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Stedile e João Paulo Rodrigues, do MST, falam sobre o uso político do Incra por Bolsonaro

Para dirigentes, programa de titulação do governo federal inverte sentido público da Reforma Agrária
Stedile (esquerda) e João Paulo Rodrigues reforçaram sentido social da reforma agrária. Foto: Reprodução/MST

Por Gabriela Moncau
Do Brasil de Fato

Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem escolhido o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como obsessivo tema de suas declarações. 

Nesta terça-feira (17), durante cerimônia de duplicação da BR-101 em Sergipe, Bolsonaro afirmou que a entrega de títulos feita pelo governo federal por meio do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) levou ao “fim do MST”. Segundo ele, os assentados agora são parceiros dos fazendeiros. 

No último sábado (14), o mesmo assunto já havia sido abordado por ele durante sua participação, por videoconferência, em um evento do seu partido. “Desde o começo [do governo] nós tivemos uma política firme contra as ações das lideranças do MST, quando começamos a titular terras”, afirmou Bolsonaro, ao dizer que o assentado agora “está do nosso lado”.  

Respondendo em diferentes entrevistas, dois dirigentes do movimento, João Pedro Stedile e João Paulo Rodrigues, afirmam que Bolsonaro aparelha o Incra e usa a titulação de terras como forma de privatizar áreas de assentamentos. 

A privatização de terras da reforma agrária 

Bolsonaro busca propagandear seu programa “Titula Brasil” afirmando frases não-verdadeiras, como, por exemplo, que o MST acabou. O presidente ignora que o movimento realizou, no mês passado, uma jornada de lutas com 60 ações pelo Brasil.  

Cerca de 3.500 pessoas foram de Feira de Santana a Salvador em abril. Foto: Acervo MST

Voltado especialmente para famílias assentadas em áreas da reforma agrária, o programa do governo federal visa vender a concessão do título do lote. Se conseguir pagar todo o valor, evitando que um endividamento resulte no banco lhe quitando a terra, aquela família poderá arrendar ou mesmo vender a área – comumente cobiçada por fazendeiros ou empresários que lucram com a especulação imobiliária.  

Ao ICL Notícias, João Paulo Rodrigues explica que o MST defende a titulação por meio da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). Por meio dela, a terra segue sendo do Estado, a família não tem que pagar pelo lote e tampouco pode vendê-lo. E tem o direito de ali viver, produzir e passar seu uso para as próximas gerações.  

“Bolsonaro quer privatizar aproximadamente 200 milhões de hectares de terra, ora na Amazônia Legal, ora terras que já foram distribuídas no programa de Reforma Agrária. Para ter um volume de terras no mercado de capitais, usar a escritura dessas áreas para adquirir crédito junto às grandes empresas transnacionais do agronegócio”, avalia Rodrigues.  

“Raposa cuidando do galinheiro” 

Em entrevista para a Agência Bloomberg News – Latin America, Stedile argumenta que o governo Bolsonaro representa “o maior retrocesso para a política fundiária desde o fim da ditadura militar”.  

“Acabou o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a estrutura do Incra está sob o comando de um integrante da União Democrática Ruralista (UDR)”, descreve Stedile. 

O secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura é Nabhan Garcia: um dos que fundou a UDR em 1985, ao lado do atual governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). “Uma raposona cuidando do galinheiro, uma tragédia”, narra João Paulo.  

Já na presidência do Incra está Geraldo Melo Filho, dono de fazenda de gados e herdeiro de uma das maiores fortunas do Rio Grande do Norte. 

“Hoje, são mais de 90 mil famílias acampadas, resistindo para conquistar terra, casa e trabalho”, contextualiza Stedile. Em sua avaliação, “as ocupações voltarão com força, especialmente com a situação de pobreza, desemprego, subemprego e a informalidade do nosso povo”.

Edição: Rodrigo Durão Coelho/ Brasil de Fato