Religiosidade

Encontro Nacional de Povos de Terreiro lança carta em defesa da democracia e liberdade religiosa no Brasil

O II ÈGBÉ, surge como um espaço de análises políticas que leva em consideração os direitos à liberdade religiosa e suas práticas, a democracia e as vidas negras que tanto nos importam
Imagem do I ÈGBÉ. Foto: Rafael Stedile

Por II ÈGBÉ
Para Página do MST

Em 2019, tínhamos uma conjuntura política desafiadora, tivemos uma ideia e construímos o I ÈGBÉ – EU E O OUTRO. De lá pra cá nossa conjuntura piorou, houve um crescendo de racismo, de intolerância, de ódio e de ameaças reais à democracia, a liberdade e ao Estado de Direito.

Por isso, mantivemos nossas expectativas e definições de que juntos podemos transformar, com mobilização, organização, tática e estratégia nossa realidade. E aí surgiu a necessidade de realizar o II ÈGBÉ, agora chamado ÈGBÉ – Parte de Nós. Porque o primeiro foi: Eu e o Outro, pensando na importância do cuidado, do respeito, da reunião.

Esse II ÈGBÉ, surge da necessidade, da premência de mobilizar para garantir a redemocratização do nosso país, para a retomada de nosso Estado de Direito. Onde possamos realmente assegurar a laicidade do Estado, o respeito as nossas práticas religiosas e culturais e principalmente o direito à vida.

O II ÈGBÉ – PARTE DE NÓS, será talvez o único momento de tão importante reunião nesse ano tão emblemático e desafiador como é o ano de 2022, o último ano do governo Bolsonaro, que trouxe e continuará trazendo tanto retrocesso, violência, retirada de direitos e ataques a nossa jovem democracia. É preciso ainda considerar que não saímos do estado pandêmico, onde perdemos mais de 600 mil vidas, sem nenhum direito a vivenciar nosso luto.

É a nossa cara, a cara do desemprego, da fome e dos sem teto desse país. São nossos filhos e homens que mais morrem vítimas da violência social e policial. São nossos terreiros e nossas práticas religiosas que mais sofrem com o racismo religioso, são nossos corpos sagrados e iniciados na tradição, que mais sofrem com a prepotência dos que se acham melhores e superiores a nós. Por isso, o nosso O II ÈGBÉ – PARTE DE NÓS, surge cheio de desafios e urgências. Queremos que esse seja protagonizado por nós, mas realizado para pensar coletivamente a política, os seus desafios e quais serão nossas táticas e estratégias nesse ano tão emblemático.

O II ÈGBÉ – PARTE DE NÓS, se propões a ser o espaço de compreensão de nossas posições políticas centradas no pensamento de esquerda. Espaço de construção de uma grande “Teia”, que construa os pontos de nossa unidade: sobreviver e resistir ao Estado fascista, implantado em nosso país, partindo da premissa que a direita se organiza buscando avançar e destruir a unidade, a democracia e o estado de direito não só no Brasil, mas numa escalada mundial. E hoje o Brasil, é o grande foco destas ações direitistas numa clara demonstração dos interesses do campo de direita nos países da América Latina.

O ÈGBÉ – PARTE DE NÓS deverá ser o espaço da construção da nossa unidade na resistência e luta contra os fascistas e suas táticas de destruição de nossos direitos, nossa liberdade e nossas vidas. Como resistir a esta série de ataques coordenados a nossos direitos, quais as nossas táticas e nossa estratégia para sobreviver a tanta agressão e violação é tarefa nossa pensar. E esse pensar coletivo exigirá de nós muita sabedoria, tranquilidade, unidade e desejo de vitória. Somos muito diferentes, somos plurais, continentais, mas há algo que nos unifica e muito: nossa fé, nossa ancestralidade, nossos Terreiros. Sabemos através do Itans, Orikis, como a construção coletiva de nossas práticas religiosas se deram na diversidade de pensamentos, mas se deram e hoje somos herdeiras/os de uma tradição mágica, onde ser diferente foi e é fundamental para assegurar a manutenção da unidade na adversidade.

O ÈGBÉ – PARTE DE NÓS não se propõe a ser um espaço de debates sobre forma, jeito e meio de nossas práticas religiosas, mas sim espaço para o debate político e a construção de táticas e estratégias que nos assegure o direito à esta prática, a liberdade, a democracia e a vida, a partir de nossos olhares e construções em nossos Terreiros. Um espaço onde possamos buscar a unidade para além de nossas convicções políticas partidárias e de militância, que esse espaço seja de construção básica em defesa de nossos direitos, de nossas vidas e de nossas práticas religiosas.

No ÈGBÉ – PARTE DE NÓS, não há espaços para análises políticas que não leve em consideração o que ali nos unifica: nossos direitos à liberdade religiosa e suas práticas, a democracia e as vidas negras que tanto nos importam.

