festa continuou com a inauguração da capela Santa Catarina de Alexandria, erguida com recursos e mutirões de trabalho da própria comunidade durante meses. Dom Bruno, que também cortou a fita inaugural do espaço, celebrou a missa inaugural ao lado do padre José Carlos Krause, da paróquia do município, e do padre Dirceu Luiz Fumagalli, ambos da Comissão Pastoral da Terra.

Padre Dirceu homenageou companheiras e companheiros falecidos que lutaram pelo direito de plantar alimento saudável. Keno, Dorothy Stang e Chico Mendes foram alguns dos nomes citados.

“Tantas e tantos que também foram vítimas desse processo da luta pela vida em defesa pelos territórios. Pedimos, Pai Querido, que os acolha no céu. Que a gente não desanime, que renovamos em nós a esperança do verbo esperançar, dias melhores, e que possamos somar na luta do dia a dia na construção de um mundo mais junto e fraterno”, afirmou.

Durante a celebração, Dom Bruno mostrou uma semente de milho que pegou em uma peneira na mística. “Se eu deixá-la guardada, ela não germina. Vocês ganharam essa semente para lançá-la na terra. Uma vez lançada, tem esperança que vai produzir muitas outras sementes. A fé é semelhante. Se a gente fica sozinho, nada acontece. Mas quando unidos e lançados no campo, então se produz muitos frutos”. Depois da missa, os presentes saíram da capela em procissão cantando “O Povo de Deus”.

Reconhecimento 

Dom Bruno Elizeu participou do plantio de árvores nos espaços comunitários. Foto: Valmir Fernandes / MST-PR

A comunidade Valdair Roque é formada por 70 famílias, e fica na antiga Fazenda Santa Catarina, de propriedade da Usina Sabarálcool, que acumula enorme passivo jurídico, com 964 ações trabalhistas somente na Comarca de Campo Mourão.

O descumprimento da função social das relações de trabalho levou o Incra a manifestar interesse na área para destinação à Reforma Agrária, conforme prevê a Constituição Federal. Desde 2018, existe uma recomendação do Ministério Público Federal para que o Incra intervenha junto a este conjunto de ações e execuções trabalhistas para adquirir e destinar a área a famílias acampadas. 

Quinta do Sol está entre os pequenos municípios do Paraná, com cerca de 5 mil habitantes. Duas áreas rurais já foram destinadas para assentamentos da Reforma Agrária: Roncador, com 65 famílias, e Marajó, com 58, que faz divisa com Peabirú. 

Leonardo Romero, prefeito da cidade, esteve no evento desta sexta-feira no Valdair Roque, e afirmou ver a luta das famílias “com bons olhos”. “Em nossa cidade, já temos dois assentamentos e vimos que tem dado certo. É segurar a população no campo, gerar alimento para a população”, disse, garantindo que a prefeitura apoia a efetivação de um assentamento na área.

Camponesas/es no acampamento Valdair Roque. Bispo Dom Bruno comparou a semente de milho à fé. “Sozinha, ela não germina. Mas unidos, produz muitos frutos”. Foto: Valmir Fernandes / MST-PR 

A prefeitura está seguindo a orientação do Ministério Público para a emissão do Cadastro de Produtores Rurais para as famílias acampadas. A iniciativa atende uma demanda antiga das famílias Sem Terra. “Hoje vocês são 70 famílias. Nós somos uma cidade pequena, faz toda diferença. Torço muito para que dê certo, que se torne realidade, que aumente as famílias. A gente lutou, conseguiu passar o CAD-PRO para vocês. É a produção de vocês tornando renda para que consiga comprar um remédio, uma roupa, então toda produção aqui está sendo comercializada com a nossa cooperativa, com as vendas na cidade”.

Também participaram da cerimônia Maurício Kalache, procurador de justiça do Ministério Público, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Patrimônio Público e à Ordem Tributária, que comentou sobre a emissão do CAD-PRO. “Os acampados, assentados, quando buscam o cadastro junto ao cadastro de contribuinte de ICMS, eles estão se oferecendo para o estado para recolher tributos e como é possível uma resistência por tantos anos. Quem dos homens ricos batem à porta do estado para dizer “eu quero pagar tributos?” E os trabalhadores e trabalhadoras fizeram esse gesto e não tiveram a porta aberta até recentemente”, apontou.

Partilha dos frutos da Reforma Agrária

Veranice Marcondes Santos tem 53 anos e vive com a família na comunidade há 4. Do lado de fora de casa, com boné do MST, ela contou como trabalha na terra. “Planto batata doce, arroz, feijão, mandioca, quiabo, amendoim, todo tipo de alimento, tudo sem agrotóxico”, disse a camponesa. Desde maio de 2020, a comunidade se organiza para cultivar a Horta Antonio Tavares, voltada à produção para o auto-sustento e para doações. “É um sentimento bom partilhar […] tem muitas pessoas na cidade passando necessidade, então se a gente tem um pouco a mais não custa doar”. Após a entrevista, Veranice alimentou os porcos e galinhas que cria.

Veranice segura pé de mandioca em frente à casa dela. Alimentos são para consumo próprio e também doação. A camponesa mantém criações e uma horta medicinal no terreno. Foto: Leonardo Henrique

Cerca de 5 toneladas de alimentos já foram partilhados pela comunidade desde o início da pandemia. A ação faz parte da campanha nacional do MST em solidariedade a quem enfrenta a fome neste período de pandemia e de crise econômica. No Paraná, mais de 790 toneladas de alimentos já foram doados por famílias do MST desde abril de 2020. 

O prefeito da cidade, Leonardo Romero (PSD), reconhece o papel do acampamento no enfrentamento à fome. “A produção de alimentos tem ajudado muito a gente da cidade. Com essa pandemia, temos sofrido muito com a falta de alimentos, pessoas carentes, sem emprego […]. Muitos alimentos daqui foram para a cidade, de doação. São famílias, crianças, mulheres que hoje estão com a esperança de ter seu lote e trabalhar com dignidade”, garantiu.

Foto: Valmir Fernandes / MST-PR 

A comunidade também participa do Plano Nacional do MST “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis” do MST. Somente no Dia da Árvore, 19 de setembro, 3.500 mudas de nativas e frutíferas foram plantadas. “A gente tem que reflorestar porque tem muito lugar que tá secando a nascente, ensinar as crianças a preservar a nascente”, reforça Veranice.

O cuidado com as árvores foi lembrado no Centro de Produção Agroecológica Pinheiro Machado. Um mural ilustra o plantio de árvores por camponesas/es da Reforma Agrária.

Mural no Centro de Produção Agroecológica Pinheiro Machado. Foto: Leonardo Henrique

No evento de sexta-feira, também participaram prefeitos de outras cidades da região, representantes de sindicatos e entidades e dos deputados estaduais José Lemos (PT) e Arilson Chiorato (PT). A celebração foi encerrada com almoço comunitário.

*Editado por Fernanda Alcântara