Artigo

O ano da esperança de mudanças

Protesto contra a fome e violência contra as mulheres no Paraná, em 2021. Foto: Juliana Barbosa/ MST no PR

Por João Pedro Stedile
Da Folha de S. Paulo

Não conseguimos mudar o governo, apesar dos crimes cometidos e de mais de 130 pedidos de impeachment, mas recuperamos no ano passado as ruas com mobilizações expressivas em mais de 500 cidades do país. A partir desse processo, começamos 2022 com a unidade das forças populares em torno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e recolocando-o como porta-voz das necessidades urgentes de mudanças na política e na economia nacional.

O ano que passou foi duro para o povo brasileiro, cujo maior símbolo foi a perda de milhares de vidas pelo negacionismo e incompetência do governo federal. Outros milhões foram jogados na sarjeta, sem trabalho e renda, com a volta da fome, da inflação dos alimentos, dos combustíveis e dos aluguéis. As necessidades da maioria são imensas e, certamente, teremos um período marcado por lutas em defesa de soluções urgentes para esses problemas, que não podem esperar as eleições.

O economista João Pedro Stedile, fundador e integrante da direção nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
O economista João Pedro Stedile, militante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Foto Rafael Stedile

Nunca se viu tantos crimes ambientais praticados pelo capital em todos os biomas. A mineração e o agronegócio, além do uso intensivo de agrotóxicos, afetam a vida das pessoas, com mudanças climáticas, contaminação do ar, água, solo e dos produtos agrícolas.

No campo, as políticas públicas para produção de alimentos, como a distribuição de terras, o programa de compra antecipada de alimentos e da merenda escolar —além de assistência técnica, habitação rural e programas de educação para assentados— foram paralisados. Na fronteira agrícola, multiplicaram-se ações de violência, de invasões a assassinatos contra povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas.

Não bastasse isso, o governo e sua trupe neofascista tentaram impor derrotas ao MST efetuando despejos em áreas simbólicas, como o Centro Paulo Freire, em Caruaru (PE), o assentamento de Campo do Meio, em Minas Gerais, e o uso ilegal da Força Nacional em assentamentos do sul da Bahia. Nas três ocasiões, recebemos solidariedade e impedimos os despejos. Conseguimos derrotar a insanidade da repressão.

Mesmo em uma situação adversa, entregamos milhares de toneladas de comida de forma solidária a famílias necessitadas pelo Brasil sob o lema “plantar alimentos para cultivar solidariedade”. Enquanto o capitão insano passeava de jet ski no final do ano, levamos diversos caminhões de comida para o sul da Bahia, como fizemos nos últimos dois anos em que nos dedicamos a aumentar a produção de alimentos e fortalecer as cooperativas da reforma agrária.

Dessa forma, contribuímos para o processo de pedagogia de massas para conscientizar e preparar o povo para se mobilizar em torno de um novo governo. Somente a unidade em torno de um novo projeto nacional viabilizará a reorganização da sociedade para enfrentar a perversidade da maior crise capitalista que já vivemos.

Ônibus incendiados no assentamento do MST em Prado, na Bahia
Ônibus incendiados no assentamento do MST em Prado, na Bahia. Foto: Acervo MST

Construir um projeto não é apenas um exercício de redação de ideias. É, sobretudo, debater com a população, a partir dos setores organizados, a gravidade da crise, as suas causas, as medidas emergenciais e as mudanças estruturais. Para resolver os problemas do povo brasileiro, não basta eleger Lula. É necessário que a população construa, participe e lute por um novo projeto de país.

Por isso, existe uma ampla unidade entre as forças populares para combinar uma campanha de massas com o debate em torno de propostas de um novo projeto popular para o Brasil, por meio da organização de comitês populares em todos os espaços possíveis.

Assim, espero que 2022 seja um ano de conscientização e participação popular, como sonhava Paulo Freire, para discutir um projeto de país como sempre defendeu Celso Furtado, e assim superarmos a pobreza e a fome, como lutou Josué de Castro e tantos outros que nos antecederam.