Violência no Campo

“Contexto na Amazônia é de terror”, afirma liderança extrativista da floresta

Para Claudelice da Silva Santos, Bolsonaro incentiva práticas criminosas na floresta Amazônica, como aquelas que assassinaram Bruno Pereira e Dom Phillips
Segundo líder extrativista, após 2019, quando Bolsonaro assume o governo, a garimpagem, pistolagem e grilagem, tomaram grandes proporções na Amazônia. Foto: Vicente Sampaio/Imaflora

Por Janelson Ferreira*
Da Página do MST

“Bolsonaro nunca protegeu a Amazônia”. É esta a avaliação de Claudelice da Silva Santos sobre a política do governo de Jair Bolsonaro para a floresta. Segundo a líder extrativista, após 2019, quando o atual governo assume, a garimpagem, a pistolagem e grilagem, tomaram uma proporção muito grande.

É diante deste cenário, que Bruno Pereira, indigenista, e Dom Phillips, jornalista, foram assassinados enquanto tentavam denunciar crimes ambientais que ocorrem na Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, fronteira com Peru e Colômbia.

No dia 5 de junho, Dom Phillips e Bruno Pereira foram vistos pela última vez, quando deixaram a comunidade São Rafael, localizada às margens do Rio Itaquaí. Eles estavam na região coletando depoimentos sobre a ocorrência de crimes ambientais. Ambos saíram rumo à Atalaia do Norte, por volta das seis horas da manhã. A viagem, deveria percorrer um trajeto de 70 km pelo leito do rio e durar cerca de 2h em um barco. Contudo, eles nunca chegaram ao destino final.

Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como “Pelado”, confessou o assassinato de ambos. O homem está detido pela polícia desde o último dia (7/6). Seu irmão, Osaney da Costa Oliveira, o “Dos Santos”, também foi detido nesta terça-feira (14/6) por suspeita de envolvimento no crime. Ele não confessou sua participação. Além de “Pelado” e “Dos Santos”, Jefferson da Silva Lima se entregou para a Polícia no sábado (18/6). Ele, que já era procurado, confessou participação no assassinato do indigenista e do jornalista.

No último domingo (19/6), as equipes de busca informaram terem encontrado o barco que Bruno e Dom utilizavam no momento em que foram mortos. Segundo o próprio Amarildo, após matarem os dois, os assassinos utilizaram sacos de areia para afundar a embarcação. 

Claudelice da Silva Santos, líder extrativista. Foto: GUE/NGL

Para Claudelice da Silva Santos, Bolsonaro é o principal motivo do crescimento das ameaças contra defensores da floresta. “Ele já disse várias vezes que está do lado dos garimpeiros e madeireiros”, afirma Claudelice. “E quem tenta denunciar isto, como Bruno e Dom faziam, além de vários outros defensores, é silenciado”, complementa.

Além de liderança extrativista, Claudelice coordena o Instituto que leva o nome de seu irmão, José Cláudio Ribeiro dos Santos, e de sua cunhada, Maria do Espírito Santo, que também eram extrativistas. Ambos foram assassinados em uma emboscada de pistoleiros, perto do lote onde viviam, no Projeto Agroextrativista (PAE) Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, Pará. Os dois foram assassinados a mando do fazendeiro José Rodrigues Moreira por denunciaram a grilagem de terras, o desmatamento ilegal e o roubo de madeira no assentamento. “Apesar de 11 anos separarem os dois casos, eu vejo muitas semelhanças, e a principal delas é a completa omissão do Estado”, explica.

Empenhada em seguir o legado de seu irmão e cunhada de denunciar os crimes contra a floresta, a liderança é vítima de uma série de ameaças. Zé Claudio e Maria foram declarados, postumamente, Heróis da Floresta pela ONU. O prêmio, concedido a pessoas que contribuíram para proteger as florestas e suas comunidades, foi dado pela Secretaria do Fórum das Nações Unidas sobre Florestas (UNFF), em 2012.

Após a confirmação da morte de Bruno Pereira e Dom Phillips, Claudelice concedeu entrevista para a página do MST, na qual, entre outros temas, denunciou o vínculo entre o governo Bolsonaro e as ameaças como aquelas que Bruno e Dom sofriam. Confira a íntegra da entrevista:

Como você vê esse caso do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips?

Apesar de 11 anos separarem os assassinatos de Zé e Maria, de Dom e Bruno, eu vi muitas semelhanças nos dois casos. A principal delas é a completa omissão do Estado, principalmente, sobre casos de ameaças de morte contra defensores que já tinham recebido outras ameaças e nada é feito. No caso de Bruno, ocorreu o contrário, ele recebeu sua exoneração.

Qual o contexto atual vivido pelos povos da Amazônia?

O atual contexto na Amazônia é de terror. Eu não teria outro termo para dizer frente ao que nós estamos passando. É terror no campo, na floresta, nas pequenas e até grandes cidades amazônicas.

Por que um cenário de terror?

Até o governo Bolsonaro, certas práticas ilícitas eram praticadas. Mas havia um controle, fiscalização. No entanto, após ele assumir a Presidência, este controle simplesmente deixou de existir. Então, a garimpagem, pistolagem, grilagem tomaram uma proporção muito grande. Isto tudo com aliados políticos poderosos da região. Sendo assim, o contexto, que já era de violência velada, se tornou este terror, que é a forma mais bruta de tentar silenciar, calar, torturar e assassinar quem denuncia e resiste a este tipo de exploração. O cenário é de completa ausência do Estado, aliada ao alinhamento do principal representante do Estado brasileiro às pessoas que exploram a Amazônia e seu povo. Bolsonaro é aliado delas. Aliado com o que elas fazem. E eu não falo só da exploração, mas também da forma como eles praticam este terror.

