Lula 100 dias

“São 100 mil famílias em acampamentos, muitas há 10 anos debaixo da lona”: MST cobra ações do governo Lula no Abril Vermelho

“Queremos que o Ministério do Desenvolvimento Agrário apresente medidas concretas e um cronograma de ações para os quatro anos”, diz Ceres Hadich, da Direção Nacional do MST
Ceres Hadich. Foto: Wellington Lenon

Por Brasil 247

Integrante da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Ceres Hadich afirmou ao Brasil 247 que o movimento espera do governo Lula (PT) “uma sinalização de que vai atender a demanda das famílias acampadas e assentadas”.

Segundo ela, o MST também quer “que o Ministério do Desenvolvimento Agrário apresente medidas concretas e um cronograma de ações para os quatro anos. O governo precisa também dar uma sinalização em relação à recomposição do orçamento do ministério e do Incra”.

No Abril Vermelho, o MST reforça sua luta pela Reforma Agrária. O mês relembra o assassinato de 21 trabalhadores rurais mortos em Eldorado de Carajás, no Pará, 1996.

Leia a entrevista na íntegra:

Como será a jornada de lutas de abril neste ano?

O Massacre de Eldorado de Carajás, que deixou 21 trabalhadores rurais mortos no Pará, completa 27 anos. O 17 de abril é reconhecido no Brasil e no mundo como dia de luta pela Reforma Agrária. Nesses anos, o MST e o conjunto dos movimentos populares do campo fazem manifestações durante o mês de abril  pela reforma agrária e em memória a todos os que morreram na luta pela terra. Uma das ações mais simbólicas que realizamos ano a ano é o acampamento na curva do S, em Carajás, onde foi o massacre. Neste ano, o movimento vai fazer durante o mês diversas ações na jornada, como atos políticos, celebrações inter-religiosas, ações de solidariedade, manifestações de massa, marchas e ocupações de terra. Fazemos a jornada para que não se esqueça da morte desses companheiros, que o Brasil é o país do latifúndio, com o maior índice de concentração de terras, e que a reforma agrária é uma dívida histórica com os povos do campo. A Constituição determina que áreas que não cumpram função social sejam destinadas para a reforma agrária. Por isso, denunciamos latifúndios improdutivos e áreas do agronegócio onde exploram os trabalhadores, como nos casos de trabalho escravo, e onde se comete crimes ambientais. 

O que o MST espera do governo Lula com as manifestações? Quais as principais reivindicações?

Esperamos que o governo dê uma sinalização de que vai atender a demanda das famílias acampadas e assentadas. Queremos que o Ministério do Desenvolvimento Agrário apresente medidas concretas e um cronograma de ações para os quatro anos. O governo precisa também dar uma sinalização em relação à recomposição do orçamento do ministério e do Incra. Sabemos do retrocesso institucional durante o governo Bolsonaro, mas são 100 mil famílias que vivem em acampamentos, muitas estão há 10 anos debaixo da lona preta. O governo precisa abrir o cadastro das famílias acampadas e, com a demanda, apresentar um cronograma para assentar as famílias. Além disso, são 30 mil famílias que já estão na área, mas estão na condição de pré-assentados em processos não concluídos pelo Incra. O governo pode resolver essa situação com maior celeridade. Em relação à pauta das famílias assentadas, é preciso retomar as políticas públicas para a produção nos assentamentos, como crédito, compras públicas, cooperação, industrialização e comercialização para aumentar a produção de alimentos e combater a fome no país.

Depois de quatro anos com Bolsonaro, o Brasil tem um novo governo e Lula voltou a ser presidente. Qual é a relação do movimento com o governo?

Lula foi eleito como expressão de uma frente ampla que se construiu contra o governo Bolsonaro. A composição de forças políticas e sociais dessa frente é formada pela esquerda, pelo centro e por segmentos da direita. Cada setor está fazendo pressão em defesa dos seus interesses. O presidente está firme, com uma posição mais à esquerda na política e na economia. Os setores populares devem cumprir o seu papel, fazer lutas e defender na sociedade as mudanças sociais necessárias para avançar com as conquistas. O presidente Lula é amigo do MST e muitos ministros sempre tiveram compromisso com a reforma agrária. O movimento estabeleceu também fortes relações com diversos setores da sociedade e muitos deles foram para o governo. O movimento está alinhado à agenda do presidente Lula de colocar centralidade no combate à fome e à pobreza no país. Acabar com a fome demanda o atendimento daqueles que estão em uma situação vulnerável e uma política de produção de alimentos de qualidade, além das políticas sociais de renda.

Como tem se dado a relação com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro? 

