Povos Originários

Funai é retomada por líderes indígenas

Articulado pela Indigenistas Associados (INA) e pela Associação Nacional dos Servidores da Funai (Ansef), a retomada teve a participação de importantes lideranças, como o cacique Raoni Metuktire
Escolhida por Lula para presidir o órgão, Joenia Wapichana afirma que demarcações são prioridade. Foto: Thiago S. Araújo/INA

Por Cristina Ávila
Da Amazônia Real

Brasília (DF) – “A Funai é nossa!”, gritaram indígenas e servidores ao receberem a presidenta do órgão Joenia Wapichana e a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara nesta segunda-feira (2), em um encontro tratado como retomada simbólica da instituição após os quatro anos de desmonte e perseguições durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Articulado pela Indigenistas Associados (INA) e pela Associação Nacional dos Servidores da Funai (Ansef), a retomada teve a participação de importantes lideranças, como o cacique Raoni Metuktire, histórico defensor da Amazônia e que subiu a rampa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no domingo da posse. Participaram também representantes dos Xavante, Xokleng, Kayapó, Yanomami, Munduruku, Terena, Xukuru Kariri, entre outros.

Rituais de purificação marcaram a retomada. A partir de agora, a Funai passa a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas, uma sugestão da equipe de transição aceita por Lula.  Além disso, durante o encontro, foi apresentado o novo secretário Especial de Saúde Indígena (Sesai), Weibe Tapeba, advogado e ativista indígena do Ceará. 

Os organizadores do ato simbólico se surpreenderam com a representatividade de lideranças presentes, o que mostrou o apoio aos nomes escolhidos para a composição de governo.

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Joenia, deputada federal pela Rede Sustentabilidade que cumpre os últimos dias de mandato e será a primeira mulher indígena a assumir a presidência da Funai, disse que a criação de um grupo de trabalho para a retomada das demarcações dos territórios será um dos seus primeiros atos assim que assumir a fundação. As demarcações foram suspensas nos anos bolsonaristas, como o ex-presidente havia prometido a seus apoiadores. 

Ela falou também sobre sua determinação para combater os garimpos ilegais, o reconhecimento oficial dos agentes de saúde indígena, autonomia para a educação indígena, garantia de porte de armas para funcionários da Funai em campo, empenho para a conversão de multas por crimes ambientais em benefícios para as comunidades e para negociar que seja estabelecida uma cota mínima de 20% de cargos em concursos públicos para indígenas.

A presidenta da Funai, que também foi a primeira mulher indígena deputada federal, afirmou que o convite para assumir o cargo foi feito por Lula e ela passou “uns três dias pensando”, devido à complexidade do órgão. Advogada, experiente na defesa do Conselho Indigenista de Roraima (CIR) desde os anos 1980, em tribunais diversos e na sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF) pela demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, de Roraima, ela disse que começou a acompanhar questões territoriais quando tinha apenas 22 anos.

Na conversa com Lula, a líder indígena disse que não aceitará interferências políticas na Funai e que precisa de recursos financeiros para exercer o cargo. 

“A Funai está em cacos, mas está inteira. Não permitimos que nenhum dos retrocessos que estavam propostos na Câmara passassem e para isso foi fundamental o apoio do movimento indígena e dos servidores do órgão indigenista”, afirmou. Ela citou, por exemplo, a medida que transferia os processos de demarcação de terras indígenas para o Incra, no Ministério da Agricultura. Em uma derrota para o governo Bolsonaro, as demarcações foram mantidas na Funai. 

A ministra Sonia Guajajara também fez um pronunciamento forte no ato de retomada da Funai. “Nunca mais haverá um Brasil sem nós”, enfatizou a ministra dos Povos Indígenas. Ela destacou a diversidade de povos indígenas representados na reunião. “São anos de resistência, anos de violências e de violações de nossos direitos, que nunca foram totalmente respeitados, mas que também nunca foram de tamanha perseguição vinda principalmente de órgãos que deveriam nos proteger”, disse.

Sonia  lembrou a necessidade de criação do Plano Emergencial para Enfrentamento da Covid-19, em 2020, que foi aprovado no Congresso pelo empenho de Joenia Wapichana e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), como uma das vitórias do movimento indígena. “Sabemos que temos muitos desafios, a Funai tem uma herança bolsonarista que continua aqui e pode querer nos atrapalhar. Não vamos trabalhar com sentimento de vingança e estímulo a conflitos, promovendo divisões como eles fizeram. A gente lutou e não deixou a Funai ser esfacelada. Vamos reconstruir para que cumpra sua função de garantir direitos originários”, ressaltou.

  • Retomada dos indígenas da Funai. Foto: Cristina Ávila/Amazônia Real
  • Retomada da Funai pelos indígenas. Foto: Ascom/Joênia Wapichana
  • Retomada da Funai pelos indígenas. Foto:@leo.otero
  • Cacique Raoni na retomada da Funai pelos indígenas. Foto:@leo.otero
  • Joênia Wapichana discursa na sede da Funai. Foto: Ascom Joênia Wapichana
  • Retomada da Funai pelos indígenas. Foto: Ascom Joênia Wapichana
  • Retomada da Funai pelos indígenas. Foto: Ascom Joênia Wapichana
  • Sônia Guajajara e Joênia Wapichana. Foto: Cristina Ávila/Amazônia Real

A antropóloga Janete Carvalho, da Funai, coordenou a reunião de trabalho. “Esse evento foi realizado pelos servidores com o propósito de que a Funai retome sua função institucional”, explicou. Segundo ela, a união dos servidores se tornou mais forte depois dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, em junho do ano passado, no Vale do Javari, no Amazonas. 

O presidente da entidade Indigenistas Associados (INA), Fernando Fedola, afirmou que indígenas e indigenistas viveram “quatro anos sufocados” pelo clima de terror que se instalou na Funai durante o governo de Bolsonaro. A instituição promoveu greves contra a militarização do órgão e perseguição aos defensores da causa indígena e da Amazônia. Também foi lançado um dossiê de 172 páginas sobre o assunto, feito em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Deputada federal Célia Xakriabá (PSOL/MG), também presente, lembrou que “a última vez que estivemos (os povos originários) aqui, fomos recebidos com spray de pimenta”, referindo-se à mobilização em Brasília, em agosto de 2021, contra projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional.

Presença marcante no encontro, o cacique Raoni foi escolhido para iniciar as falas, além de também fechar o evento com uma pajelança que levou indígenas e servidores a passar pelas salas da Funai, a começar pela presidência, para uma limpeza de início de ano, de governo e de trabalhos na casa. Raoni falou na língua materna, o Kayapó, com tradução. “Estamos aumentando a população e precisamos de força e proteção. Precisamos viver em paz”, destacou. 

O cacique contou que o presidente Lula comentou com ele sobre a nomeação de Sonia Guajajara e Joenia Wapichana, que considera que farão um bom trabalho. “Se eu não entender bem alguma coisa, venho aqui falar com vocês”, brincou. 

O líder indígena disse que muitas vezes pensa em sua aldeia sobre o desejo de dominação dos não-indígenas e que desejou muito que Bolsonaro estivesse longe da Presidência da República. “Hoje estamos na Funai, fortalecidos”, comemorou. Durante a reunião, os servidores presentes cantaram palavras de ordem para saudar os novos tempos: “Olê-olê-olá, Soniaaa, Joeniaaaa”, gritaram. Também deram vivas à democracia.

Raoni na sede da Funai. Foto: Cristina Ávila/Amazônia Real