Reforma Agrária Popular

Por que ocupar a terra é defender a natureza?

Cumprir a função da terra e a sustentabilidade do meio ambiente, perpassa pela desconcentração fundiária

Foto: Gabriel Bicho

Por Jailma Lopes
Da Página do MST

Muito tem se falado sobre a legitimidade das ocupações de terra do MST. Temos visto de tudo: desde comparar as ocupações de latifúndios improdutivos e que praticam trabalho escravo, às ações criminosas cometidas por bolsonaristas golpistas, no 8 de janeiro. Até mesmo, na insistência em criminalizar as ocupações, reduzindo-as a “invasões” de propriedades privada, ignorando a legitimidade de movimentos de luta pela terra, mesmo após décadas de um debate exaustivo levantado sobre a necessidade da Reforma Agrária no Brasil.

Os ataques fatigantes direcionados para quem luta pela terra no Brasil, tem como objetivo desviar a atenção para o que precisa ser desvelado. Por isso, o Movimento Sem Terra continua mobilizado na construção de um Projeto Popular para o país, reafirmando a urgência da luta pela terra e denunciando uma das contradições centrais do país, que é a concentração fundiária.

Neste sentido, os Sem Terra denunciam e anunciam: a Reforma Agrária como uma necessidade do povo brasileiro, pelo cumprimento da função social da terra, com a conservação do meio ambiente, uso racional dos bens comuns e a construção de relações de trabalho humanizadas e dignas, tanto no campo, quanto nas cidades.

Nos últimos anos, e principalmente sob o governo Bolsonaro, vivemos um intenso período de paralisação da Reforma Agrária e desmonte do projeto de agricultura camponesa e familiar, em detrimento a potencialização do modelo explorador do agronegócio.

Trata de um período, onde o agronegócio – apesar de sua hegemonia política, cultural e econômica – não deixou de evidenciar as contradições destrutivas para vida humana e a natureza. Nos colocando diante da mais profunda crise ambiental da história, como expressão da crise estrutural do capital.

Extremos climáticos, enchentes, alagamentos, precipitações, secas, destruição de todos os biomas, epidemias e pandemias acentuadas por crises ambientais globais – desde o ebola, passando pela gripe aviária e suína, até a mais recente tragédia mundial da Covid-19 – foram manchetes que passam a ser cada vez mais cotidianas, reafirmando problemáticas da conjuntura de um planeta adoecido pela superexploração capitalista – como já vem anunciado povos tradicionais, movimentos populares e ambientalistas.

Neste cenário, se estima que nos últimos 50 anos, os números de desastres/crimes ambientais aumentou cinco vezes, e mata por dia cerca de 115 pessoas, causando 202 milhões de dólares de perdas diárias. 

Porém, pouco se problematiza, se essas tragédias não eram inevitáveis ou fenômenos naturais! E sim, a expressão do modelo de produção capitalista é preciso ser cada vez mais denunciada, em alto e bom tom, responsabilizando os agentes do tripé: agronegócio, da mineração e hidronegócio. São eles os maiores responsáveis pelo envenenamento de povos e do meio ambiente, pelos desmatamentos, erosões, e pela maior emissão de gases no efeito estufa – temas que estão na agenda da arena da governança global,

O que esse tripé têm em comum? Não é nada novo, e sim, fundado desde que “a invasão chega de barco nessa América Latina, e  veio lá da Europa com este plano de chacina, vinham em nome da colonização…” Como canta a música, tem como bases um modelo que concentra terra e desenhou a estrutura econômica, política, social e cultural da sociedade brasileira, nos condenando a um modelo agroexportador e a condição de “zona de sacrifício” do mundo.

Esse contexto se aprofunda ainda mais em tempos de crise estrutural do capitalismo, intensificando a marcha por mais acumulação a partir do rentismo e da especulação, fazendo-se acelerar o seu curso de apropriação-expropriação-dominação da terra, dos bens da natureza e da força do povo trabalhador, explorando, por sua vez, ainda mais o capital dos investimentos sociais necessários a sociedade.

Os impactos disso? Já estão à vista, não são mais ocorrências isoladas ou pontuais! Mas muito mais profundamente, o povo trabalhador, os que vivem nos territórios que estão na mira da expansão das fronteiras agrícolas (camponeses, indígenas, quilombolas, ribeirinhos), mas também mulheres e homens, negras e negros, que vive nos centros urbanos periféricos, comprometendo o presente e futuro de gerações, atingindo jovens e as crianças. 

Mas o que as ocupações de terra do MST tem haver com essa crise ambiental?

Ora, tudo! A terra é chão que se localiza os bens comuns da natureza, onde os capitalistas querem avançar nas novas formas de exploração para acumulação. Já que pelas mãos da financeirização, o ar, os minérios, as florestas, a água e a terra, tornaram-se apenas moeda econômica.

Ademais, a terra em si, na conjuntura agrária do país, mantém o desenho fundiário fundado na violência e expropriação dos povos, historicamente reproduzindo condições de exploração e subordinação.

O significado prático é mais concentração de terra! É a renovação do pacto do latifúndio improdutivo, o capital financeiro, e o Estado, com as empresas mais ricas de tecnologia da informação, que servirão para ampliar o controle digital e o assédio aos territórios. 

Esse projeto além de inviável, é criminoso, e já passou da hora dos Três Poderes brasileiros atualizarem os parâmetros de produtividade e questionarem os crimes ambientais como violadores da função social da terra.

Portanto, a democratização do acesso à terra, a Reforma Agrária Popular e a questão ambiental não podem ser vistas como dissociadas. As ocupações Sem Terra se tratam da defesa da função socioambiental da natureza, pela defesa da sustentabilidade desses territórios, que é cultivado por seus povos, suas comunidades, campesinas, indígenas, ribeirinhas, entre outras.

Por isso, neste mês de abril, o MST anuncia a “Jornada de Lutas em Defesa da Reforma Agrária contra fome e a escravidão: por terra, democracia e meio ambiente!” – compreendendo que a democratização da terra é condição para garantir sua função socioambiental. Com a criação de sistemas sócio-produtivos agroecológicos e diversos, que tenham como objetivo central alimentar o povo e cuidar dos bens comuns – contra a financeirização da terra, a destruição dos ecossistemas e da biodiversidade.

*Editado por Lays Furtado