Acampamento Terra Livre
Lutar pelo direito de viver e dos territórios: o Acampamento Terra Livre e o MST
Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
Em sua 18ª edição, o Acampamento Terra Livre (ATL) retomou este ano sua realização presencial, trazendo a força da ancestralidade e da luta indígena na maior mobilização dos povos originários do Brasil. Com o tema: “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”, indígenas ocupam desde o dia 4 de abril a capital federal, em Brasília, com plenárias, debates, marchas, ações culturais de luta e resistência.
Desde o primeiro acampamento, em 2004, o MST caminha junto aos povos indígenas, lutando pelo reconhecimento e respeito de seus direitos e identidade indígena, que significam a própria sobrevivência física e cultural destes povos. “Nós convergimos nesse apontar de Terra Livre, que sirva ao povo brasileiro, dando comida de verdade, as belezas que nos faz vivos e vivas, para que futuras gerações possam existir”, lembra Atiliana Brunetto, da direção nacional do MST.
Atiliana relembra que a luta dos Povos Indígenas é pela vida dos nossos corpos e territórios, e isso perpassa por defender a terra de toda forma de exploração, expropriação de violências. “Querem a terra livre para que ela possa nos alimentar e com alimento de qualidade e diversidade”, e completa:
Estamos no Abril Indígena e no Abril Vermelho dos Sem Terra, defendendo nossos territórios, pois defender a terra é defender a vida humana, o planeta. É dizer somos parte da natureza, sem ela não existimos”, Atiliana.
Ao defender esses direitos, o ATL vem consolidando as estruturas para a contínua mobilização nacional dos Povos Indígenas do Brasil. O primeiro acampamento surgiu a partir de uma ocupação realizada por povos indígenas em frente ao Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, e desde então o movimento se tornou mais do que um encontro anual, mas um ato de coragem em nome de todas as vozes que combatem as injustiças e têm suas terras invadidas pela mineração, especulação imobiliária, agronegócio e madeireiras.
“A unidade que acontece no acampamento mostra a força, a teimosia rebelde dos companheiros e companheiras indígenas em afirmar sua existência. A cada dia vemos o acampamento aprofundar debates com a presença da diversidade dos sujeitos. Vemos a presença das mulheres indígenas com muita força, mostrando o papel das mulheres na luta. Esse “aprofundar” vai mudando o cotidiano nas aldeias, nos territórios, pois vai construindo consciência da importância de preservar cuidar das aldeias e entorno dela”, relata Atiliana.
Aldear a política
A relação do Estado e da sociedade brasileira com os povos indígenas, mesmos com os novos paradigmas constitucionais trazidos em 1988 que colocaram fim ao integracionismo, tem sido marcada por princípios e práticas colonialistas, autoritárias, racistas, preconceituosas e discriminatórias. Uma das pautas centrais que vem sido trazia ao longo dos anos pelos povos indígenas é a defesa da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). O órgão é alvo de intensos ataques do governo Bolsonaro, com intenção de realizar o desmonte e a instrumentalização da instituição.
O ATL reivindica a volta da FUNAI ao Ministério da Justiça, assim como as competências para demarcação das terras indígenas e de licenciamento, alterando, assim à medida provisória – MP 870/19.
Bolsonaro já atacou os povos indígenas de diversas formas desde o início de seu governo, como editar a Medida Provisória MP 870, buscando paralisar de vez o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas. O governo também transferiu a Funai do Ministério da Justiça para o recém criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (Decretos 9660/19 e 9673/19).
“Acredito que o maior inimigo do povo brasileiro hoje é o governo Bolsonaro, um governo que não está à disposição do seu povo, mas vem atendendo a pauta das grandes empresas internacionais e cumprindo uma agenda neoliberal, um governo claramente racista, misógino, fascista”, afirma Atiliana, que reforça a importância de fazer de 2022 o último ano desse governo Bolsonaro. “O “Aldear a Politica” afirma a necessidade de estarmos atentos e atentas ao tema de ocupar os espaços legislativos, bem como se apropriar da importância da politica na vida das aldeias.”
Diante do avanço do capital no campo sob a forma do agronegócio, os conflitos por terra, inclusive em sua dimensão social, começam a mostrar sua face mais nefasta. De acordo com análise de dados georreferenciados, só no Mato Grosso do Sul, áreas privadas ocupam 92% do estado, enquanto as terras indígenas estão em apenas 2,5% do estado. Já outro estudo, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), afirma que o estado concentrou 39% dos 1.367 assassinatos de lideranças indígenas ocorridos no Brasil, entre 2003 e 2019. Só em 2019, o estado registrou 10 mortes, o maior número entre as 35 observadas nacionalmente.
“Como avançar na produção de alimentos saudáveis nas aldeias, como produzir alimento saudável se não tem garantido o direito ao acesso a terra, à demarcação e ao reconhecimento dos territórios indígenas? Isso é urgente, e um dever do Estado brasileiro”, lembra Atiliana.
Unidade
Neste cenário, o MST se coloca também na trincheira da luta pela demarcação das terras indígenas. “Estamos com os nossos irmãos indígenas no acampamento Terra Livre, 8 mil indígenas na capital e a grande imprensa não pauta”, lembrou Idalice Nunes (mais conhecida como Fia), da direção do MST no Mato Grosso, sobre a ausência de cobertura do Acampamento.
Junto com o ATL, o MST reforça o “gritar em resistência para a proteção de vida, reforçando que as pessoas estão na centralidade não o lucro”, como defende Atiliana. “Assim como Indígenas, nós o MST, somos contra qualquer forma de violências contra nossos corpos e nossos territórios. Queremos juntos e juntas uma vida baseada na solidariedade no amor a tudo que nos cerca”.
Para o MST, é imprescindível ressaltar esta aliança estratégica com os diversos povos indígenas, principalmente contra o avanço da mineração no campo brasileiro; na luta contra o agrotóxico que violenta a terra; na luta por soberania alimentar, garantido a produção de alimentos saudáveis e direitos humanos básicos que assegure uma vida digna para todas e todos.
Ao final destas jornadas, o ATL se posiciona sobre o processo de desmonte das políticas e estruturas indigenistas do Estado brasileiro, e registram reiteradamente as suas demandas e reivindicações históricas, a partir de documentos finais, que este ano terminam no próximo dia 14 de abril.
“Ouvi certa vez de uma liderança Guarani que “Aldeia Feliz é aquela que vive em harmonia com a natureza”, e me veio a lembrança da frase das mulheres Sem Terra “Não Há Produção de Alimentos Saudáveis em Relações doentes”. Só é possível conviver e viver onde podemos estar em harmonia respeitando toda forma de vida”, conclui Atiliana.
*Editado por Solange Engelmann