Aromas de Março
Rememorar para Ressignificar as Lutas das Mulheres na contemporaneidade
Por Coletivo de Gênero do MST
Da Página do MST
“Se não houver o amanhã
brindaremos o ontem
e saberemos, então,
onde está o horizonte!”
Nesse período que antecede as mobilizações da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Trabalhadoras, fazemos um convite especial para um exercício de alimentar a mística a partir da memória social das resistências.
Desde a criação do Dia Internacional de Luta das Mulheres Trabalhadoras, em 1910, as mulheres vão à luta contra a exploração, o machismo e por uma sociedade baseada em valores e ideais socialistas. Assim, o movimento feminista trouxe essa grande contribuição para a humanidade de organizar e visibilizar as bandeiras de lutas das mulheres em todo o mundo.
Como movimento social, as feministas colocaram na agenda da luta geral as questões políticas, econômicas, sociais e familiares vividas pelas mulheres e mostraram que para haver libertação da classe trabalhadora é necessário romper com esse modelo de dominação baseado na opressão, exploração e discriminação, que tem marcado as ações organizadas das mulheres ao longo dos séculos de resistências da classe trabalhadora ao redor do mundo.
Esse exercício permitiu intensificar a busca pela visibilização da participação das mulheres em lutas populares, como as das mulheres anarquistas que atuavam no movimento operário libertário no início do século XX. Motivadas por grandes mudanças nas estruturas sociais e na superação da sua condição de subalternidade como mulheres na sociedade e no interior da classe trabalhadora, desencadearam lutas e enfrentamentos a favor da igualdade salarial, nas condições de trabalho, e, especialmente, no direito à palavra, na defesa incondicional por uma educação libertária como ponto de partida para emancipação das mulheres.
Na atualidade, direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora, têm sofrido ameaças e derrotas com as reformas em curso. Por isso, a jornada do 08 de Março de 2022 tem um caráter especial para a luta das mulheres no Brasil ao se propor ir às ruas para derrotar o fascismo, tirar a extrema direita do poder e resgatar a nossa dignidade e os direitos já conquistados. O momento político que vivenciamos escancarou resquícios que versam sobre a crueldade do obscurantismo presente na cultura burguesa brasileira e que também ganha setores populares.
Por isso a importância nesse momento de aprendermos com as resistências históricas das mulheres negras, nas lutas de enfrentamento contra a escravidão, na constituição de territórios livres. Temos exemplos de Dandara e Aqualtume em Palmares, Teresa de Benguela no Quaritere, e tantas outras mulheres que estiveram à frente das revoltas, rebeliões e das lutas abolicionistas.
Este momento nos remete também a luta das mulheres contra a ditadura, mulheres que, quando o único raio de luz surgiu na luta armada não se furtaram de ir para as guerrilha, fosse na florestas como Helenira, Dina e as demais guerrilheiras do Araguaia, fosse nas cidades como Ana Maria Nacinovic e tantas outras.
Nesse período ainda se constitui o Movimento Contra a Carestia, considerado um dos maiores movimentos populares contra a ditadura militar e por melhores condições de vida: energia elétrica, água encanada, creche e contra os altos preços dos alimentos. Protagonizaram ações de rua importantes como a que levou mais de 20 mil pessoas à Praça da Sé para protestar contra a política econômica, marcando o quão importante e necessário foi e é a participação das mulheres no processo de democratização do país.
“Mudar o mundo para mudar a vida das mulheres!”
Os anos 1990 aos anos 2000 foi uma década de grande mobilização popular e feminista. Diversos movimento de mulheres do Brasil fizeram uma aliança para mudar o mundo contra o livre comércio, contra a Alca, sob o slogan: “somos mulheres e não mercadoria”; na luta por uma economia feminista e para construir, na prática, a contra-hegemonia ao sistema neoliberal hegemônico. Esse posicionamento é parte de um processo amplo das lutas das mulheres contra as empresas transnacionais, as políticas neoliberais, a violência policial, o racismo e o genocídio dos povos negros e indígenas.
Aliás, a luta dos povos originários, com uma agenda política pautada na luta pela demarcação dos territórios, tem desencadeado um processo profundo na defesa de suas culturas. Nos últimos anos com o avanço do capital sobre seus territórios para exploração de minérios, construção de estradas, hidrelétricas e avanço de monocultivos de soja, eucalipto, e áreas destinadas à pecuária, tem gerado inúmeros conflitos.
As mulheres indígenas têm participado ativamente na luta pela defesa e demarcação de seus territórios e fortalecido espaços de articulação dos diferentes biomas e povos.
Como expressão da força da mulher indígena temos histórias inspiradoras como a da Cacique Pequena da etnia Jenipapo Kanindé liderança que rompeu com papéis historicamente constituídos e é reconhecida como a primeira mulher indígena cacique do Brasil.
Um marco recente e inspirador foi a realização do Acampamento e da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas que reuniu em Brasília mais de 5 mil mulheres de 172 povos originários. Com o tema “Mulheres originárias: Reflorestando mentes para a cura da Terra”, as indígenas chamaram a atenção do Brasil e do mundo para a ameaça da aprovação do Marco Temporal.
Ainda no contexto do campesinato, destacamos também o protagonismo das mulheres na luta pelo acesso à terra e pela reforma agrária. Como marco desse processo de participação política e espaços organizativos das mulheres Sem Terra, destacamos a ação das 2000 mil mulheres do MST e da Via Campesina no dia 08 de março de 2006 para chamar a atenção da sociedade brasileira e dos participantes da II Conferência Mundial sobre Reforma Agrária sobre os riscos dos chamado “desertos verdes”.
Houve do ponto de vista dos movimentos sociais uma ruptura do padrão estabelecido do papel das mulheres num processo de mudança por ter sido uma ação coletiva, organizada e dirigida por mulheres no enfrentamento de uma das maiores empresas transnacionais do mundo na produção de eucalipto.
A luta é para que as grandes extensões de terra utilizadas por essas empresas sejam destinadas à Reforma Agrária, para produção de alimentos saudáveis, para auto-sustentação e geração de renda, para acabar com o latifúndio e garantir justiça social no campo brasileiro.
Que as histórias e memórias das lutas das mulheres possam exalar os Aromas de Março, e possa, acima de tudo, apontar para a construção de formas de viver e produzir que contribuam para mudar os rumos da história e construir uma sociedade com novos valores e um mundo sem violência e sem opressão. A aposta para grandes mudanças perpassa fundamentalmente por uma nova ação política protagonizada pelas mulheres como sujeitos políticos que se alimenta das lutas históricas, que está em diálogo profundo com as questões atuais e que aponta novas formas de pensar e fazer política.
Seguiremos em Movimento, até que todas sejamos livres!
*Editado por Fernanda Alcântara