Coluna Aromas de Março

Outubro, mês de eleições, mês das bruxas

"A caça às bruxas constituiu uma estratégia deliberada, utilizada pelas autoridades com o objetivo de difundir o terror, destruir a resistência coletiva, silenciar comunidades inteiras... foi sobretudo um meio de desumanização..." (Calibã e a Bruxa - Mulheres, corpo e acumulação originária. Silvia Federici)
Foto: Mídia Ninja

Por Setor de Gênero do MST
Da Página do MST

No dia 02 de outubro vivenciamos o primeiro turno das eleições brasileiras, definindo os futuros representantes do povo no parlamento federal e estaduais, também algumas representações de executivos estaduais e nacionalmente projetou-se o 2º turno.

A campanha eleitoral realizada pelo atual presidente assume um tom de ampliação da defesa de temas reacionários, colocando pautas caras aos movimentos feministas, negros e da diversidade sexual como centro da geração de notícias falsas, disseminadas por diversas redes sociais em uma velocidade assustadora e impossível de serem desmentidas no mesmo ritmo.

Na ânsia de rebater as “acusações” e garantir os votos necessários, o campo progressista perde a capacidade de politizar o processo, centralizar a pauta e construir contra-argumentos qualificados e com conteúdos que possam ajudar a avançar na cimentação de direitos essenciais.

Nada de novo até aí. Nas últimas eleições brasileiras, as pautas conservadoras têm dado o tom do debate, seja a descriminalização do aborto, a transição de sexo ou a união homoafetiva, elas entram em cena como se fossem apenas questão de opinião, de ser contra ou a favor, como se não envolvessem um projeto de sociedade, de cidadania, de garantia de direitos etc.

Nos cabe, no entanto, nos perguntar: por que a criminalização do aborto? Por que a defesa de um ideal de família que nunca existiu de fato? Por que o incômodo com as conquistas dos direitos civis dos sujeitos da diversidade sexual?

Não seria plausível imaginar que, num processo eleitoral, o enfrentamento à fome, a garantia do acesso à saúde e educação de qualidade, a defesa do meio ambiente, a geração de trabalho e renda pudessem ter maior importância?

Por que é tão necessário a este projeto de poder prender os corpos das mulheres e das dissidências sexuais a valores de subjugação e violência?

Seria possível estabelecer um paralelo entre este processo eleitoral e a criminalização que no passado instituiu as fogueiras da inquisição, levando a morte de milhares de mulheres? Não estaríamos ateando fogo a novas fogueiras, agora do feminicídio, da violência doméstica, da fome, do estupro, da gravidez na adolescência e da transfobia (lembrando que nesse segmento o Brasil tem tido recorrentes recordes)?

A permanência dessas pautas no centro do processo eleitoral, nas disputas de eleitores religiosos ou não, nos aponta que precisamos enfrentá-las mais seriamente em outros períodos. Não como questões secundárias ou identitárias, mas como parte de um projeto popular, um projeto que ajude a superar as raízes da violência social, patriarcal e racial, que alicerça a formação social brasileira.

Necessitamos realizar um amplo debate, trazendo como princípio a liberdade, não nos parâmetros burgueses, mas a liberdade de corpos e territórios, de corpos-territórios, que viabilize, mais do que a descriminalização do aborto, o direito à terra e ao teto no campo e na cidade, o direito a alimentos culturalmente estabelecidos e nutricionalmente adequados, o direito a ser quem se é, ao trabalho e ao lazer, o direito à festa e ao gozo.

Vale destacar que esta não deve ser somente uma pauta das mulheres e das LGBTQIA+ eleitas, isso porque o conservadorismo afeta a todos/as. Mesmo que os números do Congresso indiquem um aumento da representação feminina, chegando pela primeira vez a 18% das cadeiras na Câmera Federal, as análises desses dados nos rementem para um aumento da participação de mulheres do campo conservador, ou seja, essa ampliação da representatividade não significa que teremos avanços nas pautas históricas da luta feminista, nem nas pautas gerais da classe trabalhadora.

Por outro lado, a articulação dos movimentos sociais urbanos e rurais para disputar o parlamento também garantiu uma boa representatividade nas Câmeras Estaduais e Federal, ampliando a participação indígena no Congresso e, pela primeira vez, garante a representação de mulheres trans.

Ainda assim, não é possível que assuntos que são estruturante do cotidiano social sejam colocadas como de responsabilidade de determinados setores, ao contrário, devem ser de responsabilidade de todas as pessoas que defende a construção de uma sociedade livre de iniquidade e violência. Venceremos!

*Editado por Maria Silva