Aromas de Março

Semear resistência para colher transformações

Primeira coluna Aromas de Março do ano destaca desafios e projeções para 2022
Simone, mulher Sem Terra no acampamento Herdeiros RBI. Foto: Wellington Lenon

Por Atiliana Vicente Brunetto*, Lucineia Miranda de Freitas* e Rosa Negra**
Da Página do MST

Ainda que o gesto me doa, 
Não encolho a mão, avanço
Levando um ramo de sol.
Mesmo enrolada de pó, 
A vida que vai comigo é FOGO
Está sempre acesa
(Tiago de Mello)

Os caminhos que trilhamos no ano de 2021 perpassaram por uma conjuntura de incertezas, em função do agravamento da crise estrutural do modo de produção capitalista, que se expressou no aumento do desemprego, da fome, da falta de controle da disseminação da Covid-19, que acarretou mais de 600 mil mortes evitáveis, no aumento dos conflitos por terra e território no campo e na cidade, e no aumento da violência contra os sujeitos mais vulnerabilizados de nossa sociedade, mulheres, negros/as, crianças, idosos/as, LGBTs e outros que seguem à margem. 

Essa conjuntura implica numa série de desafios para o ano de 2022, que coloca a necessidade de coletivamente definirmos o caminho a seguir. Continuarmos com o aprofundamento do projeto ultra-neoliberal, que tem expropriado os povos do campo, das águas e das florestas e negado à classe trabalhadoras os direitos mais básicos como alimentação e saúde, ou rompermos com esse rumo e avançamos no sentido de construirmos relações sociais e políticas que superem esse processo possibilitando a construção de vida digna para população, e isso passa por construção de políticas públicas de socialização da riqueza social, e da garantia dos direitos.

Nesse sentido, reafirmamos a atualidade da canção que afirma que “não adianta inventar novos caminhos”. Assim se faz necessário refletir sobre as análises e as ações de lutas e resistência que realizamos neste último período de 2020 e 2021 e e desta forma organizar nosso caminhar de enfrentamento em 2022, na certeza de que “lutar se faz necessário para espantar os abutres do nosso tempo, porque se eternos são os sonhos, eterna também é nossa vontade de vencer”.

É a vontade de vencer que nos faz reafirmar a necessidade de continuar nos cuidando e cuidando da nossa paixão expressa na luta por Terra, Reforma Agrária Popular e Transformação Social, mantendo toda a atenção aos riscos que a COVID 19 ainda representa para a classe trabalhadora e sem esquecer que nossa rebeldia passa pela certeza de que primeiramente precisamos permanecer vivas e vivos.

A nossa rebeldia está conectada com essa perspectiva que temos da defesa incondicional da vida e por isso enquanto mulheres camponesas nos colocamos na construção da agroecologia para ressignificar nossas pegadas no planeta, cuidar da terra nossa casa comum, desenvolver uma agricultura que respeite os metabolismos ambientais e que garanta soberania alimentar e o direito à alimentação saudável para o campo e a cidade, mas também uma agricultura que ao nos conectar aos ciclos da vida também leve a reestruturação de nossas relações humanas e sociais desde os espaços domésticos aos políticos e organizativos, rompendo com as relações baseadas na violência característica do capital.

Nos colocamos na defesa dos bens comuns da natureza, e para isso é importante demarcar a defesa dos territórios indígenas quilombolas e da população do campo, das águas e das florestas, mas também a necessidade da defesa dos bens comuns construídos pelos seres humanos como direitos de todos/as a ter acesso às tecnologias, a educação, a ciência.

Mas para darmos passos efetivos nessa construção devemos construir lutas massivas, que envolva o conjunto da classe trabalhadora marginalizada, temos que derrotar o bolsonarismo, que se expressa na figura de Bolsonaro, mas que transcende o indivíduo pois expressa ideias que se conectam em violências estruturante da sociedade brasileira. Ou seja, para vencer o bolsonarismo temos de enfrentar a misoginia, a homofobia, o racismo que a tantas pessoas tem vitimadas.

Assim, temos como um passo importante construir o processo eleitoral como uma tática fundamental, mas que sozinha não dá conta das mudanças que precisamos. Então devemos projetar para além da eleição em si e aprofundar a construção de um projeto popular para o Brasil, para isso há necessidade de grandes lutas de massa que expresse os processos de resistência que estão acontecendo em cada canto do país. Essa resistência se dá nas ações cotidianas e que parece fogo de monturo que queima devagar, por dentro mas que a qualquer momento pode incendiar. É preciso que a gente aprenda a perceber os sinais de fumaças porque esses são os anseios do povo e é preciso torná-los bandeiras de luta e da construção desse projeto popular para o Brasil.

Reafirmamos a necessidade de perceber que a luta por uma sociedade justa e igualitária passa necessariamente pela convicção de que não existe hierarquia de opressões e que sem a participação efetiva dos sujeitos que compõem a classe trabalhadora não é possível avançarmos na nossa estratégia da Reforma Agrária Popular e, consequentemente, no desafio de transformar radicalmente a sociedade, no sentido de romper com todas as cercas que nos impede de amar e viver.

As canções de um novo tempo

As canções de um novo tempo

dizem dessa necessidade de construirmos novas formas de vivenciar o amor

dos sonhos que vamos construindo depois da dor

um dia falamos de tanta coisa boa e no outro entendemos que nada disso é à toa

as canções de um novo tempo

algumas são as mesmas que nossas ancestrais entoaram a um tempo atrás

suas melodias continuam bonitas de mais

e dizem do quanto nosso povo é capaz de enfrentar tanta dificuldade

as canções de um novo tempo

nos dizem que é preciso continuar a construir ações de solidariedade

é verdade que às vezes sentimos saudade de tanta gente boa que se foi

as canções de um novo tempo

falam do agora e do depois

e têm sido embaladas em meio a tanto luto e tanta luta

nos dizem dessa coragem absurda

de buscar um mundo justo e sem violência

as canções de um novo tempo dizem dessa nossa resistência

 (Rosa Negra)

Sem Feminismo, não há socialismo!

*Atiliana Vicente Brunetto e Lucineia Miranda de Freitas são do Setor de Gênero do MST

** Maria Rosineide Pereira (Rosa Negra) é do Setor de Formação do MST