Pronera 24 Anos

A negritude que ocupa o Direito a partir do Pronera

Um diferencial dos cursos do Pronera é a inserção dos educandos na pesquisa-militante para o desenvolvimento de uma ciência popular

Por Nicolas do Nascimento
Do Setor de Direitos Humanos do MST

A vida da minha família, tanto paterna quanto materna, está enraizada no MST desde os anos 80. Meus avós já militavam na luta pela terra mesmo antes da bandeira vermelha, buscando por sobrevivência e vida melhor para os filhos que, naquela época, rendiam com facilidade. Oito tios e tias por parte de pai e cinco por parte de mãe.

Meus pais, que cresceram juntos no assentamento, foram para a cidade de Itamaraju, no extremo sul da Bahia, depois de se casarem. Nossa família aumentou e eu sou o mais novo de três. Cresci e vivi parte da minha adolescência na cidade, até nos mudarmos para o assentamento quando eu estava no último ano do ensino médio. Meus pais haviam feito o caminho do êxodo rural e, 20 anos depois, o êxodo urbano.

Acessei a Universidade Federal de Goiás pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), política pública fruto da luta, e, aí sim, passei a conhecer de fato o Movimento Sem Terra, pois durante os tempos comunidades estava morando no assentamento e acabei me inserindo nas tarefas da comunidade e da organização.

Os seis anos que passei imerso na educação jurídica em geral e sobretudo nas questões políticas e burocráticas do acesso não só do direito à terra, mas dos direitos básicos em geral, me abriram os olhos para a realidade da desigualdade social do país e do mundo, de um modo que dificilmente uma outra graduação regular me proporcionaria.

Sinto-me muito privilegiado e feliz por ter tido essa experiência e, sem sombra de dúvidas, mudou o curso da minha história e me construiu enquanto homem, jovem politizado, militante político pelos direitos populares e pela vida da população negra. Pude conhecer novas pessoas, outros pontos de vista e aprender a lidar com o diferente a partir dos atritos da vida cotidiana, aprendendo então com os meus erros e acertos.

Nesse período, militei e participei de ações do MST e do Levante Popular da Juventude, na cidade de Goiás. Minha atuação, muito ativa no movimento estudantil, me proporcionou o amadurecimento político. Fui representante estudantil no Centro Acadêmico e Coordenador da Federação Nacional de Estudantes de Direitos, por duas gestões. Também fui escolhido pela comunidade acadêmica, a partir do voto popular, para representar o Campus no Congresso Nacional da UNE em 2019.

Também pude me profissionalizar com grandes nomes da advocacia do Brasil, em oportunidades de estágio excelentes nos escritórios Fon. Álvares. Rainha & Strozake, em São Paulo e no Cézar Britto Advogados, em Brasília. Aprendi bastante com todos e todas que passaram pelo meu caminho e guardo grandes amizades até hoje.

Um diferencial dos cursos do Pronera e com certeza do Curso de Direito na UFG – Campus Cidade de Goiás, é a inserção dos educandos na pesquisa-militante para o desenvolvimento de uma ciência popular. No meu Trabalho de Conclusão de Curso, pesquisei a relação do racismo estrutural e a atual conjuntura agrária brasileira, utilizando os dados do censo agropecuário do IBGE de 2017, assim como o acúmulo do MST e pude demonstrar, sob vários aspectos, o abismo no acesso à terra entre brancos, negros e pardos.

Hoje, enquanto advogado, contribuo com o MST a partir do Setor de Direitos Humanos no Estado da Bahia, num coletivo de também jovens profissionais que se formaram pelo Pronera, em várias pautas demandadas pela organização, à nível regional.

O maior desafio para mim, com certeza, por conta das estruturas do capitalismo instaurado no país, é a desigualdade racial e social que enfrento, além do preconceito geracional. A imagem de advogado que as pessoas têm, é de um homem branco, mais velho, com cabelos lisos e bem aparados, o que não se encaixa no meu perfil. Sou um jovem negro. Não são apenas os meus cabelos são rebeldes, mas também a minha consciência, alma e atuação profissional/militante. Por isso, não é difícil que profissionais arcaicos do poder judiciário se incomodem com a minha presença ou de qualquer um com o mesmo perfil.

*Editado por Maria Silva