Violência no Campo

Entidades pedem justiça pela morte de criança na zona rural de Pernambuco

MST e entidades ligadas ao campo denunciam a violência estrutural da disputa por terras no estado de Pernambuco, que tem se intensificado na Zona da Mata Sul nos últimos anos
Crianças protestam contra o assassinato de Jonatas, no Engenho Roncadorzinho, Barreiros (PE). Foto: Divulgação.

Por Lays Furtado
Da Página do MST

Na última sexta-feira (18), parlamentares, movimentos populares e famílias agricultoras participaram uma diligência com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a Comissão de Direitos Humanos do Senado, após o assassinato de uma criança da comunidade do Engenho Roncadorzinho, no município de Barreiros, na Mata Sul de Pernambuco.

A vítima, Jonatas de Oliveira dos Santos, filho de uma das principais lideranças comunitárias da região, foi morto a tiros enquanto se escondia debaixo da cama com sua mãe e irmãos, quando pistoleiros invadiram sua casa e atiraram contra seu pai, Geovane da Silva Santos, que foi atingido no ombro e está em estado de recuperação.

Geovane é presidente da Associação dos agricultores e agricultoras da região, já tinha sofrido ameaças antes da tragédia. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) acompanha o conflito por posse de terras na região, segundo o advogado Lenivaldo Lima, da CPT, apesar dos conflitos terem sido denunciados, “o pessoal não deu a importância devida aos fatos e agora aconteceu isso”, disse Lenivaldo, o caso segue sob investigação.

Para o dirigente Jaime Amorim, da direção do MST em Pernambuco, o caso ocorrido na antiga Usina Santo André chega ao limite do sinal de alerta da violência estrutural que as famílias vêm sofrendo sistematicamente na luta pela terra, principalmente nas regiões de antigos engenhos. “São vários engenhos e usinas numa situação muito parecida e a violência tende a crescer.” – afirmou o dirigente, sinalizando que já passou da hora de barrar esse tipo de violência.

Segundo Plácido Júnior, agente da CPT, entre 2020 e 2021, ao menos 58 denúncias de ameaça de morte ocorreram devido a conflitos no campo em Pernambuco. Desse total, 41 ocorreram na Zona da Mata Sul, onde fica o engenho onde Jonatas foi assassinado. Ele ainda aponta que o aquecimento da especulação sobre as terras têm intensificado violações às comunidades na região, e que 22 instituições já mandaram ofícios ao governo de Pernambuco notificando sobre os conflitos agrários.

Justiça por Jonatas!

De acordo com as polícias Civil e Militar, foram apreendidos três suspeitos e as investigações seguem em curso. As informações foram divulgadas na última quinta (17), em uma coletiva de imprensa. Enquanto isso, parlamentares, moradores/as e entidades indicam um histórico de violências sofridas pelas famílias na região, onde a atuação dos pistoleiros deve ter sido motivada por disputas por terras, denunciada há décadas na região.

Segundo os relatos da comunidade e entidades que acompanham os conflitos agrários na região, os casos de violência começaram pela destruição das lavouras, envenenamento das fontes de água com agrotóxicos e ameaças de morte sofridas por lideranças locais.

Comunidade pede justiça por Jonatas e clamam pelo fim da violência. Foto Arnaldo Sete/ MZ conteúdo.

O deputado federal Carlos Veras (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, cobrou uma apuração rigorosa dos órgãos competentes. E também afirmou que a luta pela regularização das terras é antiga, da qual ele acompanha há anos, desde que era presidente da Central Única de Trabalhadores (CUT).

As violações aos direitos humanos na Mata Sul de Pernambuco têm sido constantes, os conflitos na região envolvem cerca 1.500 famílias de ex-trabalhadores(as) e 7 mil hectares de terras de usinas falidas. Em agosto de 2021, um relatório sobre tais denúncias chegou à  Organização das Nações Unidas (ONU) por meio da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (Fian).

Há décadas a comunidade denuncia violações por disputas pela terra na região

A comunidade onde o crime aconteceu foi formada há cerca de 40 anos, onde vivem e plantam 400 trabalhadoras e trabalhadores rurais posseiros(as), sendo 150 crianças. Antes da ocupação da área pelas famílias agricultoras, as terras eram propriedade da Usina Santo André do Rio Una, falida há mais de 20 anos. A área da antiga usina hoje é administrada pela Justiça, onde o terreno é campo de disputa por parte de empresas que atuam na cultura da cana-de-açúcar.

Todas as famílias moradoras da região são ex-trabalhadores(as) da usina, que não receberam seus direitos após a falência da empresa. O Engenho onde aconteceu o assassinato foi arrendado pela Agropecuária Javari. Em outubro do ano passado, o Tribunal de Justiça de Pernambuco negou pedido de reintegração de posse movido pela empresa e recomendou a solução do conflito por meio de conciliação entre as partes.

“O governo do Estado tem que entrar com todas as forças para investigar este caso. Suspender toda compra e todos os leilões dos engenhos, de todas as usinas na Zona da Mata até que se apure esse caso. E permita que o governo federal e o governo estadual possam desapropriar todas as áreas para fins de reforma agrária. Já que a violência é inerente, desde a  organização até a estrutura sócio-econômica da cana no estado, em especial agora com esse processo de falência total [das usinas], que temos que superar.” – declarou Jaime Amorim.

Comunidade já vinha denunciando ameaças e violações por conflitos de terra em Barreiros (PE)

Assim como tem sido denunciado a violência no campo na Mata Sul, em várias outras regiões do estado a situação é a mesma, conta Jaime Amorim. O dirigente narra que esse histórico de violência no campo, estruturalmente, faz parte dos territórios de disputa por terras pelo latifúndio canavieiro. Onde usualmente pistoleiros são contratados para instaurar o terror entre as famílias e fazê-las abandonar a terra, para que tomem posse antes mesmo de qualquer resolução legal.

“Uma grande reforma agrária é a única forma de evitar a violência que está ocorrendo, e que pode ainda avançar ainda mais com a compra de armas liberada pelo governo federal.  As usinas e senhores de engenhos estão se armando para impedir a resistência e a luta pela reforma agrária na região” – apontou, indicando que muitas outras tragédias podem acontecer se nenhuma medida urgente for tomada, onde a execução da reforma agrária por parte das autoridades pode contribuir de forma decisiva na reversão estrutural desse histórico de violência contra trabalhadores(as) rurais e suas .

*Editado por Fernanda Alcântara