Ocupação

Há 32 anos, o MST fazia primeira ocupação de terra no Pontal do Paranapanema

Em 14 de julho de 1990, cerca de 800 trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra ocupavam a fazenda Nova Pontal, em Rosana, reivindicando Reforma Agrária.
Foto: Jornal O Imparcial, acervo do CEMOSi/UNESP

Por Diógenes Rabello e Fernando Mendonça Heck

A região do Pontal do Paranapanema, ou 10ª Região Administrativa do estado de São Paulo de acordo com a regionalização político-administrativa, está localizada no extremo Oeste paulista, sua formação territorial remonta aos meados do século XIX. A ocupação deste território se deu, primeiramente, com a chegada dos primeiros invasores que, num ato de extrema violência física e simbólica, como o genocídio das populações indígenas que aqui viviam e a derrubada da Mata Atlântica, que era a cobertura vegetal original, iniciaram o processo violento de grilagem de terras. A partir daí começaram as divisões das terras em grandes grilos, sendo os maiores a Fazendo Pirapó-Santo Anastácio, Fazenda Boa Esperança do Aguapei, Fazenda Três Ilhas e Fazenda Cuiabá.

Em 1850, com a aprovação de Lei Terras, estes grileiros começam e ter seu domínio de posse das terras questionados pelo Estado. A partir daí começam diversas manobras para a legalização destas terras, que se dão, sobretudo, pela falsificação de documentos. Sem conseguir provar o domínio da posse, os grileiros começar a dividir as grandes fazendas e vender partes delas e assim foram se formando, ao longo da história, os latifúndios, marco da concentração de terras que perdura até os dias atuais no Brasil.

Essa concentração fundiária gera uma enorme contradição na sociedade. No momento em que o Brasil retorna para o mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), atingindo 33 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, ao passo em que mais de 10 milhões de trabalhadores e trabalhadoras se encontram em situação de desemprego, manter uma estrutura fundiária que beneficia somente a produção de commodities, às custas da destruição e contaminação ambiental e da saúde humana, é retirar o direito constitucional do acesso à terra e de oferecer possibilidades de melhoria das condições de vida da população pela vida da Reforma Agrária. Seja pelo trabalho com a terra e geração de renda ou pela ampliação da produção de alimentos saudáveis para abastecer as mesas dos brasileiros e das brasileiras, preservando o ambiente.

Questionando esta estrutura desigual, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra surge como movimento social de massa para organizar os trabalhadores e as trabalhadoras Sem Terra em torno da pauta da Reforma Agrária. No Pontal do Paranapanema a primeira ocupação de terras aconteceu no dia 14 de julho de 1990, na fazenda Nova Pontal, localizada no município de Rosana.

Desde então, o movimento tem protagonizado lutas pela arrecadação destas terras públicas devolutas. Toda essa trajetória de luta foi conflituosa, com inúmeros episódios de violência física e material por parte dos jagunços contratados diretamente pelos latifundiários locais ou mesmo pelas ações repressivas da polícia militar.

Fotos: Jornal O Imparcial, acervo do CEMOSi/UNESP


Esta ocupação é considerada um marco no processo de espacialização do MST na região do Pontal do Paranapanema. Embora as negociações para a arrecadação das terras da fazenda Nova Pontal para a Reforma Agrária não tenham avançado, pois foi expedida ordem de despejo para as famílias acampadas, a experiência demonstrou a capacidade organizativa destes trabalhadores e trabalhadoras ao questionar a legitimidade das posses das terras griladas. Tanto é, que após o despejo estas famílias mantiveram a organização da luta acampando às margens da rodovia SP 613.

Foto: Jornal O Imparcial, acervo do CEMOSi/UNESP
Foto: Jornal O Imparcial, acervo do CEMOSi/UNESP

Fruto desta trajetória de luta do MST organizando a classe trabalhadora no campo, hoje a região é formada com 117 assentamentos rurais, abrigando cerca de 7 mil famílias camponesas. São cerca de 170 mil hectares de terras arrecadadas para a Rreforma Agrária. Temos, hoje, assentamentos que contam com infraestrutura de associações, cooperativas, escolas, postos de saúde, agroindústrias, templos religiosos, armazéns e outros. Também espaços que buscam o envolvimento da comunidade através do lazer, como campos de futebol e quadras poliesportivas.

Estas famílias estão envolvidas com uma diversidade enorme de atividades. O local em questão é uma das maiores bacias leiteiras da região. Tradicionalmente produzem alimentos diversificados, com foco em hortifrutigranjeiros, mandioca, milho e outros alimentos. Dedicados na criação de carne bovina, suína e de aves para consumo familiar e geração de renda. E buscam se envolver nos espaços de participação política e debates públicos acompanhando as ações e decisões político-administrativas que impactam diretamente a nossa vida.

Foto: Diógenes Rabello

Todo esse trabalho com a terra, dedicado na produção de alimentos, é impactado diretamente com a os cortes orçamentários nas políticas públicas e formas de acesso à comercialização, sobretudo após o golpe de 2016, como é o caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Essa grande quantidade de terras devolutas que deveriam ser arrecadadas para a assentar famílias Sem Terra está, agora, frente ao mais novo golpe na política agrária do estado de São Paulo. No último dia 29 a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou o Projeto de Lei 277/2022 [linkar:
https://mst.org.br/2022/06/29/assembleia-legislativa-de-sp-vota-pl-que-privatizara-1-
milhao-de-hectares-de-terras-publicas/], de autoria de deputados da base governista e aliados da burguesia agrária paulista. Este PL tem como objetivo criar o Programa Estadual de Regularização de Terras, que na prática entrega as terras públicas devolutas para os latifundiários grileiros, que somam cerca de 1 milhão de hectares em todo o estado. Ele autoriza o governo estadual, por intermédio da Secretaria da Fazenda do Estado, a implantar a regularização fundiária de terras públicas acima de 15 módulos.

Foto: Diógenes Rabello

Trata-se, portanto, da legitimação da grilagem de terras no estado. Somente a quantidade de terras que poderão ser regularizadas em favor dos latifundiários grileiros no Pontal do Paranapanema poderiam formar cerca de outros 300 assentamentos rurais, beneficiando mais de 20 mil famílias Sem Terra. Com essa mudança da estrutura fundiária no Pontal do Paranapanema a sociedade avançaria no combate a fome, na Soberania Alimentar, na preservação do meio ambiente e na diminuição dos contrastes sociais. Por isso, a luta pela terra e Reforma Agrária são pautas essenciais no enfrentamento à atual conjuntura de ataque aos direitos do trabalhador e trabalhadora do campo.

Mas, mesmo com avanços concretos para a Reforma Agrária, a pauta da arrecadação de terras ainda é emergente para o MST no Pontal do Paranapanema, que, mais do que nunca se configura como uma pauta de toda a classe trabalhadora diante da conjuntura atual. Cerca de 150 mil hectares de terras com processo transitado e julgado como devolutas e mais de cerca de 540 mil hectares em fase discriminatória, somam o estoque de terras devolutas griladas no Pontal. Terras que historicamente serviram aos interesses do agronegócio, hoje estão ocupadas com cana-de-açúcar para enriquecimento de grupos empresários estrangeiros e com pecuária extensiva, enriquecendo os latifundiários grileiros da região.

Editado por Maiara Rauber