3 anos de Brumadinho

Crime da Vale em Brumadinho: três anos de luta por reparação integral e justiça

Em Minas Gerais, três áreas do MST foram atingidas pelo crime a Vale que destruiu a Bacia do Paraopeba e o Movimento é uma das várias organizações que constroem um projeto popular de reparação
Fotos por Agatha Azevedo

Por Agatha Azevedo

Da Página do MST

“Não foi a lama não, foi o homem que fez a lama, que jogou Mariana e Brumadinho no chão. Tingiu de marrom as águas do meu Rio Doce, coloriu de terra meu Paraopeba, vai tingir meu Velho Chico.”

No dia 25 de janeiro de 2022, o crime da Vale em Brumadinho completa três anos. Entre trabalhadores da Vale que almoçavam próximo ao Córrego do Feijão e moradores da região, 272 morreram no rompimento da barragem. Mais de mil famílias sem terra foram atingidas diretamente pelo crime na região, e a produção dos Acampamentos Pátria Livre e Zequinha Nunes, localizados em São Joaquim de Bicas, bem como do Assentamento Dois de Julho, em Betim, ainda sofre as consequências de um dos maiores crimes sociais e ambientais do Brasil.

Ao longo destes três anos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra travou batalhas para o reconhecimento de suas famílias como atingidas, por estas se encontrarem a menos de 1km do rio, lutou pelo auxílio emergencial e fez coro às vozes das famílias que perderam pessoas na tragédia. Nesse marco histórico de três anos de poucas respostas, o MST convida a todos e todas a relembrarem as principais ações contra o modelo de mineração do último período em Minas Gerais; a conhecerem um pouco da produção e da vida nos territórios atingidos; e a entenderem porque a luta dos atingidos da Bacia do Paraopeba por justiça continua através da construção de um programa popular de reparação.

Lutas por reconhecimento e reparação ambiental

O Movimento se organiza para enfrentar os crimes da mineração em Minas Gerais desde os assentamentos e acampamentos do MST no Vale do Rio Doce foram atingidos. Ao longo da Bacia do Paraopeba, a luta foi marcada por ocupações de trilhos e pela jornada de luta das mulheres sem terra. “Vivenciamos, no dia a dia, a morte do Rio Paraopeba e nos mananciais e as famílias que conseguem produzir tem dificuldade de comercializar, pela dificuldade com a água contaminada e com o estigma. Nós seguimos lutando pra que a Vale seja punida e que haja uma reparação integral para todos os atingidos”, explica Fábio Nunes, do Setor de Produção do MST.

Além de organizar as famílias atingidas nos territórios dos Acampamentos Pátria Livre e Zequinha Nunes e do Assentamento Dois de Julho, o MST também contribuiu para que a luta dos atingidos de todo o território se intensificasse. “Desde o crime, as famílias sem terra se organizam para serem reconhecidas como atingidas, e mais do que isso, para cobrar que a Vale pague por seus crimes, pois a gente sabe que nem toda indenização traz de volta a vida do Rio Paraopeba e dos nossos mortos”, afirma Josimar Aquino, da Direção Estadual do MST.

Vida e produção nos territórios atingidos

 
Ana Cláudia Silva, do Setor de Produção do MST e do Acampamento Zequinha Nunes, viveu o luto de tantas famílias que perderam parentes por conta da Vale: “O nome do meu primo era Cláudio José, ele era engenheiro da Vale há pouco tempo, entrou como Jovem Aprendiz, foi crescendo, fez faculdade e foi transferido para Brumadinho há cerca de um ano e meio. Foi tudo muito rápido, não sabemos se ele estava no refeitório ou na sala de reuniões, ainda não tivemos tempo de entender o que aconteceu”, Claudio é um dos 259 desaparecidos, ele deixou um filho de cinco anos. 

Mulheres ocupam trilhos da Vale em Sarzedo

           

Moradora do acampamento Pátria Livre observa rio Paraopeba poluído

Além da dor do luto e da mudança radical no estilo de vida das famílias que vivem na região, um dos maiores enfrentamentos que os produtores e produtoras agrícolas da Bacia do Paraopeba enfrentaram após o crime da Vale em Brumadinho e ao longo dos últimos três anos foi a dificuldade de escoar a sua produção. Marília Horácio, do Assentamento Dois de Julho, relembra que quando a barragem rompeu, a notícia chegou pela televisão e as famílias já se preocuparam com a mudança de cor e aumento do nível da água o rio.