Estamos construindo uma relação institucional com o conjunto dos ministérios. O ministro Paulo Teixeira tem compromisso com a reforma agrária, montou a equipe e tem interlocução com diversos setores. Em relação ao ministro Carlos Fávaro, da Agricultura, fomos recebidos em seu gabinete e apresentamos a nossa pauta. Sabemos que ele é interlocutor do agronegócio e que precisa dar sinalizações para a base dele, mas mantemos um bom diálogo. Foi muito importante a presença dele na festa da Colheita da Soja Livre de Transgênico, que aconteceu em fevereiro no Paraná.

O MST paralisou as ocupações de terra durante o governo Bolsonaro, mas está retomando agora sob o governo Lula. Por quê?

Não houve uma paralisação. Foram realizadas ocupações em vários estados onde as condições eram mais favoráveis. Por exemplo, na Bahia, o movimento ocupou 28 latifúndios, em 20 municípios, durante o governo Bolsonaro. Além disso, é preciso considerar os dois anos de pandemia, que inviabilizou as ocupações. Bolsonaro é expressão dos setores mais violentos e atrasados da sociedade, como o latifúndio improdutivo, as milícias armadas do campo e os setores mais truculentos das polícias. Sob seu governo, a política fundiária, ambiental e de reforma agrária sofreu o maior retrocesso desde a lei de terras de 1964. O latifúndio improdutivo, o setor mais atrasado da agricultura brasileira, retomou o poder que vinham perdendo desde o governo de FHC. As famílias de trabalhadores rurais pobres sabiam que, diante de um governo fascista, a margem de conquistas era muito pequena. Ele acabou com o ministério do desenvolvimento agrário e a estrutura do Incra ficou sob comando de um integrante da UDR. 

Quais foram as principais iniciativas do movimento durante o governo Bolsonaro?

O movimento manteve as áreas já ocupadas, preservou as famílias acampadas da violência propagada por Bolsonaro e avançou na produção nos assentamentos já conquistados. Houve um esforço das famílias assentadas para produzir alimentos, mesmo com a desestruturação das políticas públicas da agricultura familiar. As cooperativas da reforma agrária avançaram na organização interna e planejamento, construíram agroindústrias e viabilizaram a comercialização. O reconhecimento de que as cooperativas do MST têm a maior produção de arroz orgânico da América Latina demonstra a força da reforma agrária. A rede Armazém do Campo ganhou corpo e conta com 30 lojas físicas e 39 pontos de comercialização, espalhados por 13 estados. Foi lançada a Campanha Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis com a meta de plantar 100 milhões de árvores em dez anos. Durante a pandemia, o MST priorizou as ações de solidariedade, doou mais de 8,5 mil toneladas de alimentos e 2,5 milhões de marmitas para pessoas e famílias inteiras em situação de fome e insegurança alimentar em todas as regiões do país.

O governo Lula é mais permissivo para as ocupações de terras?

Não é o governo que determina se as famílias vão fazer ou não ocupações de latifúndios improdutivos, mas o clima geral da sociedade e a perspectiva de obter conquistas. Nos regimes autoritários e nas ditaduras, as lutas sociais não são toleradas. Nas democracias, os diversos segmentos da sociedade têm liberdade de organização para lutar pelos seus interesses. Com a eleição do Lula, o clima mudou na sociedade brasileira. Passou o tempo do governo da intolerância com as manifestações democráticas, do culto à repressão e da liberação de armas. Sob governos mais democráticos, as lutas sociais ganham força. Nos últimos 10 anos, a grosso modo, houve um refluxo na política de assentamentos das famílias. Os problemas sociais foram se avolumando e são 100 mil famílias acampadas que resistem e precisam de uma sinalização do governo. 

Qual a avaliação da articulação na Câmara dos Deputados para instalar uma nova CPI contra o MST? 

É mais uma tentativa de perseguição contra o nosso movimento, a luta pela reforma agrária e a luta popular pela extrema-direita, que foi derrotada na eleição de 2022 com a vitória do Lula. Com isso, estão usando seus parlamentares para fazer agitação política e luta ideológica para manter suas pautas em debate. Essa CPI é uma iniciativa de um setor de extrema-direita que não aceita a democracia e não admite que os trabalhadores se organizem e lutem, como prevê a Constituição. Esperamos que não seja instalada, porque os deputados gastarem energia com uma CPI dessas é um tapa na cara da sociedade brasileira. Já foram feitas quatro CPIs contra o MST e não chegaram em lugar nenhum. E o movimento continua firme e forte rumo aos 40 anos. O Congresso Nacional deveria se dedicar à discussão sobre como acabar com a fome, gerar empregos, tirar o país da crise econômica e melhorar a vida do povo brasileiro.