História

Flora Tristan, feminismo e classe

Conheça a história de Flora Tristan, escritora e ativista socialista franco-peruana que defenda que o progresso dos direitos das mulheres estava diretamente relacionado com o progresso da classe trabalhadora
Flora Tristan. Imagem: Reprodução

Da Página do MST

Ela poderia ter sido mais uma escritora nascida na corte de Napoleão Bonaparte mas, superando todos os problemas de sua vida pessoal, Flora Tristan, foi uma das expressões socialistas de sua época, usando a palavra para denunciar as péssimas condições em que vivia a classe operária na França, e sobretudo a posição de submissão em que se encontrava a mulher na sociedade.

Filha de mãe francesa e pai peruano, Flore Celestine Therèse Henrietti, nasceu em Vaugirard, Paris, em abril de 1803. Moravam num espaçoso casarão nas cercanias de Paris, que era freqüentado pelo líder revolucionário venezuelano, Simon Bolivar, quando seu pai, oficial do exército espanhol, foi morto em batalha contra a França. A viuva foi obrigada a mudar-se para uma pequena propriedade rural, vivendo em condições extremamente modestas com seus filhos.

Quando Flora completou quinze anos, mudaram- se para Paris, onde arrumou emprego no atelier do ilustrador André- François Chazal, um homem de futuro promissor e que viria a ser seu marido em fevereiro de 1821. Flora vivia um relacionamento tumultuado com o marido, que era rude com a esposa, chegando a agredi-la fisicamente. O casamento revelou-se um fracasso e durou de fato apenas três anos, dando a Flora três filhos e muitas preocupações. Apesar de viver no período do Romantismo e acreditar, desde a adolescência, que o amor fosse como a uma religião, Flora passou a vida evitando qualquer forma de contato que a levasse a perder o controle da situação.

Apesar de saber escrever e ler precariamente, Flora possuía grande interesse pela leitura, principalmente de assuntos ligados às condições da sociedade da época, em especial, da posição inferior da mulher em relação ao homem. Flora questionava as vantagens legais que os maridos detinham sobre as esposas e dizia que a mulher era a pária da sociedade, vivendo sempre a sombra do marido, sem nenhum tipo de direito, apenas deveres a serem cumpridos e total submissão.

Flora e a sociedade francesa

Flora viveu num período em que a sociedade e o mundo enfrentavam as grandes transformações motivadas pela Revolução Industrial. A máquina aumentava a produção e consequentemente, os lucros dos donos dos meios de produção, sem no entanto, melhorar as condições de vida dos operários, foi um período em que os banqueiros tiveram lucros espetaculares e os operários se tornaram miseráveis. Escritores e filósofos denunciavam os baixos salários e a exploração de mão-de-obra dos trabalhadores, formulando teorias a respeito do socialismo, uma corrente ainda recente e extremamente utópica, mas repleta de seguidores apaixonados. Porém, esses intelectuais que buscavam a liberdade e a igualdade entre os homens, ainda não estavam preparados para aceitar a participação ativa da mulher na sociedade e sua condição de igualdade em relação ao homem e, assim, as primeiras obras de Flora Tristan receberam fortes críticas dos escritores de sua época.

Flora viajou a países como Peru, Inglaterra e Itália, sempre atenta as condições da sociedade local. No Peru, criticou a questão da escravidão e na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, verificou que os operários viviam em situação ainda pior do que na França. Nessas viagens fez uma autocrítica e percebeu que ainda mantinha uma visão preconceituosa e fechada em relação aos aspectos culturais de outros países, sempre os comparando à França. Porém, o resultado dessas viagens foi positivo, e ela realizou sua primeira obra, “Peregrinações de uma pária”.

As ameaças de Chazal

Apesar de todas as suas preocupações sociais, Flora vivia um drama em sua vida privada. Seu marido, Chazal, da qual estava separada, insistia em persegui-la e constantemente a ameaçava. Como a lei que concedia o divórcio havia sido revogada ainda sob o reinado de Louis 18, a escritora não possuía meios legais de barrar as investidas do marido, sofrendo todo o tipo de represálias e agressões. As discussões tiveram seu auge quando, numa emboscada, Chazal atirou em Flora com a clara intenção de tirar-lhe a vida, atingindo duas balas próximo a seu coração. Os disparos não foram fatais, Flora se recuperou e como ela mesma disse “ Deus engoliu as duas balas” , que ficaram alojadas em seu peito. Apesar da aparente recuperação, isto foi enfraquecendo sua saúde, ocasionando sua morte, alguns anos depois.

Antes de morrer, porém, Flora teve tempo de realizar outras viagens e adquirir novos conceitos para embasar sua idéias. Voltando a Inglaterra, teve contato com o operariado inglês, que por ter problemas mais complexos e antigos era também mais combativo e organizado em relação ao francês. Retornando a seu país, teve a idéia de realizar uma grande viagem ao interior da França para esclarecer as massas a respeito do socialismo e da igualdade de direitos entre os homens, pondo em prática os conhecimentos adquiridos em suas viagens e no contato com os pensadores de sua época.

Mesmo com a saúde fragilizada, Flora realizou a empreitada, indo de cidade em cidade mobilizando as pessoas e participando ativamente de paralisações e manifestações. Ficou com a fama de ser agitadora e subversiva e por diversas vezes foi convidada a se retirar dessas cidades.

Flora, em vida, foi considerada como uma das personalidades mais notáveis do socialismo francês no reinado de Louis Philippe (1830-1848), deixando suas reflexões libertárias e socialistas em obras como União Operária, entre outras, que serviram de consulta até mesmo para Marx, que reconheceu seu valor em sua obra A Sagrada Família. No entanto, depois de seu falecimento, em 14 de novembro de 1844 na casa de amigos, foi aos poucos sendo esquecida, até mesmo pelos estudiosos do socialismo, tornando muito difícil encontrar relatos e escritos sobre sua vida e sua obra.