Foto: Bruno Kelly/Greenpeace/AFP

Diversos relatórios publicados no último período, como aqueles elaborados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), apontam para o crescimento significativo das ameaças a ambientalistas e defensores de direitos humanos na Amazônia. De onde partem essas ameaças?

Partem de fazendeiros, grileiros, deste latifúndio que oprime o povo que luta pela terra. Partem de madeireiros ilegais, políticos, empresários e, inclusive, do próprio Estado brasileiro. Ou seja, não podemos contar com o apoio nem do Estado. Não podemos contar com este governo. Além disso, o narcotráfico tem se fortalecido na Amazônia durante o governo Bolsonaro. Esta é uma situação que deve ser investigada, observada de modo mais profundo.

E qual seria o principal motivo o crescimento destas ameaças?

O motivo é Bolsonaro, não tem outro motivo. Essa figura que está na presidência é alinhada aos principais ameaçadores da floresta Amazônica, sejam eles nacionais ou internacionais. É o próprio presidente quem sucateia o Estado. Diversos órgãos eram responsáveis pelo controle e fiscalização da Amazônia. Não era a política ideal, mas existia. Agora, acabou tudo. E quando há funcionários públicos que se propõem a fazerem alguma coisa, acontece o que ocorreu com Bruno, que foi exonerado. Bruno ia para o enfrentamento junto com a comunidade, junto com a base que ele trabalhava, com os povos indígenas. Então, o Estado interfere diretamente dentro do território, fragilizando as lutas e dando esta carta branca para o terror, para a morte e para os assassinatos.

Jornalista Dom Phillips, assassinado no dia 5 de junho na Amazônia. Foto: João Laet/Repórter Brasil

Bolsonaro, desde sua campanha, resgata um discurso ufanista acerca da proteção e defesa da Amazônia. Mas, com o caso de Dom Phillips e Bruno, uma série de contestações surgem a esse discurso e à prática concreta de proteção executada pelo atual governo. É possível afirmarmos que o governo Bolsonaro realmente protege a Amazônia?

Bolsonaro nunca protegeu a Amazônia. As ações falam muito mais do que qualquer coisa que saia da boca dele. E o que ele fez? Simplesmente, destruiu os órgãos que tem algum tipo de ação benéfica para a Amazônia. Como alguém que age desta forma pode ser considerado alguém que protege, que se importa com a Amazônia. Bolsonaro não tem nenhum tipo de preocupação. Ele já disse várias vezes que está do lado dos garimpeiros e madeireiros. É alinhado a diversos políticos da região que são completamente contra os povos indígena e os demais que lutam pela terra e pelas águas. E quem tenta denunciar isto, como Bruno e Dom faziam, além de vários outros defensores, é silenciado.

E estas tentativas de silenciamento são práticas recentes?

Este modo de silenciamento é antigo, mas no atual governo está, especialmente, cruel, em um formato que nos rasga a carne, porque sabemos que o caso vai ficar impune, não vai chegar nos verdadeiros mandantes. Vai chegar em um pistoleiro ali, acolá, talvez até um intermediário. Mas a impunidade vai imperar e já sabemos o desfecho. Foi assim em Eldorado do Carajás, quando o próprio Estado realizou o massacre e ninguém foi punido. Foi assim no Massacre de Pau d’Arco. Assassinatos e mais assassinatos. E o que vemos é a omissão do Estado e, em outros casos, a participação direta dele. Enquanto isso, os reais mandantes, aqueles que se beneficiam da exploração do garimpo, madeira, pesca, do tráfico, não chegará neles. Esses são muito poderosos. São políticos, empresários, que nem na Amazônia moram, alguns vivem até fora do país. E quem está lá na base lutando, fica com sete palmos de terra.

Indigenista, Bruno Pereira, assassinado no dia 5 de junho na Amazônia. Foto: Daniel Marenco/Agência O Globo

Bruno, apesar de ser considerado um dos principais indigenistas do país, foi exonerado de suas funções na Funai em 2019. É possível que esta exoneração seja um exemplo do sucateamento de órgãos como a Funai, Ibama e o Incra? Este sucateamento é ocasional ou é provocado? Caso seja provocado, quem o provoca?

A exoneração de Bruno é o modo mais clássico que o Estado Brasileiro, sobretudo no governo Bolsonaro, tem feito para sucatear a parcela de funcionários públicos que realmente fazem um trabalho sério, compromissado. Este sucateamento vai na ferida das comunidades, que precisam do trabalho destes funcionários comprometidos. Lógico que este tipo de funcionário não ia ficar nesse governo, porque o que ele quer são funcionários aliados ao crime e a quem o pratica. Bruno enfrentava isso. Dentro da Funai, do Incra, tem diversos servidores sérios, compromissados com a luta, com as causas de verdade e que são perseguidos, respondem processos administrativos, que têm suas vidas reviradas. Isto é feito para intimidar, para exonerar quem defende um trabalho público de qualidade, seja na proteção dos povos ou do território. Esse é um ataque às lutas. E é prática recorrente do governo Bolsonaro, que, além de sucatear, adota outras medidas prejudiciais, como a falta de equipamentos para o trabalho e a mudança rápida de leis em benefício dos criminosos. Então, estamos sendo assassinados todos os dias por este governo. Ele faz parecer normal as pessoas desaparecerem, serem assassinadas, mortas em câmaras de gás. Isto é um cenário presente no campo, nas florestas e na cidade também. Este é um governo de morte e deve ser parado!

* Esta é a primeira parte de uma série que será publicada na página do MST sobre o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips. A série buscará abordar elementos que destaquem o cenário político, social e econômico que o Brasil vive atualmente e que estão conectados com as mortes do indigenista e do jornalista.

Confira a primeira reportagem da série AQUI.

**Editado por Solange Engelmann