“Assim que começaram a ser divulgadas as imagens do crime da Vale em Brumadinho, a gente assistia com muita dor e desesperança no sistema capitalista que esquece das vidas e explora o meio ambiente. Foi divulgado que toda a nossa produção estava contaminada, as pessoas perderam peixe e produção porque a sociedade não queria comprar, não conseguimos vender mandioca, os pescadores nunca mais puderam voltar ao rio e perderam a sua liberdade. Aquele ano foi um desastre total, o assentamento vivia lotado de pescadores, hoje não mais.”, afirma Marília.

Afetado pelo rompimento da barragem, o Assentamento 2 de julho ainda enfrenta, em seus 65 lotes homologados, a qualidade da água imprópria. Jorge Borges, assentado no local, explica que a contaminação da água afeta inclusive os animais, “aqui tinha muitos pescadores, agora não vai dar para pescar mais, o rio morreu, o barro desceu e estancou o rio, além disso, o nível da água está muito baixo, isso vai afetar muito a gente por aqui”, conta o agricultor.

Doenças de pele no acampamento Pátria Livre em 2019

Nas áreas de acampamento, o reconhecimento das famílias enquanto atingidas demandou diversas ações diretas, reuniões e mobilizações por parte do MST, e os Acampamentos Zequinha Nunes e Pátria Livre sofreram com a diminuição da qualidade da produção de grãos como o feijão, por exemplo. No período, as famílias também enfrentaram graves alergias na pele e problemas respiratórios.

Segundo Josimar Aquino, a saúde da população segue ainda mais fragilizada por conta das chuvas. “Se o crime da Vale nos impôs contato direto com o minério de ferro, as chuvas de janeiro de 2022 mostraram que a mineração predatória na Bacia do Paraopeba leva a enchentes e a contaminação do nosso povo e da nossa produção agrícola com esse rejeito que é resquício do rompimento da barragem em 2019”,  pontua.

Reparação, justiça e construção de um programa popular para o Paraopeba

Mesmo em meio aos estigmas do rejeito, o MST da Regional Metropolitana Milton Freitas segue produzindo nos territórios atingidos pelo crime da Vale em Brumadinho e além da distribuição de mais de 10 toneladas de alimentos em ações de solidariedade desde o início da pandemia, a região também se organiza na coleta de sementes, na construção Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi e na assistência técnica às famílias, como parte do Plano Popular para a Reparação do Paraopeba, uma iniciativa do MST.

Esse processo de reparação popular, que vem sendo desenvolvido desde o começo de 2021, é uma das iniciativas do MST para a construção de uma reparação integral e justa que contemple a voz dos atingidos, e nesse coro, se somam também os movimentos sociais populares que atuam no território, as assistências técnicas e entidades religiosas na construção de um Programa de Recuperação Popular que seja coletivo e unitário e ouça os atingidos.

Produção do assentamento 2 de Julho resiste após crime

Uma das construções coletivas no sentido da Reparação Integral é  III Romaria pela Ecologia Integral à Brumadinho, que acontece entre os dias 22 e 27 de janeiro, e no dia 25 contou com coletiva de imprensa, missa e marcha dos atingidos, além da doação de 100 mudas de árvores frutíferas do Viveiro Esperança, localizado no Assentamento Dois de Julho, para a população da cidade de Brumadinho.

Segundo Silvio Netto, da Direção Nacional do MST, cada conquista do povo em luta é uma forma de fortalecer um projeto antagônico ao modelo predatório de mineração. “A maior pena que a Vale pode pagar é a de fortalecer o nosso projeto, que é popular e se opõe ao dela. Essa é uma conquista econômica importante dos movimentos e vai ajudar as famílias que sofreram com o crime do rompimento da barragem e com as chuvas, e é mais um passo pra construção de um programa popular para a recuperação da Bacia que seja forjado pelo povo”, afirma Netto.