Organização Popular

Cozinhas populares: um exercício de luta por direitos e organização popular

Treze cozinhas comunitárias hoje recebem apoio e doações do coletivo Marmitas da Terra
Juliana de Souza, militante da União de Moradores e Trabalhadores (UMT) ressaltou que, até agosto de 2020, recebiam marmitas prontas, porém houve o incentivo para montar uma cozinha semanal. Foto: Pedro Carrano

Por Pedro Carrano
Do Brasil de Fato Curitiba (PR)

No dia 2 de agosto, uma reunião entre 13 cozinhas comunitárias, organizadas por movimentos sociais e entidades, em Curitiba e região metropolitana, aconteceu no alojamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e foi um resumo do que os/as trabalhadores/as viveram desde o início da crise econômica e da pandemia: na encruzilhada entre a fome e a solidariedade de classe.

Desde maio de 2020, o MST criou o coletivo chamado Marmitas da Terra, que é um verdadeiro caldo de misturas de experiências de organização popular, via preparo de marmitas para a classe trabalhadora. O coletivo, semanalmente, produz mais de 1100 refeições, distribuídas nas ruas e em áreas de ocupação.

“Não estamos fazendo caridade, aqui fazemos a solidariedade de classe”, afirmou Marco Antônio, um dos coordenadores da iniciativa.

Nesse espírito, o coletivo tornou-se um incentivador, fornecendo para organizações enraizadas nos bairros apoio, doações e insumos, cerca de 13 toneladas de alimentos produzidas apenas no assentamento Contestado (Lapa – PR). Esse ombro amigo fortaleceu e inclusive ajudou a criar experiências de cozinhas comunitárias e populares.

Na noite de doação de oito toneladas de arroz da empresa Raízes da Terra para as comunidades, Juliana de Souza, militante do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) e da União de Moradores e Trabalhadores (UMT) ressaltou que, até agosto de 2020, recebiam marmitas prontas, porém houve o incentivo para montar uma cozinha semanal, hoje localizada na Vila Maria e Uberlândia, região do bolsão Formosa, na periferia de Curitiba.

Agora já são duas cozinhas na região, uma delas noturna, na vila Formosa, voltada para carrinheiros e moradores em situação de rua. “A partir das cozinhas, nos capacitamos, fizemos cursos, de manipulação de alimentos a comunicação popular”, ressalta Juliana. Parcerias ainda são feitas nessa caminhada, como ressaltou o coordenador da cooperativa de carrinheiros Novo Amanhecer, localizada na Cidade Industrial, Antônio de Jesus Cardoso de Lima Filho.


Se o atual governo desde o início não dá saída para essa situação trágica, por outro lado a classe trabalhadora se organiza em meio à grave crise social. Foto: Giorgia Prates

Iniciativas de organização popular e combate à fome

A fome se alastra no Brasil de Bolsonaro. Passou de 19 milhões para 33,1 milhões de pessoas em pouco mais de um ano. O que força a população a busca de ossos, ameaça de romper vidraças de mercados, cada vez com os itens básicos mais caros. Causa desespero nas casas e nos sinaleiros.

Se o atual governo desde o início não dá saída para essa situação trágica, por outro lado a classe trabalhadora se organiza em meio à grave crise social. É o caso do Grupo Afro Cultural Ka-naombo, que recentemente retomou suas atividades que envolvem a produção de uma cozinha, no bairro Sítio Cercado, zona sul de Curitiba. Vera Paixão, coordenadora do grupo, afirma que ou o povo “se movimentava ou então a gente morria”, diz.

Outra experiência importante é a da Casa de Passagem Indígena, espaço conquistado há oito meses, a partir de lutas. De acordo com a liderança Silas Ubirajara Donato De Oliveira, a produção alimentar na casa envolve produção e cultura próprias do modo indígena. A pandemia afetou cada comunidade, explica, “Houve tentativa de impedir o trânsito das pessoas de uma cidade a outra para venda de produtos”. Hoje, a Casa abriga cerca de 60 pessoas, entre adultos, crianças e idosos e em média quatro novas famílias a cada semana.

Fome na rua

Dirigente do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), Leonildo José Monteiro Filho, aponta as dificuldades de uma população que aumenta, depara-se com a ausência de direitos básicos, e ainda sofre com o fato de a própria doação muitas vezes não ser saudável e de qualidade.

“Na rua, eu não chego a sessenta anos. Mas a gente sobrevive até hoje. Não podemos acessar a saúde por falta de comprovante de endereço, não podemos ter um direito básico por falta de comprovante. A rua tá cansada de ser enganada. Muitos domiciliados estão indo para a rua, já são mais de 12 mil moradores de rua no Paraná”, afirma.

A cozinha de áreas de ocupação, caso da Nova Esperança, em Campo Magro, do Movimento Popular de Moradia (MPM) e da ocupação recente chamada Povo sem Medo, no Tatuquara, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), são formas de consolidar a comunidade, apoiar as famílias que vivem na ocupação. Um exercício de envolvimento e educação política. Juntando o número de pessoas das duas ocupações, são mais de 1500 famílias atendidas. “Que o direito à moradia não passa apenas pela casinha, mas pelos direitos básicos”, reflete Valdecir Ferreira, o Val, da coordenação do MPM.

Edição: Frédi Vasconcelos