Memória

Construindo Reforma Agrária Popular enfrentando o racismo

Neste 21 de março, Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial, é importante refletirmos sobre o nosso próprio processo histórico, e o papel do racismo na formação da sociedade brasileira
Para o MST, o enfretamento ao racismo e ao patriarcado devem perpassar as bandeiras de luta do conjunto da classe trabalhadora. Foto: Manuela Hernandez

Por Grupo de Estudos Terra, Raça e Classe
Da Página do MST

Nesta, terça-feira, 21 de março celebra-se o dia internacional de luta contra a discriminação racial, data que se institui em memória ao “Massacre de Shaperville, ocorrido em 1960 na África do Sul. Porém, esta é uma data importante para refletirmos sobre o nosso próprio processo histórico, e o papel do racismo na constituição da sociedade brasileira como uma das mais desiguais do mundo.

A constituição do Brasil enquanto nação, ocorreu de forma subordinada às necessidades de expansão do capital, ou seja, a face destrutiva do capitalismo esteve presente desde a nossa gênese, tendo como produto uma história violenta, tecida a partir da tentativa de dizimação das populações originárias, escravização dos africanos e dos afrodescendentes, superexploração que persistem até os dias atuais, ancoradas em dois pilares estruturantes: o racismo e o patriarcado.

O racismo no Brasil se perpetuou no tempo, organizado a partir de uma construção legal racialmente excludente, e que não tem sido efetivamente enfrentada, tornando homens e mulheres indígenas, negras, negros, pobres, reféns de um sistema de exploração e dominação que se reproduz de forma injusta, socialmente desigual e opressora, com base na super exploração dos bens da natureza e da força de trabalho. 

Existe a reprodução do racismo nas estruturas de poder, nos espaços de decisão e na existência cotidiana de um povo que “se disfarça”. Os brasileiros se olham nos espelhos americanos, sul-africanos e nazistas e se percebem sem nenhuma mácula ao invés de se olharem em seu próprio espelho. Assim ecoa dentro de muitos, uma voz muito forte que grita: não somos racistas, racistas são os outros (Munanga, In Milanez, et al 2019).

Existimos e resistimos numa nação onde sempre predominou a hegemonia das elites a serviço do capital, colonizadores, latifundiários, grandes proprietários, corporações empresariais, em sua maioria, homens e brancos, contrária à uma maioria, povos originários, africanos escravizados, colonos, trabalhadores, trabalhadoras do campo e da cidade, sem-terra, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas. Estes, são quem de fato representam o trabalho produtor de riquezas e enfrentam o preconceito e a discriminação racial no cotidiano.   

O racismo, adoece, mata em vida e coloca a população negra e indígena à margem da sociedade. A exclusão social dos indivíduos é uma das manifestações mais violentas de nossa sociedade, uma vez que produz a carência de qualquer horizonte de perspectivas e uma “privação de poder de ação e representação” (Wanderley, 1999).

O enfretamento ao racismo e ao patriarcado devem perpassar as bandeiras de luta do conjunto da classe trabalhadora. O Brasil não pode mais seguir rejeitando negros e indígenas como parte de seu ser social. Como nos ensinou Clovis Moura (2019), fazer isso é seguir sendo uma nação inconclusa.

Como luta estruturante no enfrentamento às desigualdades e na defesa da natureza, a Reforma Agrária Popular – RAP tem de pauta a centralidade do enfrentamento ao racismo nas ações de luta pela terra.

Ao capital interessa a violência, a nós interessa a emancipação. É parte da reformulação do nosso projeto de construção da Reforma Agrária Popular, em que o MST coloca o enfretamento às violências como eixo estruturante de sua luta. Na RAP não cabe violência, por essa razão, esta deve ser anticapitalista, combater a concentração da terra e à exploração nas relações de trabalho e na natureza, antirracista, enfrentar as opressões raciais e étnicas em todos os níveis; antipatriacal, confrontar a opressão e dominação de gênero, os homens não podem se sentir socioculturalmente autorizados a agredir e oprimir, e antilgbtifóbico – combater as opressões em relação à diversidade sexual, identidade de gênero respeito a diversidade sexual.  

Não se produz alimentação saudável, através de relações doentes é uma das sínteses extraídas do debate e enfretamento às violências na construção da RAP, compreendendo o sujeito a partir das especificidades que as/os constituem: indígenas, negras, LGBT´s, trabalhadores e trabalhadoras, urbanas, camponesas, ribeirinhas, e o potencial de luta que está contido na materialidade da vida de cada um/a.

Não é retórica a afirmação de que quando o povo indígena, população negra, LGBT´s, mulheres, se movem, forçam as amarras de classe, de raça e de gênero que sustentam a estrutura desigual desta sociedade.  

Para confrontar essa fórmula inumana de produção de desigualdade, onde uma minoria, branca, masculina, heterossexual, proprietária, direcionam a política e a produção econômica em benefício próprio, para lucrar e concentrar cada vez mais riqueza e poder. Só com organização, lutas e resistência. Projetando territórios livres de violência.  

As fissuras desse tempo são profundas, por essa razão, o MST considera a defesa das vidas como estruturante em nossa estratégia de luta por terra, Reforma Agrária Popular e construção de um outro projeto de sociedade.

Referências:

MOURA, Clóvis. Sociologia do negro no Brasil. São Paulo: Perpectiva, 20219.

MILANEZ, Felipe SÁ Lucia, KRENAK Ailton, CRUZ Felipe, URBANO Elisa e PATAXÓ Genilson dos Santos.  Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 10, N. 03, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/3SxDNnSRRkLbfh3qVFtmBDx/?format=pdf&lang=pt.

WANDELEY, M. B. Refletindo sobre a noção de exclusão. In Sawaia, B. B. (org) As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 1999.  

*Editado por Solange Engelmann