Titulação
“Objetivo do governo Bolsonaro é desestruturar a Reforma Agrária”, denuncia MST em Coletiva
Da Página do MST
Em um contexto de desastres ambientais, escândalos sobre corrupção e o aparelhamento do Estado por parte da gestão de Bolsonaro, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra reafirma que considera a terra como um bem comum, assim como os outros bens da natureza como a água, ar, sol e florestas.
Neste sentido, o MST articulou nesta terça-feira (31) uma coletiva de imprensa no Distrito Federal, em Brasília, com o objetivo de tornar público as denúncias sobre o desmonte da Reforma Agrária no Brasil frente à atual conjuntura política e a falácia do modelo de titulação do Bolsonaro, no contexto de combater a ideia de que estes bens se tornem mercadoria ou sejam privatizados por grupos privados, empresas, políticos e governos, a serviço do lucro e da destruição, como vem fazendo o governo Bolsonaro.
Atualmente, estima-se que mais de 90 mil famílias que necessitam de terra em todo Brasil. Ao invés de assentar estas famílias, Bolsonaro fez questão de paralisar a tramitação de 413 processos de desapropriação que estavam em andamento. Além disso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) abandonou mais de 187 processos autorizados pelo poder judiciário para imissão de posse.
O mais recente escândalo tem a ver com a compra de tratores com recursos de R$ 89,8 milhões que deveriam ter sido destinados a mitigar o impacto da pandemia, no âmbito de uma ação voltada a famílias de extrema pobreza da zona rural.
Alexandre Conceição da direção nacional do MST, trouxe um panorama mais aprofundado sobre a política de titulação levada à cabo pelo governo Bolsonaro. “A denúncia que queremos fazer é sobre o descaso, sobretudo do campo administrativo e da forma anticonstitucional, de como estas questões têm sido abordadas”, afirmou. “O verdadeiro objetivo do governo Bolsonaro é desestruturar a Reforma Agrária, colocando no comando raposas para tomar conta de galinhas”.
Titulação
Neste sentido, Alexandre também fez uma distinção sobre o modelo da titulação individual e do Titula Brasil, projeto pelo qual Bolsonaro tem feito propaganda. Desde seu lançamento, em fevereiro de 2021, o programa Titula Brasil foi divulgado pelo governo de Jair Bolsonaro como o grande salto de modernização no processo de titulação de terras públicas, mas, na prática, o que acontece é o total esvaziamento destas políticas.
“Hoje, os assentamentos têm 10% de área comunitária, pelo menos 20% de área de preservação ambiental,agrovilas, e os lotes produtivos; é assim um assentamento hoje. O que [Bolsonaro] quer é disputar isso, individualizar os lotes e as famílias (…), pois as famílias individualizadas não conseguem constituir a cadeia produtiva de qualquer alimento. Apenas a partir do coletivo é que você consegue organizar a cadeia produtiva”, explica.
Outro ponto mencionado durante a Coletiva de Imprensa foi a posição do Movimento em relação ao desmonte do Incra, que informou oficialmente a falta de verbas de livre destinação e determinou a suspensão de atividades. “O Incra não pode se transformar em instituição de manobra de latifundiário”, ressaltou Alexandre, que explicou como essa titulação distribuída por Bolsonaro tem um caráter provisório que não tem valor, tornando-se mais uma fake news sobre a reforma agrária neste governo.
A leitura que o MST faz deste processo é que o programa Titula Brasil promove a distribuição de títulos individuais em assentamentos, e assim, condena o retorno de suas terras ao mercado, uma vez que o Estado não terá nenhuma responsabilidade de conceder créditos, investir em infraestrutura, etc.
“Famílias não querem um papel: elas querem direito, o fomento, querem produzir alimentos saudáveis. Não é entrega de títulos ou papel, é combater o latifúndio, as grandes propriedades da terra improdutivas. Terra é patrimônio da humanidade, e assim, não pode ser mercadoria”, denuncia o dirigente.
