Reforma Agrária Popular
Comunidade do MST premiada por recuperar a Mata Atlântica conquista assentamento
Por Barbara Zem, do Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR
Da Página do MST
Após 21 anos de luta, a comunidade agroflorestal do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) José Lutzenberger, localizada em Antonina (PR) comemora a conquista definitiva da terra.
Atualmente, 20 famílias de camponeses vivem na comunidade, localizada em parte da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaraqueçaba, litoral do estado. Antes da chegada dessas famílias, a área não era cuidada e não cumpria função social, era um território devastado pela pecuária extensiva de búfalo e por crimes ambientais, como o desvio do leito do Rio Pequeno, que atravessa o território.
Jonas Souza, produtor agroecológico e integrante da coordenação da comunidade fala da alegria de toda a comunidade pela conquista definitiva da terra. “Estamos muito felizes agora com esse reconhecimento de que a área se torna uma área pública novamente, que dá a garantia das famílias permanecerem naquele espaço, e fazer esse resgate de todo esse conhecimento tradicional que a gente perdeu nessas décadas, nesses últimos 100 anos de desenvolvimento econômico, que atrapalhou e muito as condições da vida das populações que aqui vivem”.
A área foi ocupada em 2004, e desde então as famílias sofriam com ameaças de despejo pelo proprietário. Porém, com a consolidação das famílias na área, e um intenso trabalho de recuperação ambiental e produção agroecológica, o pedido de reintegração de posse foi convertida em indenização ao proprietário pela Vara Cível da Comarca de Antonina.
O território, localizado na Fazenda São Rafael, quando ocupado pelas famílias, começou a realizar produção agroecológica e orgânica, as famílias sempre mantiveram um diálogo com a sociedade no entorno e mostraram o processo que foi realizado na área, onde essas famílias vinham construindo e melhorando o espaço.
Apesar de o proprietário ter recorrido da decisão, a juíza atendeu a um pedido da comunidade na busca de soluções pacíficas. Com o acompanhamento da Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná foram estabelecidas negociações entre a comunidade e o proprietário da área.
Somente após 11 audiências de mediação, o Estado do Paraná assumiu o compromisso de respeitar os interesses de permanência dos moradores na área. Esse ato, por conta de todo o histórico de violência no campo, foi compreendido pela comunidade e movimentos sociais como um avanço democrático.
A partir de agora, o Estado do Paraná, em conjunto com as famílias que vivem na área e pesquisadores de instituições como a Universidade Federal do Paraná, seguiram em diálogo para que a comunidade continue produzindo alimentos saudáveis, como já é feito, sempre respeitando a biodiversidade local da Mata Atlântica.
A produtora agroecológica e integrante da coordenação da comunidade Sara Dalila Wandenberg Dos Santos expressa o sentimento das famílias, após tantos anos de trabalho coletivo para a consolidação do assentamento: “Eu sempre tive sentimento de pertencimento para o lugar onde moro, mas ter esse direito reconhecido legalmente funcionou em mim como aclamação. É realmente uma vitória, em alguns momentos chega a faltar palavras para expressar, e é onde as lágrimas são conforto, pois com elas é possível perpassar por todos os anos vividos. Eu sempre alimentei em mim a certeza que iríamos conquistar esse direito”.
De área degradada para exemplo de produção agroflorestal
Quando as famílias chegaram no espaço, lá em 2004, se depararam com um solo devastado por conta da utilização de agrotóxicos e pela criação de búfalos na área, que é uma atividade incompatível com o Plano de Manejo de uma área de proteção ambiental.
Uma dificuldade encontrada na área foi o fato do lençol freático ficar próximo ao solo, cerca de 60 centímetros abaixo da terra, e com a criação de búfalos, houve uma compactação e rebaixamento do solo. Além do desmatamento e desvio do curso do Rio Pequeno, localizado dentro da área onde fica a comunidade, gerando maior degradação ambiental e empobrecimento do solo.
Foi necessário realizar um trabalho para recuperar a degradação ambiental que o terreno sofreu, após todo o processo e a recuperação da mata ciliar, o Rio Pequeno retornou ao seu curso após a ocupação. Além dessas melhorias, a comunidade também se destaca pela produção de alimentos agroecológicos.
Cerca de 90% da produção da cooperativa local serve de alimentação às crianças das escolas estaduais de quatro municípios da região (Guaratuba, Morretes, Antonina e Pontal do Sul), pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Além disso, os agricultores também participam de feiras na região e comercializam cestas de produtos a moradores locais.