Portanto, no ÈGBÉ – PARTE DE NÓS seremos parte de uma grande colcha de retalhos, cuja tarefa central é estar todas/os tecidos e unidos, numa perspectiva da defesa intransigente à democracia, a vida. Visando a construção dessa unidade para além do pragmatismo político partidário ou de nossas organizações sociais, ao contrário o pragmatismo que buscaremos é de nossas tradições, onde a voz a ser ouvida, venha embalada nos princípios e fundamentos éticos que regem a tradição, a oralidade e a organização de nossos terreiros, visando mobilizar e organizar nosso povo para garantir a democracia, a vida e a liberdade. Queremos buscar a consolidação de uma aliança entre os que se organizam e tem como parâmetros as tradições de nossa religiosidade. Esta é para nós a forma mais eficiente de combate a teocracia no estado brasileiro, ao racismo religioso e as intolerâncias correlatas.

I ÈGBÉ – EU E O OUTRO. Foto: Rafael Stedile

O ÈGBÉ – PARTE DE NÓS, é de pessoas, de lideranças e organizações que trazem como princípios e eixos fundantes a tradição de matriz africana e as experiências de nossos terreiros, que se organizam por um pensar e uma visão de mundo onde todas e todos são iguais em direitos. Portanto, que se organizam no campo da esquerda. Não cabem nesse espaço, dúvidas por menores que sejam, se assim houver, nesse espaço que estamos construindo não cabe quem as têm. Entendemos que esse espaço é para pessoas trazem consigo princípios de luta contra toda forma de opressão, de preconceitos, de perda de direitos. Pessoas contrárias ao capitalismo selvagem que nos mata todos os dias, que sabem que a política negacionista, fascista e retrograda do atual governo é contra nós negras e negros. Que sabem a importância da eleição de Lula para derrotar o bolsonarismo, compreendendo esse governo e o movimento fascista que o mesmo rodeia como arbitrário, antidemocrático e, portanto, um atentado a vida.

O ÈGBÉ – PARTE DE NÓS, é um espaço para quem compreende que os ataques da direita se fortalecem na tentativa de destruição dos avanços e conquistas sociais e na negação da vida. Mas, é também o espaço para quem acredita nas mudanças e transformações através de muita organização, unidade e luta de setores da esquerda.

O ÈGBÉ – PARTE DE NÓS, não é espaço para busca de protagonismos pessoais, mas de todo um coletivo: os povos de terreiros. É o espaço para a construção de táticas e de estratégias organizativas dos povos de terreiros em épocas adversas autoritárias e racistas. Local de se pensar que nossa resistência se dará na luta cotidiana em defesa de nossos territórios, de nossas tradições.

A proposta do ÈGBÉ – PARTE DE NÓS vem de encontro à necessidade de buscar formas de juntas/os mantermos coesa nossas organizações, nossos templos e nossas práticas religiosas, culturais e sociais. Apostando nestas como fundamentais para derrotar o racismo, o fascismo e as intolerâncias.

O Brasil hoje enfrenta uma realidade de crescimento fascista, de perdas de direitos bravamente conquistados pelos trabalhadores, de criminalização dos movimentos sociais, de banalização das subjetividades e humanidades, de aniquilamento e genocídio das vidas negras. No campo das tradições religiosas vivemos a barbárie patrocinada pelo desrespeito e racismo religioso, não bastasse as práticas racistas e de banalização de nosso sagrado, com as quais convivemos há anos, temos hoje um governo que retroalimenta e fortalece estas práticas. Um governo que para ter eleito seu projeto conservador, de direita e extremamente violento desrespeita as instituições de justiça, a democracia e a vida dos cidadãos e cidadãs.

O ÈGBÉ – PARTE DE NÓS é, portanto, um encontro de pessoas que pensam que mais do que nunca nossa unidade é a possibilidade de estarmos de fato sendo o que na minha tradição se chama de Ubuntu: Só Somos Porque O Outro É. E nesta hora precisamos ter a certeza que todos somos, negros, macumbeiros e de esquerda.

É preciso ousar e mudar esta realidade, por isso venha conosco construir o ÈGBÉ – PARTE DE NÓS, para que juntos possamos destruir os muros que nos dificultam olhar e sentir o outro. Acreditamos que toda forma de rezar e de não rezar é plena e sagrada, desde que haja respeito, solidariedade e generosidade. Afinal, a vida, a democracia, a liberdade e o Estado de direito pertence a todas e todos indistintamente.

II ÈGBÉ – PARTE DE NÓS – SESC VENDA NOVA – BELO HORIZONTE 02, 03, 04 E 05 DE JUNHO DE 2022.

*Editado por Solange Engelmann