Durante a Coletiva, o MST firmou o compromisso de tornar público uma nota que será entregue à Procuradoria-Geral da República (PGR), ao Supremo Tribunal Federal (STF), Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e demais órgãos institucionais, em Brasília sobre a titulação de Bolsonaro, com os pontos trabalhados durante o debate (confira o documento ao final deste texto).
Também participou da mesa a pastora Romi Bencke, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), que comentou sobre a luta pela terra nesta perspectiva. “A concentração da terra, a monocultura de alimentos, nos empobrece tanto no sentido econômico,(…) mas também humano. Ela gera violência e vem acompanhada do armamento da sociedade”, afirmou.
Bencke traçou um paralelo sobre a concentração de terra e a violência como propaganda ideológica, e reafirmou a situação perigosa da atual conjuntura. “Se o Brasil hoje está vendo a destruição da Mata Atlântica, da Amazônia, e outros biomas, é culpa do desmonte dessas políticas agrárias. Por isso, é importante focarmos juntos e juntas pelo respeito à Constituição Federal, pois ela favorece todos e todas nós”.
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, discursou sobre a necessidade deste encontro no momento. “Para mim é muito importante que possamos ouvir o MST, porque é um Movimento social que tem legitimidade para discutir a questão agrária, para reivindicar o cumprimento da função social da terra”, e destacou: “É muito importante a denúncia de que há uma manipulação do Incra que oferece títulos precários, quando na verdade são títulos que não estão no cardápio de possibilidades que está instituído na Constituição”.
Orlando Silva afirmou estar atento às denúncias sobre a necessidade das famílias e a garantia de direitos essenciais para o povo, ressaltando ainda a companha Despejo Zero, a qual o MST endossa. “É preciso estar muito atento à onda de despejos, em função da decisão que se encerra no próximo mês. Ainda no dia de ontem nós tivemos um encontro com o ministro do STF, Luis Roberto Barroso, onde nós reiteramos a necessidade de manutenção da decisão que o mesmo reservou, que impede os despejos,(…) para que evitemos uma tragédia”.
João Daniel, deputado federal (PT-SE) e presidente da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados, completou a mesa trazendo uma análise da necropolítica aplicada por Bolsonaro. “Pela primeira vez na história, após a redemocratização no Brasil, temos um governo perverso(…). Toda a política do governo do Bolsonaro é a destruição daquilo que foi feito em governos anteriores, conquistados com muita luta pelos movimentos”. O deputado fez um paralelo com a luta indígena e lembrou uma máxima dita por uma liderança indígena mulher à bancada ruralista:
“A diferença da terra para nós e para vocês é muito grande. Porque, para nós, ela nossa mãe. A nossa mãe não se vende, a gente cuida, ama e preserva.”
Em um cenário que, segundo o deputado, o governo “ri de assassinatos, chacinas e da morte, a missão da sociedade é lutar pela vida, trazendo consigo a defesa da preservação ambiental, dos povos indígenas e da reforma agrária”. João Daniel terminou lembrando sobre o relatório da violência no campo da CPT e como este tema está relacionado diretamente com esta luta. “A história da humanidade sempre foi reservada àqueles que lutam, que tem firmeza e tem projeto. A verdade vencerá e em breve poderemos ter uma retomada desse país, de um novo movimento democrático, popular, e com reforma agrária”.
Entrega das denúncias
Com o final das exposições, jornalistas de diferentes veículos de comunicação fizeram perguntas aos presentes, com destaque ao balanço das ações da Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária Popular, que este ano levantou o lema: “Por Terra, Teto e Pão”. Ao todo foram realizadas 28 ocupações de terras improdutivas, além de marchas, ações de solidariedade, audiências públicas, e projeções que o MST faz para o próximo período (confira o documento completo aqui).
“Nós do MST, que temos como objetivo central a luta pela terra e dela não abrimos mão, faz parte da nossa natureza, a luta pela reforma agrária e pela justiça social. Portanto, neste momento em que estamos atravessando”, concluiu Alexandre Conceição.
Confira abaixo documento na íntegra: