Bolsonarismo

O bolsonarismo como combustível contra o meio ambiente e a vida

MST promove plantação de árvores e produção de alimentos saudáveis contra política do agro, que usa o bolsonarismo como ferramenta para o desmatamento
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

Fascista, terrorista, genocida. Palavras que viraram padrões para entender o governo Bolsonaro e os bolsonaristas, o uso desses conceitos vêm de uma reflexão sobre as questões gravíssimas que circundam os últimos anos do país e o crescente discurso do ódio, afinal, o que chamamos de bolsonarismo hoje está em construção, maturação e ebulição no país desde 2004, mas tomou forma mais institucional em 2013, 2016 e 2018.

O crescimento deste movimento de extrema-direita é global, mas suas ações em nível nacional tomaram proporções antidemocráticas e negacionistas na gestão de Bolsonaro, principalmente em relação ao meio ambiente e a vida como um todo. A mais recente manifestação deste bolsonarismo, a invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília, foi organizada com mais detalhes e procurou trazer muito mais gente a Brasília. Seus organizadores miravam no ataque para criar o caos e permanecer tempo suficiente para articular uma intervenção militar que pusesse fim às instituições democráticas.

E nem o ataque, nem seus organizadores podem ser considerados “desconhecidos”. Se o Brasil hoje é um país humilhado por ter tolerado o intolerável, é porque Bolsonaro e outros membros do governo tiveram como estratégia de disseminação da Covid-19, a destruição do meio ambiente em nome de um “progresso” predatório e a promoção de crimes contra a humanidade em relação ao conjunto da população brasileira, além de defender explicitamente o genocídio dos povos indígenas.

Foto: Ton Molina/ AFP

Investigações recentes sobre o atentado de 8 de janeiro mostraram que fazendeiros do Pará faziam campanha de arrecadação para bancar atos golpista e antidemocráticos. Trechos de conversas de WhatsApp, obtidos pela Repórter Brasil, e vídeos publicados em redes sociais revelam o empenho de empresários para levantar recursos e manter acampamentos bolsonaristas, em Marabá (PA) e em Brasília (DF).

Este movimento extremista muito ativo no Brasil envolve um financiamento intenso e perpassa todas as camadas sociais. Isso significa que, muitas vezes, os financiadores-organizadores têm ligação tanto com o “agronegócio”, como também com um dos setores do baixo capital industrial, agrário, armamentista e de serviços, munidos da ideologia extremista do diferente, promovido na figura de Bolsonaro.

Assim, o bolsonarismo destes grupos se sustenta na modernização da velha ideologia fascista, ou seja, a leitura reacionária dos valores de “Deus, Pátria e Família”, a que se unem agora à ideia de “Liberdade”. Trata-se, neste caso, de defender incondicionalmente a propriedade privada para destruir a ideia de coletividade, como territórios indígenas, além de rejeitar qualquer política ambiental. Por isso, para entender por que os golpistas têm medo das mudanças e do novo projeto de país, é preciso olhar para a Amazônia.

Arco do Desmatamento

Atlas da questão agrária brasileira, 2008. Autor: Eduardo Paulon Girardi

Esta relação entre fazendeiros, bolsonarismo e desmatamento vai de encontro com uma análise do mapa do projeto “Atlas da questão agrária brasileira” e a comparação dos votos à presidência em primeiro turno. O mapeamento de votos do primeiro turno mostram que cidades localizadas no arco de desmatamento dariam vitória a Jair Bolsonaro, principalmente o eleitorado de Mato Grosso, Rondônia, Acre, e até Roraima, estado devastado pelo garimpo.

A partir destas análise, é possível entender como o bolsonarismo está intrinsecamente ligado ao desmatamento e seus desdobramentos deste rastro de destruição, porque está ligado ao estímulo à devastação ambiental. Segundo estudo do Instituto Socioambiental (ISA), atualmente este arco do desmatamento corresponde ao território de 256 municípios, que concentram aproximadamente 75% do desmatamento da Amazônia.

As cidades onde o agronegócio tem força são regiões marcadas por apropriações ilegais de áreas protegidas como unidades de conservação e terras indígenas, onde o garimpo ilegal tem avançado, causando malefícios dessas populações, com danos ambientais imensuráveis à Amazônia na regulação do clima.

Analisar os votos no arco do desmatamento é importante para entender a urgência em reverter o plano genocida de Bolsonaro para a destruição. Quando Lula e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, prometem desmatamento zero e maior participação dos povos indígenas nas decisões nacionais, eles atacam diretamente o imaginário dos terroristas de extrema-direita que veem o lucro acima da vida, pois muitas destas tensões estão relacionadas a velhos sistemas políticos e econômicos do capitalismo industrial.

Yanomami

Foto: Mídia Índia

Recentemente, uma série de denúncias fizeram o mundo olhar para os efeitos desta relação entre bolsonarismo, meio ambiente e a defesa da vida. No dia 20 de janeiro, o Ministério da Saúde decretou estado de emergência para “planejar, organizar, coordenar e controlar as medidas a serem empregadas” a fim de reverter o quadro de desassistência instalado na terras indígenas Yanomami.

O governo informou que pelo menos 570 crianças morreram de desnutrição, diarreia e outras causas evitáveis nos últimos anos. Somente entre os dias 24 e 27 de dezembro, três óbitos foram registrados. Com a exposição da desnutrição e a falta de atendimento médico dos Yanomami, muitas reportagens mostraram como este bolsonarismo está ligado aos garimpeiros que destroem a Floresta Amazônica, contaminam as águas e espantam a caça e a pesca, principal fonte de alimentação dos povos originários e tradicionais

O diagnóstico inicial da situação feita pelo Governo Lula revelou casos gravíssimos que envolvem contaminação de mercúrio, um dos rejeitos produzidos pelo garimpo, desnutrição e fome. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), a Terra Indígena Yanomami é habitada por oito povos, possui cerca de 26,7 mil habitantes e compreende uma área de 9,6 milhões de hectares.

Nesta região, o garimpo é um problema tão sério quanto o agronegócio na devastação da Amazônia, porque parte da mesma raiz de destruição. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), durante a pandemia, 73% da atividade irregular de garimpo foi realizada em locais que deveriam ser protegidos, enquanto cerca de 1.925,8 hectares da terra Yanomami já foram degradadas pelo garimpo ilegal. 

Ao longo de seu governo, Bolsonaro ignorou 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomami. 

A partir destes apontamentos, o Governo Lula instalou o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami, para investigar as raízes da desnutrição, fome e dos problemas de saúde na região. Mais do que uma medida institucional, a ação é um exemplo na luta pelo entendimento da natureza como bem comum e de como podemos enfrentar este modelo bolsonarista.

Plantar e resistir

Foto: Antonio Kanova

Ainda em 2020, o Movimento dos Sem Terra já enxergava a necessidade de combater este cenário, e por isso determinou a meta de plantar 100 milhões de árvores em dez anos nas escolas do campo, cooperativas, centros de formação, praças, avenidas e nas cidades, para fortalecer a produção de alimentos saudáveis nas áreas de assentamentos e acampamentos do MST.

O Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis chegou a marca de 10 milhões de árvores plantadas em 2022, e com funcionamento mais de 300 viveiros de mudas pelo país. O Plano é um espaço de articulação, formação, organização política e de amplo debate, reafirmando a Reforma Agrária Popular e a defesa dos territórios. “São experiências que reforçam a importância da Reforma Agrária Popular pra defesa e cuidado com os bens comuns”, afirmou Bárbara Loureiro, da coordenação do Plano.

A Soberania Alimentar, defendida no Plano como mudança radical no sentido da produção de alimentos faz oposição ao bolsonarismo. E estas experiências tem sido exitosas nos últimos dois anos do plano, principalmente com a produção de alimentos e a possibilidade concreta de geração de renda pras famílias Sem Terra, que se encontram integradas a toda essa organização produtiva nos territórios do MST, e estão no centro da Reforma Agrária Popular defendida pelo Movimento.

Foto: MST no PE

“[Organizamos] os processos de coleta de sementes e de pensar, organizar e implementar as agroflorestas nas suas mais diversas formas. Seja os sistemas agrocerratense, agrocaatinga, quintas agroflorestais, na diversidade dos nossos biomas e regiões, vinculados também a processos de agroindustrialização e de comercialização com as famílias”, conta Bárbara Loureiro.

Com a promoção da agroecologia, baseada na diversidade de alimentos, no conhecimento tradicional e no fortalecimento do organismo humano e da natureza de forma coletiva, também faz parte desta luta. O cenário hoje é de terra arrasada, com o sangramento do Sistema Único de Saúde (SUS), a destruição de políticas públicas para a Agricultura Familiar e camponeses, o povos indígenas e tradiocionias no campo; bem como a precarização do trabalho, a queda brutal da cobertura vacinal, o avanço das notícias falsas, a submissão de políticas públicas à ideologia do fascismo e da violência; e outros problemas graves deixados pelo bolsonarismo. No enfrentamento a esse cenário, o MST segue na resistência, plantando árvores e produzindo alimentos saudáveis.

*Editado por Solange Engelmann