Direitos Indígenas

Devastação é 20 vezes menor em terras indígenas, mas seus habitantes pagam com a vida

Estudos do Mapbiomas e da CPT evidenciam os resultados positivos e o custo humano da luta pela preservação ambiental
Marcha Demarcação Já, durante o Acampamento Terra Livre 2022 em Brasília. Foto: Andressa Anholete

Por Murilo Pajolla
Do Brasil de Fato

Um levantamento do Mapbiomas divulgado no “Dia do Índio” (19), confirma que as Terras Indígenas (TIs) estão entre as principais barreiras contra o avanço da devastação ambiental. Nos últimos 30 anos, as TIs perderam 1% da vegetação nativa. Já nas áreas particulares a perda foi de 20,6%. A preservação, no entanto, ocorre às custas de assassinatos e episódios violentos. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 os indígenas foram as principais vítimas de assassinatos, mortes indiretas e episódios violentos provocados por conflitos no campo.

No ano passado, por exemplo, um grupo de indígenas isolados foi massacrado por garimpeiros quando tentava expulsá-los de seu território, conforme apontou a CPT. Das 109 mortes causadas indiretamente por conflitos no campo em 2021, 101 foram de indígenas – todos Yanomami.  

“Os números [da violência no campo] têm crescido ainda mais nesse período de ruptura política no Brasil a partir de 2015 e 2016. E têm se intensificado muito mais durante o governo Bolsonaro”, afirmou a advogada e coordenadora do CPT, Andréia Silvério.

Os territórios ancestrais são fundamentais para “manter os rios voadores e garantir a segurança hídrica, alimentar e energética”, publicou no Twitter o coordenador do Mapbiomas, Tasso Azevedo. “Assegurar os direitos dos povos indígenas é assegurar nosso futuro”, completou. 

Garimpo e Bolsonaro destroem a Amazônia

A preservação que ainda vigora nas TIs pode estar ameaçada pelo aumento do ritmo da devastação. O Mapbiomas concluiu que o desmatamento nessas áreas aumentou em média 70% entre 2018 e 2020, em comparação com os três anos anteriores.

O período coincide com a campanha eleitoral quando Jair Bolsonaro (hoje no PL) se tornou um ator relevante no cenário político nacional. O Brasil de Fato ouviu de servidores do Ibama que o empoderamento de criminosos ambientais frente aos fiscais foi perceptível a partir de 2018. 

“O fiscal se sente deslegitimado, e a população também passa a vê-lo como uma figura que atrapalha. O presidente [Bolsonaro] faz isso o tempo todo e não vai parar até o final do governo, tenho certeza”, confirmou a ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, durante entrevista em janeiro deste  ano.

Reprodução/Mapbiomas

O Mapbiomas também analisou os alertas de desmatamento mais recentes nas TIs feitas pelo Deter, um sistema de monitoramento operado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Entre 2016 e março deste ano, houve aumentos sucessivos do desmatamento. 

Os dados indicam que a destruição está ligada ao garimpo ilegal. Entre 2010 e 2020, as áreas ocupadas pela mineração dentro de TIs cresceram 495%. Em 2020, 93,7% dos garimpos estavam na floresta amazônica. 

“As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território Kayapó (7602 ha) e Munduruku (1592 ha), no Pará, e Yanomami (414 ha), no Amazonas e Roraima”, afirma trecho do levantamento do Mapbiomas. 

Preservação foi paga com vidas de indígenas  

A devastação da Amazônia se tornou um negócio milionário atrelado a crimes violentos, fraudes, corrupção e até tráfico de drogas, conforme já apontou um estudo do Instituto Igarapé, que analisou mais de 360 operações policiais no bioma

Assim, o avanço do desmatamento coloca indígenas na mira de criminosos ambientais bem financiados e organizados, que produzem cada vez mais vítimas no campo. 

Os indígenas são o grupo social mais afetado pelos conflitos por terra. Das 1242 vítimas, 26% são indígenas, seguidos por quilombolas (17%), posseiros (17%) e sem terras (14%). 

Neste caso, são considerados conflitos por terra ocorrências em que as famílias foram despejadas, expulsas, ameaçadas de despejo ou expulsão, tiveram seus bens destruídos ou foram vítimas de invasões e ações de pistolagem.

Os povos originários também foram as principais vítimas de assassinatos, que cresceram 75% em 2021, na comparação com 2020. Das 35 execuções decorrentes da expansão da fronteira agrícola e da mineração, 10 foram de indígenas, 9 de sem terras e 6 de posseiros.

Os dados são do Centro de Documentação da Comissão Pastoral da Terra (Cedoc-CPT) e foram divulgados nesta semana no relatório “Conflitos no Campo 2021”.

Indígenas massacrados tentavam expulsar garimpeiros

Três indígenas isolados – que não mantêm contato significativo com a sociedade dos colonizadores – foram assassinados por garimpeiros na Terra Indígena Yanomami, assolada pela mineração ilegal. 

Segundo a CPT, o relato de uma testemunha indica que eles tentavam expulsar garimpeiros que se aproximavam do acampamento indígena. 

No decorrer de 2020, a entidade identificou nove mortes causadas indiretamente por conflitos no campo em todo o território nacional. Em 2021, o número saltou para 109 (incluindo os 101 indígenas Yanomami), um aumento de 1.110%. 

Conforme dados da CPT, os conflitos relacionados ao garimpo cresceram 80.000%. Em 2011, foi registrado um episódio violento em decorrência da atividade. No ano passado, o número saltou para 81, com alta vertiginosa a partir de 2019.

Edição: Felipe Mendes/ Brasil de Fato