O desenvolvimento da comunidade Lutzemberger mostra os benefícios da forma organizativa das famílias Sem Terra, como explica Jonas: “As famílias, hoje, têm a sua renda, conseguem desenvolver algumas coisas que eram sonhos delas, de melhoria de casa. Agora com a consolidação da área, da pra planejar melhor isso, ter essa segurança de poder fazer esse planejamento, tanto nas coisas individuais quanto coletiva. É um processo que avançou muito, nisso ganha todo mundo, a natureza ganha, as pessoas que vivem nessa inserção ganham”.
Por conta deste trabalho, em 2017 a comunidade recebeu o prêmio Juliana Santilli de Agrobiodiversidade.
A comunidade Lutzenberger e a resistência camponesa e caiçara no litoral
Jonas Souza frisa que a região onde está a comunidade já foi um território tradicional, com população caiçara, indígena, remanescente de quilombos e extrativistas. “Eram pessoas que viviam inseridas nesse bioma de Mata Atlântica. Por conta dos ciclos que aconteceram no litoral, a expansão do capital e o próprio estado promovendo desenvolvimento com base na questão econômica, questões das populações originárias foram deixadas de lado”, enfatiza o coordenador do Lutzenberger.
O acampamento surge após alguns ciclos acontecerem na região, com o da exploração de madeira, da palmeira juçara e da pecuária, degradando o solo e tornando-o improdutivo. Foi a partir daí que teve início a ocupação, em que as famílias se organizaram para criar o acampamento e fizeram desse espaço um local de luta pelo território.
Depois de todo esse processo de transformação, a comunidade conseguiu retomar a forma de vivência das populações que viviam neste território no passado, com um diferencial que agora é organizado, tanto para produção, quanto para debates.
“Hoje a comunidade é uma inspiração para as comunidades no entorno, inclusive para o litoral, que mostra que é possível retomar os territórios dentro da agroecologia, que vinham contribuindo para a manutenção do bioma Mata Atlântica e também fazendo a restauração dessa parte degradada, recuperação de mata ciliar, o próprio sistema de agrofloresta, ele faz uma cobertura vegetal em áreas que era de pastagem. Nós temos uma agrobiodiversidade, que é o resgate das plantas nativas”, garante Jonas.
A partir da produção agroecológica, a comunidade conseguiu o aumento dos animais silvestres, tanto os mamíferos de grande porte, como a onça, anta, veado, e de algumas aves que correm risco de extinção.
A comunidade está num fundo de baía e esse vale onde as pessoas vivem corta um dos principais rios do município de Antonina, que cai na baía de Antonina, e com isso não tem contaminação da água por agrotóxico que vem aqui e deposita nas áreas de manguezais. Inclusive tem a questão de assoreamento, que a comunidade está realizando um processo na região. A baía, os pescadores, todos ganham com isso porque a gente consegue inibir essa forma de assoreamento, de contaminação de agrotóxico.
São 20 famílias que vivem lá, e a ideia é aumentar esse número, conforme a comunidade desenvolve projetos surgem condições para que outras pessoas consigam viver lá. Jonas afirma que mudou muito, hoje boa parte da área tem cobertura vegetal de estágio de 6, 8, 12 e 18 anos, e outras espécies que vem de forma espontânea, porque os pássaros e animais conseguem chegar mais próximo e introduzir outras espécies nativas. Já o rio começou a ter uma profundidade no seus leitos, alguns peixes do rio começaram a voltar, ou seja, há uma quantidade maior de peixe de tamanhos maiores por conta da profundidade.
Festa marca a celebração da conquista camponesa e caiçara
A festividade da conquista tão esperada pela comunidade e por todo o MST será na 3ª Festa da Reforma Agrária Popular: Celebrando a Cultura Caiçara e Camponesa, que será no dia 10 de dezembro.
Procissão da Bandeira do Divino, baile de fandango, feira de produtos agroecológicos e da economia solidária, comidas típicas farão parte da programação da festa, ao longo de todo o sábado. O evento já é uma tradição na comunidade agroflorestal, reconhecido como parte do Calendário de Eventos Turísticos do Paraná.
A animação tem presença confirmada do grupo Roda da Minas e do grupo Mandicuera de Fandango Caiçara, que também faz parte da organização da festa. Haverá espaço para camping.