Mostra de Arte

MST ocupa o MASP com “Retomadas” e “Fala da Terra”

Após reviravoltas, Sem Terra se apresentaram como sujeitos de sua própria história ocupando as principais mostras do museu
Intervenção do MST no MASP. Foto: Gui Frodu

Por Lays Furtado
Da Página do MST

O MST foi ovacionado na noite desta quinta-feira (25), na abertura da exposição Histórias Brasileiras, durante vernissage no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), após militantes do Movimento realizarem uma intervenção política no museu.

A apresentação dos trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra marcou a participação do Movimento, que integra obras em dois espaços distintos do museu. Um deles integrado ao núcleo “Retomadas”, que leva curadoria de Sandra Benites e Clarissa Diniz. E outro, exposto na Sala de Vídeo, com a obra “Fala da Terra” de autoria de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, feita em conjunto com o Coletivo Banzeiros, do teatro popular do MST, em exposição concomitante ao Histórias Brasileiras.

Além de militantes, o evento recebeu artistas, apoiadores e personalidades do mundo das artes. Durante o ato no vernissage, Sem Terra entoaram a música “Canção da Terra”, de Pedro Munhoz, levantando suas bandeiras de luta em coro coletivo nos espaços da mostra.

Retomar o Retomadas

Em maio deste ano, parte do acervo do núcleo Retomadas, que inclui obras relacionadas ao Movimento, foram vetadas da exposição. O que ocasionou indignação e a demissão das curadoras do núcleo, Sandra Benites e Clarissa Diniz, que repudiaram os vetos do museu.

A partir da repercussão negativa dos vetos das obras, que incluíam fotos de André Vilaron, Edgar Kanaykõ Xakriabá e João Zinclar, o museu voltou atrás sobre a medida restritiva, reconsiderando a inserção das mesmas na exposição.

Após negociar as condições, as curadoras aceitaram o convite institucional do museu de retomar o núcleo da mostra, que havia sido cancelada em protesto à medida institucional.

A exposição vem à tona em comemoração ao marco do Bicentenário da Independência do Brasil, onde o MASP “oferece novas narrativas visuais, mais inclusivas, diversas e plurais”, segundo a instituição.

Movimento foi ovacionado em intervenção na abertura da exposição Histórias Brasileiras, no MASP. Foto: Gui Frodu

Antes da intervenção, em sala reservada para a concentração de militantes do Movimento, Clarissa Diniz – que esteve junto com Benites, na linha de frente do enfrentamento contra os vetos do MASP –  relembrou o histórico do núcleo Retomadas e dos sentidos de sua criação.

Nesse sentido, retomar o Retomadas, trata-se de tomar de volta o que foi roubado pela colonização: o pleno direito a habitar e a pertencer aos seus territórios e seus modos de ser, de viver e de pensar. “Não dá mais pra aceitar essas histórias sem a presença de seus sujeitos”, afirmou Clarissa. Ela também desejou à todas as pessoas envolvidas na atividade “saúde e força nessa guerra que a gente sabe que não acaba aqui”, indagou a curadora.

Sandra Benites, que também assina a curadoria da mostra e a primeira indígena curadora do museu, manifestou sua emoção em finalmente poder concretizar a mostra após a derrubada dos vetos.

“Estou sentida, sentida não de modo negativo, mas de modo emotivo, por conta desses acontecimentos, acho que isso vai ajudar a gente a ter uma maior reflexão sobre essa questão, e vai ser muito importante também pra nossa resistência a gente se colocar nesse lugar de enfrentamento”, afirmou Sandra.

Foto de Edgar Kanaykõ faz parte do acervo que foi vetado e agora está exposto na mostra

Para Douglas Estevam, do Coletivo de Cultura do MST e integrante da intervenção no MASP, retomar o núcleo do Histórias Brasileiras significa “retomar essas histórias no plural, nesse contexto do Bicentenário da Independência. E numa conjuntura eleitoral tão intensa, numa conjuntura política, mais do que eleitoral, com essas forças de extrema direita disputando também no campo cultural e no imaginário de país, uma referência de país.”

Como parte dos acordos firmados com o museu para retomar o núcleo, as curadoras exigiram que fotos da mostra que ilustram o MST e indígenas fossem distribuídos gratuitamente durante a exposição.

Após todo o debate envolta do Retomadas e para registrar a trajetória do núcleo, foi lançada também na quinta-feira (25), na plataforma Catarse, uma campanha de arrecadação para a criação de um livro “Retomadas: o debate”, que visa angariar R$100.000 para viabilizar uma publicação online e impressa, bilíngue e de distribuição gratuita.

Fala da Terra

Após ser lançada em mostra no New Museum em Nova Iorque, a obra ‘Fala da Terra’ estará disponível na Sala de Vídeo do MASP, em sua estreia nacional.

A criação foi realizada por meio de um convite de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca ao Coletivo de Cultura do MST, na construção de um retrato do imaginário rural brasileiro, desenvolvido a partir de investigação e observação documental.

Para Bárbara Wagner, “o filme é uma provocação àqueles que estigmatizam o maior movimento social da América Latina, mostrando uma nova geração de militantes que utilizam o teatro pedagógico como ferramenta de luta.”

Registro da obra “Fala da Terra”, em exibição na Sala de Vídeo do MASP

O vídeo apresenta o trabalho do Coletivo Banzeiros, grupo de teatro composto por integrantes do MST que vivem e atuam entre as zonas rural e urbana de Marabá e Parauapebas, no sudeste do Pará – região emblemática historicamente nos marcos de luta pela terra no país.

“A obra ‘Fala da Terra’, tem origem na urgência de entender a complexidade do ‘sujeito’ Sem Terra a partir de sua prática artística, elemento fundamental na organicidade do MST”, afirmou Bárbara.

“Principalmente na região Amazônica, alvo histórico de violências contra o território e seus povos. É muito revelador que o Coletivo Banzeiros atue exatamente no cenário do maior massacre de trabalhadores da história do Brasil”, mencionou Benjamin de Burca, se referindo ao Massacre de Eldorado do Carajás, que ocorreu há 26 anos na região, deixando 21 trabalhadores rurais assassinados por forças policiais a mando do Estado.

*Editado por Solange Engelmann